21 Setembro 2019
"Entre as sugestões oferecidas aos Padres sinodais, resultantes da análise feita no espelho pelas mesmas comunidades eclesiais amazônicas, há o empenho de superar o clericalismo, de evitar a homogeneização cultural, de promover as vocações autóctones, de valorizar o protagonismo dos leigos, de "estudar a possibilidade de ordenação sacerdotal dos idosos” indígenas, pessoas maduras e responsáveis, estimadas pelas comunidades, para identificar um tipo de ministério que possa ser conferido às mulheres, porque são as mulheres que hoje levam à frente as comunidades. Em resumo, há muitas questões em jogo", diz o padre Corrado Dalmonego, missionário da Consolata na Amazônia, em entrevista a Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 19-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caro Padre Corrado, você pode contar qual é a sua missão na floresta?
Há cerca de 12 anos, faço parte da equipe missionária que está envolvida, em nome da diocese de Roraima, junto ao povo Yanomami, um povo indígena que vive em um amplo território na fronteira do Brasil com a Venezuela. A partir de nossa presença na missão Catrimani, convivemos com as comunidades e trabalhamos em parceria com os líderes indígenas. As ações que nós, missionários e missionárias da Igreja Católica realizamos, podem ser resumidas como segue.
Há uma ação cultural para a valorização das línguas, das tradições e dos conhecimentos do povo, de promoção do diálogo; inclui a produção de materiais didáticos, a participação em encontros de discussão sobre políticas e práticas educacionais, a formação dos professores Yanomamis, a realização de atividades de pesquisa realizadas por jovens em diálogo com os idosos.
Depois, há uma ação pela saúde do povo, pela boa vida e pela soberania alimentar; inclui o trabalho de acompanhamento dos profissionais de saúde e a formação dos próprios Yanomamis. Depois há uma ação no território para uma relação construtiva com a sociedade circundante; inclui a realização de encontros que permitam o desenvolvimento da autonomia decisória do povo, com o apoio das associações indígenas.
A ação fundamental é o diálogo intercultural e inter-religioso, com a valorização do sentido religioso próprio do povo e a promoção da convivência entre as diversidades. É dada especial atenção ao papel da mulher Yanomamis, com a criação de espaços próprios. Cuidamos a ação de comunicação e de informação entre povo indígena e sociedade não indígena, com a produção de noticiários e documentários.
Em poucas linhas, você pode dizer o que é a religiosidade Yanomami, se existem comunidades cristãs Yanomamis e como acontece, caso positivo, a passagem? Como o missionário intervém?
Os Yanomami vivem intensamente sua espiritualidade. As referências ao que seríamos levados a considerar "sobrenatural" são muito frequentes, cotidianas e imanentes. Eles narram e transmitem cosmogonias, histórias de origens e dos ancestrais, narrativas que contam como "o mundo é" e indicam o comportamento a ser adotado. Eles reconhecem que foram "colocados no mundo" por aquele que ainda invocam quando sentem necessidade.
A vida dos Yanomamis tem um momento alto na celebração de um ritual chamado reahu: é uma festa, uma ocasião de cultivar relações sociais, de revigorar as referências espirituais e de "colocar no esquecimento" as cinzas dos mortos, concluindo o luto e trazendo de volta a comunidade à harmonia.
Em várias regiões, até os Yanomamis, como muitos povos indígenas, foram contatados por missionários de diferentes denominações cristãs: evangélicos pentecostais ou católicos. Nos diferentes lugares, de acordo com as condições de contato, da época e das teorias e práticas missionárias dos diferentes grupos religiosos, foram realizados diferentes processos de evangelização. Em algumas áreas, os missionários consideram ter dado origem a comunidades cristãs e os Yanomami se autodefinem cristãos.
Cada situação é diferente das demais: às vezes os missionários condenaram tradições e expressões religiosas indígenas; outros provocaram uma ruptura e deram origem a feridas ainda abertas; outras vezes, tentaram estabelecer um diálogo com a cultura e a espiritualidade nativas, iniciando um longo processo para dar vida a uma "Igreja autóctone".
Então, qual é a sua maneira de se sentir um missionário de Cristo para o povo da floresta com quem você passa a maior parte do tempo?
Sinto-me um missionário de Cristo em uma missão que se faz encontro, presença, solidariedade, serviço e diálogo. É uma graça poder viver algo semelhante ao que Jesus e os apóstolos vivenciaram na Igreja das origens. O nascimento do Filho de Deus, a encarnação, é o paradigma da missão. Jesus encontrou muitas pessoas: aquele encontro nunca as deixava indiferentes, tanto quando o Mestre as convidou para fazer parte do grupo ("venha e me siga"), seja quando ele devolvia a pessoa à sua vida anterior ("vá e não conte a ninguém").
Encontrando pessoas e povos diferentes, os apóstolos aprenderam e ensinaram a ampliar seus pontos de vista, a reconhecer a presença de um Deus misericordioso, a renunciar eles mesmos a alguns costumes, a semear sem esperar colher frutos, sem se considerarem os principais protagonistas da missão. Ao mesmo tempo, Jesus e os apóstolos sabiam colher os frutos que comunidades e pessoas já ofereciam, uma vez que o Criador evidentemente já havia semeado há muito tempo!
O caminho da missão é um caminho de grande esforço, mas não é a imposição de um programa predefinido. Os missionários entram, quando são acolhidos, em um mundo diferente, com atitudes de diálogo e de compartilhamento. Através de gestos de abertura, compartilhamento e encontro, a missão que muda reciprocamente as pessoas é construída. Esperanças, sonhos e expectativas são comunicados, com uma mensagem que os missionários descobrem junto com os Yanomamis: uma mensagem de vida contra projetos de morte.
A floresta, devido a uma maior sensibilidade ambiental, é objeto de muitas atenções interessadas: o que realmente está acontecendo na parte da floresta que você conhece?
Sim, tantas atenções interessadas e muitos interesses em jogo e conflitos de interesses e projetos com seus próprios interesses. É verdade que hoje os refletores estão focados na Amazônia. Existem muitas tendências e muitos interesses: há quem considere a Amazônia uma reserva de recursos a serem explorados a qualquer custo; quem se interessa na Amazônia pela conservação do meio ambiente, sem respeitar as pessoas que vivem lá; quem procura respeitar a floresta, as pessoas e todas as formas de vida que povoam o bioma amazônico.
Estamos verdadeiramente em um contexto de grandes conflitos. Onde moro, estamos angustiados e tentamos reagir à destruição ambiental, ao desmatamento e aos incêndios, à violência contra os povos indígenas a quem se propõe a revisão das demarcações de terras. Os grandes projetos do capital estão produzindo efeitos devastadores para o meio ambiente e para as populações: construção de estradas, agronegócios, exploração de mineração, centrais hidrelétricas ...
O interesse de ter o seu testemunho neste momento está obviamente ligado à iminência do Sínodo na Amazônia. Como você avalia o Sínodo? Como você está envolvido? O que você espera?
O processo sinodal é um momento de graça! Aqui foi preparado desde que o Papa Francisco anunciou em 15 de outubro de 2017 sua realização: uma assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia, a fim de refletir sobre o tema dos novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Muitas reflexões foram realizadas entre os grupos e as Igrejas locais para recolher contribuições e como uma oportunidade de amadurecimento das comunidades.
É importante e maravilhoso tentar construir uma "Igreja com rosto amazônico" ou com "rostos amazônicos". Não se trata de uma revolução, mas de continuar o que Jesus começou: escutar os sonhos, as esperanças e as angústias daqueles que vivem, lutam e oram na Amazônia, a fim de contribuir para a construção do reino de Deus nesta porção da Criação.
A assembleia sinodal que será celebrada no Vaticano será um momento-chave em um processo que a precede e a seguirá, de acordo com as direções indicadas pelo Papa Francisco e pelos padres sinodais para "conhecer", "conviver" e "defender" a vida neste território.
O Sínodo, além de ser uma graça e um dom, também é um compromisso e uma responsabilidade. Os desafios são realmente muitos: desafios para a conservação da vida ameaçada de povos e dos ecossistemas; desafio para a Igreja que é chamada a anunciar e dar testemunho da pessoa de Jesus e do reino de Deus. A Igreja não é indiferente a nada que tenha a ver com a vida, portanto deve assumir sua função profética e samaritana.
Deve anunciar, denunciar e servir. Por esse motivo, sua linguagem, sua presença e sua organização devem sempre ser cada vez mais evangélicos e compreensíveis. A expectativa é que tudo o que está amadurecendo ajude a Igreja a estar mais próxima, presente e significativa nesse contexto. Com isso, até a sociedade civil será estimulada a assumir como próprios valores e atenções que os cristãos defendem.
Um compromisso adicional para a Igreja resulta do fato de que este Sínodo se propõe a lidar com questões que surgem em um contexto particular, mas que podem ter ressonância e relevância universais.
Imagino que você conheça muito bem o documento preparatório. Quais são as suas avaliações gerais do texto? Falta alguma coisa?
Um grupo de especialistas produziu o Documento preparatório (junho de 2018), que serviu como uma ferramenta de estudo usado em muitos encontros, cujas reflexões foram recolhidas e contribuíam para o desenvolvimento do Instrumentum laboris (junho de 2019) para o Sínodo.
Este não é um documento definitivo: é o resultado de muito esforço, um trabalho de síntese e de revisão; e é a tentativa de recolher vozes muito distintas. Esse texto poderá ser posto de lado quando se manifestarem as reflexões sinodais. O Instrumentum é rico. O esquema do documento reflete as três conversões a que o Papa Francisco nos convida: a conversão pastoral, a conversão ecológica e a sinodalidade eclesial.
Algumas vozes acusam o texto de conter pouca teologia. Eu não considero que isso possa ser medido em virtude de quantas vezes o nome de Jesus ou a palavra Igreja aparecem. Assim, parece-me que caímos em uma advertência que o Senhor nos deu: "Não quem diz Senhor, Senhor, mas ...".
Devemos ler com coração e mente aberta. Um texto como esse certamente não pretendia ser exaustivo, tanto porque as temáticas abordados variam em muitas direções, tanto porque não deseja substituir a assembleia sinodal!
Fico feliz de encontrar no texto muitas referências à riqueza do território e dos povos amazônicos, mas também às situações reais de violência que se sofrem na Amazônia. Vivemos muitos conflitos que algumas pessoas ignoram e outras têm prazer em alimentar. Também estou feliz que o texto coloque a Igreja em uma posição de escuta humilde, tão apreciada pelo Papa Francisco e apropriada.
Somos convidados a ouvir, apreciar a sabedoria dos outros, a nos colocar em diálogo, a nos abrir a relações interculturais, a descobrir a presença de Deus em toda a criação, a ser misericordiosos e colaborar entre nós para construir paz, comunhão e convivência.
Em outubro você estará na Itália. Teremos oportunidade de falar sobre isso novamente. Agora vou fazer uma pergunta final sobre os ministérios: no documento se fala de uma Igreja com rosto indígena, se acena à proposta de novos ministérios e de um ministério oficial que pode ser conferido à mulher. Em outros textos, li que se está falando sobre viri probati. O que você pensa e espera disso?
O Instrumentum laboris fala do caminho rumo a uma Igreja "de rosto amazônico e indígena", na esteira da longa jornada empreendida pela Igreja para levar o Evangelho a povos e culturas. É o longo caminho da encarnação! Se queremos que a palavra do Senhor seja importante para cada comunidade, devemos aceitar que seja primeiro compreensível.
O problema não é apenas linguístico, a Palavra pode resultar significativa entrando na vida das pessoas. Não devemos ter medo de levar adiante as atualizações sugeridas pelo Concílio Vaticano II e que caracterizam uma Igreja criativa. Isso significa também pensar sobre a organização das comunidades cristãs.
Entre as sugestões oferecidas aos Padres sinodais, resultantes da análise feita no espelho pelas mesmas comunidades eclesiais amazônicas, há o empenho de superar o clericalismo, de evitar a homogeneização cultural, de promover as vocações autóctones, de valorizar o protagonismo dos leigos, de "estudar a possibilidade de ordenação sacerdotal dos idosos” indígenas, pessoas maduras e responsáveis, estimadas pelas comunidades, para identificar um tipo de ministério que possa ser conferido às mulheres, porque são as mulheres que hoje levam à frente as comunidades. Em resumo, há muitas questões em jogo.
Muitas comunidades se reúnem para rezar e estudar a Palavra, e o sacerdote pode visitá-las talvez uma vez por ano. Essa é realidade. Portanto, é necessário abrir-se à possibilidade de formas ministeriais a que não estamos acostumados.
A legitimidade de uma Igreja autóctone é fundada na eclesiologia pluriforme que o Concílio Vaticano II resgatou, com o retorno às fontes bíblicas e patrísticas. Talvez seja uma questão de reconhecer quais são os ministérios oficiais e os serviços eclesiais que muitas pessoas das nossas comunidades já realizam. São hipóteses a serem levadas a sério, pois podem contribuir para a construção de uma Igreja com um rosto mais humano e próximo à realidade das pessoas.
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No coração da Amazônia. Entrevista com padre Corrado Dalmonego - Instituto Humanitas Unisinos - IHU