02 Outubro 2019
Justamente quando a Amazônia está ardendo em chamas, o papa Francisco convoca à Roma o Sínodo Pan-Amazônico. No encontro não se falará somente da selva tropical, mas também do celibato católico.
A reportagem é de Astrid Prange de Oliveira, publicada por Deutsche Welle, 30-09-2019.
No Sínodo Amazônico o papa Francisco se enfrenta com dois poderosos opositores políticos simultaneamente: com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e com os críticos de suas próprias fileiras. Ao Sínodo, de 6 a 27 de outubro no Vaticano, assistirão bispos de nove estados ribeirinhos da região amazônica. A área é enorme: 7,5 milhões de km², representa por exemplo, quase o dobro da superfície de toda a União Europeia (UE).
“O governo brasileiro se sente perturbado porque já leram os documentos preparatórios e sabem que vamos abordar a destruição da Amazônia”, disse Edilberto Sena, pastor durante 40 anos na cidade amazônica de Santarém e ex-diretor da Rede de Notícias das Amazônia (RNA), a associação de quase uma vintena de emissoras de rádio de seis estados brasileiros.
Muitos bispos suspeitam que, por isso, estarão no foco da atenção das autoridades antes da nomeação em Roma, que serão observados e suas conversas, interceptadas. O governo brasileiro não oculta seu descontentamento com o Sínodo: de fato, já consultou a Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil – CNBB, se seria possível adiar o Sínodo, ou cancelar por completa sua participação.
E isso que o anúncio da reunião episcopal é, em realidade, bastante inofensivo. O lema é “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. No entanto, por trás dos “novos caminhos”, os críticos papais suspeitam, e não precisamente em vão, um ataque contra o celibato, à vida não-casada e à abstinência sexual como requisitos para o sacerdócio católico. Ademais, a ecologia integral se entende em Brasília como uma declaração de guerra contra o exitoso agronegócio.
Esses conflitos podem ser observados na selva brasileira como uma mostra científica sob uma lupa: não somente as causas e consequências dos incêndios florestais e o desmatamento, mas também as de falta de sacerdotes na Igreja Católica são drasticamente notáveis ali.
Estatisticamente, nas regiões amazônicas há um padre responsável por 17 mil católicos batizados. Em comunidades remotas, as mulheres representam a esmagadora maioria do voluntariado da Igreja, e são aqueles que organizam o culto e a catequese. Elas também entregam a comunhão, com hóstias previamente consagradas por padres ou bispos. Padres, ou inclusive algum bispo, passam por lá, no máximo, uma ou duas vezes por ano.
Para o bispo amazônico Johannes Bahlmann, da diocese de Óbidos, esse tipo de cuidado pastoral à distância é insuficiente. Sua diocese cobre uma área de 182 mil km². 23 padres e 20 irmãs se ocupam de uma área de 600 comunidades.
Em comparação, na Alemanha, por exemplo, ocupa uma área de 357 mil km², e os fiéis de suas aproximadamente 10 mil paróquias são atendidos, segundo a Conferência Episcopal Alemã, por um total de 13.285 padres.
Frequentemente, Bahlmann dirige por dias pela floresta. "Para os indígenas tiriyó, por exemplo, é muito difícil designar padres, eles vivem dispersos em um raio de 150 quilômetros e leva dois dias para entrar nessa comunidade", explica este bispo da Amazônia.
Sua solução proposta: "Em tal situação, deve-se perguntar se não seria apropriado que alguém da comunidade fosse ordenado sacerdote, mesmo que seja casado, para que ele também possa garantir a Eucaristia".
Bahlmann não é conhecido, até agora, como um rebelde católico. No entanto, o bispo de 58 anos, que vive no Brasil desde 1984, aborda o verdadeiro tema central do Sínodo: o relaxamento da obrigação de celibato entre os padres católicos.
No Vaticano, cardeais e bispos conservadores se mobilizam contra. Recentemente, o cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller, ex-Congregação para a Doutrina da Fé no Vaticano, alertou publicamente contra o uso do Sínodo Amazônico como uma "bola de demolição" das estruturas existentes.
Eles sabem que o papa tem aliados por sua "estratégia amazônica", como relator geral do Sínodo, o cardeal brasileiro Claudio Hummes. E não apenas no Brasil. O bispo alemão Franz-Josef Overbeck, chefe da Adveniat, uma agência de ajuda católica para a América Latina, e Josef Sayer, ex-diretor da agência de ajuda Misereor, também estiveram envolvidos na organização deste Sínodo.
Portanto, os receios do cardeal Müller de que o dique se rompa em Roma não são descartáveis. Bem, se padres podiam se casar na Amazônia, por que não na Alemanha ou no resto do mundo?
De Santarém, o reverendo Edilberto Sena aposta exatamente nisso. "Se o Sínodo aprovar e o papa aprovar, a ênfase (que isso só pode servir aos pastores) em comunidades remotas mostra apenas, para mim, a atitude prudente do Papa em dizer: abriremos o caminho, então, veremos".
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