Entrevista com Mauricio López, da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, sobre o Sínodo dos Bispos para a Amazônia e os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Assembleia do Sínodo para a Amazônia deste ano será um exercício de comunhão eclesial após dois anos de intenso trabalho e preparação. O evento, a acontecer entre os dias 16 e 27 de outubro na Santa Sé, é somente uma parte – certamente importante – de um processo muito mais amplo. Este processo envolveu uma consulta a mais de 87 mil pessoas nos nove países que formam a região latino-americana conhecida como Pan-Amazônia: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
Quando o Papa Francisco visitou o Peru em janeiro de 2018, afirmou que “nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”. De fato, há um total de 390 etnias diferentes que convivem no território da Amazônia, onde habitam mais de 34 milhões de pessoas, e que são testemunhos dos conflitos que diariamente dilaceram a vida das comunidades locais assim como o próprio ambiente natural. Mauricio López, secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, esteve na companhia de centenas dessas comunidades com parte de seu trabalho de coordenação e articulação das entidades da Igreja que atuam no referido território.
Morando no Equador, mas habituado a percorrer os diversos rincões da bacia amazônica, López garante que ali “a presença da Igreja Católica é de caráter profético, e talvez ela é a instituição que tem maior presença, mais legitimidade, maior referência histórica e uma maior perspectiva a longo prazo”. No entanto, ele reconhece que a enorme extensão e a não acessibilidade a diversas áreas têm gerado um alto grau de fragmentação da presença eclesial. Eis uma brecha que a REPAM tem ajudado a fechar trabalhando como um dos principais órgãos coordenadores deste sínodo especial.
A entrevista é de Felipe Herrera Espaliat, publicada na edição n. 1.203 (julho-setembro 2019) de La Revista Católica, 27-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por que um sínodo especialmente dedicado à Amazônia?
Como disse o Papa Francisco, este Sínodo dos Bispos é filho da Laudato Si’, e o coração da Laudato Si’ é a categoria de ecologia integral. Este conceito articula distintas dimensões do processo da vida humana e as põe em diálogo para responder a uma realidade complexa, diversa e essencial para o futuro do mundo: ecologias política, econômica, social, ambiental, cultural e espiritual; além da justiça entre as gerações e o princípio do bem comum.
Por outro lado, é um sínodo que apela às três conversões prioritárias no itinerário do pontificado de Francisco: pastoral, sinodal e socioambiental. A conversão pastoral está claramente posta na exortação Evangelii Gaudium, ao promover uma Igreja de saída, missionária, uma pastoral a animada pela alegria do Evangelho e uma evangelização do social.
A conversão a partir da sinodalidade a encontramos na constituição apostólica Episcopalis Communio, que expressa um modo muito mais amplo e aberto de governo, mais descentralizado, e onde o papa propõe ouvir com muito mais atenção o Povo de Deus para poder exercer o seu papel de pastor da Igreja.
E, finalmente, a conversão socioambiental, que aparece na encíclica Laudato Si’.
Assim, temos um sínodo sobre os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, não como dois elementos separados, mas como um único caminho apenas: os novos caminhos para a Igreja precisam ter implicações para a ecologia integral, bem como as opções essenciais pela ecologia integral devem expressar e levar a novos caminhos para a Igreja.
Como os povos originários se envolveram diretamente no sínodo?
A REPAM acompanhou todo o processo de preparação sinodal, com uma escuta que alcançou diretamente 22 mil pessoas, e de maneira preparatória pelo menos outras 65 mil. Os povos originários participaram de forma ativa e ampla, fortemente associados a espaços concretos de escuta territorial, tanto em seus próprios territórios como através das organizações regionais e nacionais. Houve uma representação de pelo menos 171 comunidades ou nacionalidades indígenas distintas, ou seja, mais de 40% de todos os povos originários. Nesta perspectiva, foi feita a opção prioritária de se trabalhar com eles em chave de diálogo, com a presença de bispos, missionários, religiosos, mas não com uma tônica de evangelização tradicional nem de elaboração de projetos, mas de escutá-los, criando pautas comuns a partir de seus clamores, esperanças e horizontes, e de seus pedidos concretos para a própria Igreja.
Quais os traços mais característicos destas comunidades?
O mais característico destas entidades indígenas é a sua visão de “bem-viver”, isto é, uma visão que integra as relações entre eles como sujeitos, mantendo sua identidade cultural, suas práticas, tradições, língua, seus modos de vida e, por outro lado, tudo o que tem a ver com suas espiritualidades, com as quais também queremos entrar em diálogo neste processo sinodal.
Nos casos de comunidades católicas, para reforçar a pertença destes grupos à Igreja, realizamos um processo muito mais cuidadoso de enculturação, mas também reconhecendo e respeitando as contribuições que eles dão. Com os que não são católicos, entramos em uma dinâmica de interculturalidade, em outras palavras, travamos diálogos transparentes, fraternos e horizontais, para poder trabalhar juntos na defesa da vida.
Foram eles realmente protagonistas ou só participam de um sínodo pensado a partir do Vaticano?
Para a REPAM, eles são definitivamente os protagonistas. De fato, suas vozes estão fortemente expressas no Instrumentum Laboris (instrumento de trabalho preparado para o Sínodo dos Bispos). A REPAM sintetizou intensa e pormenorizadamente todas as expressões trazidas pelos povos originários, o que reflete toda a diversidade das comunidades amazônicas, incluindo as periferias urbanas ou os habitantes das cidades. Certamente, os povos indígenas são os principais protagonistas, pois existe uma opção preferencial pela defesa de seus territórios e de seus direitos.
Em que áreas os habitantes da Pan-Amazônia estão sendo explorados e quem são os que os exploram?
Os que mais exploram os seus territórios são as indústrias extrativistas, petrolíferas e de mineração. Por exemplo, a mineração legal de alto impacto a céu aberto tem resultados negativos tremendos no território; enquanto que a mineração ilegal, ou “garimpo”, também está acabando com amplas extensões, sobretudo de reservas naturais ou de territórios indígenas, com consequências gravíssimas para o meio ambiente pelo uso de metais pesados que prejudicam a saúde e põem em risco a vida.
As pessoas também são exploradas por alguns governos que, de alguma maneira, têm retrocedido e que regredido em matéria de direitos sociais, territoriais e ambientais. Depois, está a responsabilidade das sociedades dos próprios países amazônicos, que vivem com uma certa distância com respeito a estes povos, de suas identidades, sem se preocuparem pelo futuro do planeta e pelo cuidado desses espaços sistêmicos. Em muitos casos, estas populações expressam um racismo e uma rejeição para com a diversidade cultural dos povos.
A Igreja quer acompanhá-los e defender seus direitos, mas não como uma entidade estranha, e sim como que caminhando junto, principalmente tentando torná-los eles mesmos os protagonistas e sujeitos de sua própria história. Isso implica fornecer-lhes as ferramentas necessárias para defender os seus próprios direitos por meio do acompanhamento de organizações, eclesiais ou não, que os permita, cada vez mais, empoderarem-se.
Quais são os eixos temáticos que o sínodo abordará?
O sínodo trabalhará fundamentalmente em três partes. Primeiro, a voz da Amazônia, isto é, o ver e escutar a realidade, a composição desta realidade, a diversidade de seus povos, as ameaças, a visão das comunidades originárias ou indígenas, sua proposta de bem-viver, sua espiritualidade. Esta primeira parte organiza-se a partir de quatro palavras: vida, território, tempo-kairós e diálogo.
A segunda parte, referente ao discernir e agir em conjunto, volta-se sobre a ecologia integral. Ela implica abordar a situação particular de risco e ameaça da crise climática mundial, seu impacto cotidiano nos territórios amazônicos, sua importância para o futuro do planeta e o chamado da Igreja para que responda a estas coisas frente aos desvios de um pecado estrutural.
Finalmente, a terceira parte fala sobre os caminhos para uma Igreja mais profética e samaritana, que tem a ver com reflexões sobre o modo como a Igreja se organiza, sobre como deve responder diante das situações particulares vividas aqui, a necessidade de mudanças concretas, novas modalidades também de presença, novos ministérios e muito mais.
Como o instrumento de trabalho foi elaborado?
O Instrumentum Laboris foi preparado com base em duas vias prioritárias de consulta. A primeira e tradicional foi a via das conferências episcopais, que responderam a um questionário (o documento preparatório). A outra foi a via da REPAM, que se fez presente nos nove países da Pan-Amazônia através de aproximadamente 260 pontos e escuta sinodal, 180 rodas de conversa, entre 60 e 80 assembleias territoriais e cerca de 30 fóruns temáticos pan-amazônicos. Depois, foi feita uma síntese com todos estes dados, com uma participação muito ampla da diversidade de povos, comunidades e organizações, e junto com as diversas instâncias eclesiais. Além disso, contou-se com a contribuição de 90% dos bispos pan-amazônicos.
Com todas estas informações foi criado um grupo de especialistas, cinco do território amazônicos propostos pela REPAM e outros cinco do Vaticano. Essa equipe redigiu um primeiro rascunho do Instrumentum Laboris, que foi finalmente aprovado pelo Conselho Pré-Sinodal, instituído pelo Papa Francisco e composto por bispos da Amazônia, instâncias especializadas do Vaticano e membros da REPAM.
Qual é e o que caracteriza a teologia que sustenta a reflexão deste sínodo?
Aqui existe uma teologia dogmática fortemente trabalhada, juntamente com uma teologia sistemática profundamente enraizada na tradição eclesial. Além disso, faz-se presente a teologia latino-americana, incluindo a teologia índia, que é parte do corpus teológico da região, endossado pelo CELAM. Também, veem-se os aspectos teológicos que a encíclica Laudato Si’ sugere, e que têm a ver com uma teologia da Criação e teologia da Encarnação.
Por que o Instrumentum Laboris vem gerando tanta resistência em alguns setores eclesiais?
Não creio que exista muita resistência nos diferentes setores da Igreja. Creio que as poucas resistências contra o Instrumentum Laboris são feitas por vozes estridentes que desqualificam, de forma muito surpreendente, todo um caminho, onde o próprio Papa Francisco já manifestou um modelo de colegialidade e ampla participação de pessoas absolutamente competentes, com um amor profundo pela Igreja e um conhecimento profundo da realidade.
Creio que essas reações respondem a duas áreas. Primeiro, o desconhecimento absoluto da realidade particular da Pan-Amazônia e uma desconexão total dela. Segundo, a necessidade de resistir a todo tipo de mudança sobre o modo de proceder e de ser Igreja. A sinodalidade que propõe o Papa Francisco gera novos caminhos de diálogo, escuta e, evidentemente, é preciso haver mudanças em um processo de discernimento. É necessário dizer a essas pessoas que o discernimento está em marcha, que ainda não foi concluído, que existe um documento que ajudará no processo de discernimento e que, ao final, será uma decisão ulterior do Papa Francisco, como presidente do sínodo, impulsionar elementos do Magistério segundo o que for discutido neste espaço.
Portanto, o convite é para discernir, escutar atenta e absolutamente no sentido da unidade, da fraternidade e da paz.
O que tem sido feito para que o Sínodo dos Bispos não se transforme em um ato político, mantendo-se em sua qualidade evangelizadora?
Não tem cabimento algum que o sínodo se converta em um ato político. São as relações de alguns governos que estão querendo lhe atribuir este traço, porém em matéria de discernimento eclesial há um cuidado absoluto de escuta ao território, de respeito ao processo pastoral e de construção conjunta com a Secretaria do Sínodo, com o fim de animar um processo colegiado e cuidadoso de discernimento. Pela importância da Amazônia para o planeta, pela situação particular dos povos originários e pela violência e ameaças que enfrentam, é inevitável que haja reações externas ou de alguns poucos representantes.
Garanto a você que, nos processos da REPAM, percorremos caminhos de absoluta comunhão, de profunda oração, de um sentir com a Igreja de grande qualidade, e que tudo está encaminhado para um discernimento eclesial que também terá implicações sobre a realidade mais ampla deste território. Isso implica, por exemplo abordar questões sociais e de direitos humanos. Mas o sínodo como tal está pensado e encaminhado como um processo absolutamente eclesial e, nesse sentido, é preciso ajudar a cuidar dele. Haverá reações, resistências, inclusive rejeição a certas coisas, porque o que está em jogo é muito importante.
A Igreja deve e quer permanecer com os mais vulneráveis e explorados, com os mais excluídos, para que a vida deles possa ser uma vida mais plena, e para que possa haver um futuro para toda a humanidade nesta absoluta crise climática. Essa opção, por exemplo, incomodará muitos grupos de poder, e já está incomodando, mas não há uma situação de confronto, e sim uma opção particular pela vida dos mais pequenos e pela vida futura do planeta.
Por que se tornou tão relevante a proposta do instrumento de trabalho de avaliar a possibilidade de ministros casados celebrarem a Eucaristia?
No instrumento de trabalho existem cerca de 120 propostas concretas para o processo eclesial no Sínodo dos Bispos. O tema da avaliação de ministros casados é só uma dessas propostas. Como objeto de discernimento, tem igual importância que todas as outras. São os meios de comunicação que, em muitas ocasiões, têm uma pauta preestabelecida ou outros objetivos, que estão dando um peso completamente desproporcional a essa situação.
Mesmo assim, a reflexão sobre o tema parte da realidade concreta da comunidade, de suas necessidades, da ausência de Eucaristia por períodos prolongados, às vezes por mais de um ano em algumas comunidades e, por essa razão, não podem viver plenamente a comunhão com a Igreja. E a reflexão sobre quais respostas dar sobre isso, ela vem depois. A preocupação é sobre estas comunidades, às vezes abandonadas, que não têm a possibilidade de exercer seu direito de católicos de viver em plenitude dos sacramentos. A reflexão sobre como responder a isso se dará em um ambiente de discernimento sereno a partir de quem conhece a realidade, de quem vive cotidianamente.
A possibilidade de discutir esse outro tema é totalmente secundária. O papa também já o disse: é um ponto dentro de mais de cem outros pontos, e é um elemento que é apenas secundário. O prioritário é a comunidade, sua situação particular, porque a Eucaristia edifica a comunidade e sem Eucaristia estas comunidades se sentem abandonadas, são comunidades da Palavra e não de comunhão, e então temos que nos perguntar como acompanhá-las de uma forma adequada, mas tirando de nós a pressão dos meios de comunicação ou de alguns grupos extremistas, de um lado e de outro, tanto dos que resistem às mudanças como dos que querem impulsioná-las de qualquer modo.
Em todo este processo de discernimento cuidadoso, os membros da REPAM que estão no Conselho Pré-Sinodal e os que estarão na Assembleia do Sínodo dos Bispos terão uma atitude contemplativa e orante, elementos essenciais para se poder entender a realidade da comunidade e, depois, buscar os caminhos mais adequados.
Quais os resultados esperados deste sínodo?
Pessoalmente, a minha esperança para depois do Sínodo dos Bispos deste ano é poder voltar ao território para ver o rosto de tantas pessoas que amam a Igreja, que vivem e caminham com ela, que sofrem situações realmente indizíveis em tantos níveis, e que possamos vê-las nos olhos e dizer-lhes que o seu amor pela Igreja, suas necessidades em uma situação tão urgente, foram abraçados e acolhidos e que, no discernimento, conseguimos propor caminhos que permitam responder a essas questões.
Espero que possamos honrar estas vidas, estas vozes dos membros da Igreja, que a amam, mas que também estão em situação de profunda dor e sofrimento, de ameaças. Que possamos realmente encontrar caminhos para que tenham vida e vida em abundância. Se isso tem implicações para a Igreja universal, não é o interesse prioritário para esse sínodo, não podemos perder o foco. O Papa Francisco nos disse com muita clareza em uma audiência com o Cardeal Hummes, o Cardeal Barreto e comigo mesmo: “Não percamos o foco, não diluamos o sínodo”.
Portanto, esperamos que venham novos caminhos para que outros ainda venham a se configurar paulatinamente. E que haja respeito aos caminhos para os quais não estamos prontos ou que não é o momento ainda deles – porque é um kairós, um tempo de Deus –, para que sejam marcados no coração da Igreja e que um dia, talvez, possamos gerar alguma mudança e alguma novidade nessa direção.
Sendo um tempo kairós de Deus, e não tenho dúvidas de que é assim, precisamos confiar no Espírito Santo, fazer o que temos de fazer e o que nos corresponde, sem pretensões particulares, sem obsessões, sem forçar e sem romper, lançando as sementes que possivelmente produzirão árvores sob cuja sombra nunca nos sentaremos – são para outras gerações –, e isso é um elemento de profunda esperança e liberdade.