17 Setembro 2019
O próximo Sínodo sobre a região pan-amazônica, uma ampla área geográfica que abrange vários países da América do Sul, abordará três temas que têm sido preocupações consistentes do Papa Francisco: o ambiente, a situação dos povos indígenas e a necessidade de prover cuidados pastorais eficazes nas Igrejas locais.
O comentário é do teólogo estadunidense Richard Gaillardetz, professor da cátedra Joseph de Teologia Sistemática Católica do Boston College, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 16-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O evento de outubro também destaca o uso de Francisco do Sínodo dos Bispos, uma característica marcante desse pontificado e um dos principais frutos institucionais do Concílio Vaticano II, como meio para avançar o seu programa de reforma.
Essa assembleia sinodal também será a primeira durante o seu papado a se concentrar em uma região específica; neste caso, a bacia amazônica, incluindo territórios pertencentes ao Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
O Sínodo dos Bispos foi estabelecido pelo Papa Paulo VI, a pedido do Concílio. No Vaticano II, vários bispos, inspirados pela prática das Igrejas Católicas orientais, pediram a criação de um sínodo permanente de bispos como expressão do ensinamento do Concílio sobre a colegialidade episcopal. Eles imaginaram um sínodo influente, exercendo autoridade deliberativa e compartilhando com o papa o exercício da liderança pastoral da Igreja universal.
Quando Paulo VI estabeleceu o Sínodo dos Bispos em 1965, ele criou, sim, um sínodo permanente, mas não um sínodo influente. Em vez disso, o papa criou um sínodo que só estaria em assembleia intermitentemente e teria apenas autoridade consultiva. Essas assembleias sinodais assumiriam uma destas três formas: uma assembleia geral ordinária, que se reuniria a cada três a quatro anos; uma assembleia geral extraordinária, convocada sempre que uma questão de preocupação urgente o recomendasse; e uma assembleia especial, focada nas preocupações pastorais de uma região geográfica específica.
Durante grande parte do período pós-conciliar, o assunto abordado nessas assembleias sinodais foi cuidadosamente monitorado pelas autoridades vaticanas. Temas controversos eram frequentemente mantidos fora da mesa. Os procedimentos sinodais desencorajavam a livre conversação entre os participantes. Depois de 1971, todos os sínodos subsequentes abdicariam do direito de publicar uma declaração final própria, atribuindo ao papa a responsabilidade de promulgar um documento pós-sinodal. Muitos desses documentos, conhecidos como exortações apostólicas, fizeram consideráveis contribuições ao desenvolvimento do magistério católico – por exemplo: Evangelii nuntiandi (1975) de Paulo VI; Catechesi tradendae (1979), Familiaris consortio (1981) e Christifideles laici (1987) do Papa João Paulo II; e Verbum Domini (2010) do Papa Bento XVI. Bento fez algumas modestas revisões nos procedimentos sinodais, oferecendo mais oportunidades para conversas abertas.
Foi com Francisco, no entanto, que o Sínodo dos Bispos foi transformado de uma mostra eclesiástica bem orquestrada e cuidadosamente censurada no principal instrumento para a implementação da sua agenda reformista. Começando com os preparativos para o Sínodo Extraordinário sobre a família, o papa pediu uma ampla consulta junto a todo o povo de Deus, incluindo a ampla (embora desigual) distribuição de um questionário sobre assuntos relacionados à família. Ele revisou os procedimentos sinodais para permitir uma conversa muito mais aberta e exortou explicitamente que os participantes sinodais exercessem a parrhesia, falassem com franqueza e sem medo de provocar discordâncias. Ele assegurou que temas polêmicos, como o status das pessoas LGBTQ, não fossem excluídos das considerações.
De fato, ao longo dos últimos seis anos e meio, surgiu um padrão claro. Enquanto Francisco encontrava resistência aos seus esforços na reforma curial (ainda estamos aguardando a sua constituição apostólica sobre a reforma curial), ele muitas vezes optou por redirecionar o fluxo do discernimento pastoral e da tomada de decisão. Onde os papas anteriores repassavam questões eclesiais e pastorais cruciais para que o dicastério romano apropriado as estudasse, geralmente resultando na emissão de uma notificação ou instrução curial, Francisco preferiu atribuir a consideração de questões-chave a várias assembleias sinodais.
Sua justificativa para essa importante mudança foi esclarecida no fim de 2015, quando ele proferiu o discurso talvez mais significativo eclesiologicamente do seu pontificado. Ao comemorar o 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, o papa ofereceu uma surpreendente reflexão teológica sobre como a própria Igreja é fundamentalmente sinodal em sua natureza. Ele pediu uma “Igreja ouvinte” atenta ao testemunho de todo cristão fiel, o sensus fidelium, e exigiu o estabelecimento de estruturas consultivas a serem realizadas em todos os níveis da vida da Igreja.
Finalmente, em setembro de 2018, Francisco promulgou a constituição apostólica Episcopalis communio, estabelecendo novas normas para o Sínodo dos Bispos, normas mais compatíveis com o seu compromisso com a sinodalidade eclesial.
Isso nos leva ao próximo Sínodo Pan-Amazônico. Esse sínodo regional combina o compromisso de Francisco com a sinodalidade com outro princípio fundamental do seu pontificado, a subsidiariedade eclesial. Esse princípio sustenta que as questões eclesiais são tratadas melhor no nível local, e a “autoridade superior” intervém apenas quando o bem da Igreja universal o exige.
Mas por que focar nessa remota região da América do Sul? A primeira razão foi indicada na encíclica do papa Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum. Nela, o papa indicou a importância global da bacia amazônica como um dos dois pulmões por meio dos quais o nosso planeta deve respirar. Nessa encíclica, ele também denunciou as políticas devastadoras de desmatamento dos principais países da região.
Em segundo lugar, para um papa que se pronuncia sobre a sua preocupação com os direitos dos povos indígenas, esse sínodo chamará a atenção global para uma região que tem visto os povos indígenas serem roubados de suas terras e do seu direito à autodeterminação. Esses povos frequentemente têm sido vítimas do tráfico de drogas e de seres humanos. Além disso, existem mais de 100 comunidades indígenas nessa região que estão “voluntariamente isoladas” do mundo em geral; a sua frágil existência está agora ameaçada. Francisco está comprometido com uma visão poliédrica da Igreja e da sociedade, em que as diferenças culturais genuínas não ameaçam, mas, pelo contrário, enriquecem uma autêntica consciência global.
Finalmente, os católicos daquela região estão enfrentando um terrível desafio à sua vida sacramental, já que a proporção de padres por católicos, em algumas sub-regiões, é de 1:16.000. Foi essa situação que levou o Instrumentum laboris, o documento de trabalho preparado antes do Sínodo, a levantar a possibilidade de ordenação de viri probati, ou seja, homens maduros e casados, ao sacerdócio. Ao mesmo tempo, o documento pede o estabelecimento de novos ministérios mais adequados às necessidades das Igrejas locais da região. Ele reconhece especificamente os muitos carismas das mulheres na Igreja e pede a sua maior inclusão na liderança da Igreja. Este último ponto levou alguns a pensarem se a questão das diáconas também poderia ser levantada.
A provável discussão sobre as novas necessidades ministeriais na Igreja amazônica reforça ainda mais o compromisso do papa com a subsidiariedade ou “descentralização”. Ele não está inclinado a propor soluções abrangentes para os problemas pastorais a partir do distante ponto de vista do Vaticano; ele prefere que as Igrejas locais resolvam essas questões por conta própria e, quando necessário, busquem permissão de Roma para a implementação criativa de soluções locais.
Para muitos católicos dos EUA, o próximo Sínodo pode parecer ter pouca relevância. Contudo, não podemos ignorar o fato de que a atenção que o Sínodo deve dar às mudanças climáticas, aos direitos dos migrantes e das pessoas deslocadas e à oportunidade de inovação regional em aspectos-chave da prática pastoral, tudo isso desafia a agenda de uma minoria católica bem financiada que tem se oposto persistentemente a Francisco. Essa minoria “barulhenta” uniu um perigoso integralismo católico que resiste à necessária inovação pastoral e ao legítimo desenvolvimento doutrinal, com um repúdio trumpiano à ciência das mudanças climáticas e aos direitos dos migrantes e refugiados.
Esse Sínodo poderia ajudar a Igreja norte-americana a repudiar a agenda do “barulhento” campo anti-Francisco, lembrando-nos de que a única saída do atoleiro escandaloso em que nossa Igreja se encontra reside na visão humilde e missionária desse papa sul-americano.
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O que a Igreja dos EUA poderá aprender com o Sínodo Pan-Amazônico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU