22 Julho 2019
"A espiritualidade desses grupos religiosos (chamá-los de "Igrejas" é teologicamente incorreto) é de certa forma alienante e ilusória, mas fascina muitas pessoas simples que se sentem orgulhosas de serem acolhidas em um ambiente tão prestigioso e ansiosas para imitar esses personagens de sucesso tão triunfante. As raízes da "teologia da prosperidade", que despovoam as igrejas católicas e protestantes clássicas, são remotas e, através da mediação de uma determinada visão calvinista, remontam a uma tese presente principalmente no Antigo Testamento e conhecida como "teoria da retribuição". Foi um estratagema sucinto para resolver o escândalo do mal e do sofrimento: eles não seriam mais do que uma punição divina por uma culpa do sujeito atingido."
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 21-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Religiosidade no Brasil. Uma constelação única de grupos espirituais que têm bilionários da mídia como líderes. Em abril de 2016, no Rio de Janeiro, atravessávamos de carro com o arcebispo, o cardeal João Tempesta Orani, a cidade em direção ao famoso Cristo do Corcovado para uma cerimônia inter-religiosa, quando fiquei surpreso ao ver a construção em andamento de uma espécie de imponente catedral. A resposta do cardeal foi ainda mais surpreendente: era o templo que Marcelo Crivella estava construindo, "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, um bilionário brasileiro na época candidato a prefeito da metrópole, cargo que obteve nas eleições alguns meses mais tarde. Sabe-se também que um dos maiores redutos de votos para a ascensão ao poder do presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro, foi justamente essa área religiosa que está se expandindo um pouco por toda a América Latina.
Trata-se de uma constelação de grupos espirituais que brotam como cogumelos, especialmente em bairros pobres e que têm na liderança ricos proprietários, munidos de redes de rádio e tv, como no caso da Rede Record, fundada por um pastor protestante da mesma "Igreja" de Crivella, um certo Edir Macedo, também ele bilionário. Estamos diante de um fenômeno em expansão que tem como matriz o protestantismo "pentecostal", também conhecido como "evangélico", que não deve ser confundido com as confissões clássicas "evangélicas" (no Brasil também chamadas de missão) como os luteranos, os presbiterianos, os metodistas e assim por diante.
A galáxia pentecostal, fluida e difundida em mil ramificações e agregações, tendencialmente de viés conservador e integralista, tem um início simbólico já nos séculos XVIII e XIX com o chamado "Despertar", uma reforma na Reforma Protestante de cunho espiritual e carismático. O nascimento mais ou menos lendário deste fenômeno tem como berço uma data emblemática, a noite entre 31 de dezembro de 1900 e 1 de janeiro de 1901, quando uma estudante da escola bíblica de Topeka (Kansas) começou a "falar em línguas". Este é um fenômeno extático, diferentemente interpretado, que remonta às origens cristãs sob o termo equivalente grego de glossolalia.
Na realidade, na época fazia-se referência não tanto a um perfil poliglota, mas à capacidade de oferecer discursos de intensa e elevada espiritualidade, com uma linguagem complexa e um tanto esotérica. Junto a esse componente registrava-se o poder de realizar prodígios especialmente terapêuticos, que era acompanhado por uma intensa oralidade emocional que privilegiava o corpo com cânticos, danças, pregações enfáticas de acordo com modalidades de gênese afro-americana. Do ponto de vista mais teológico, dois outros temas se somavam. Por um lado, a holiness, a "santidade" - já evocada no clássico protestantismo metodista (com o fundador John Wesley) - colocada em paralelo com a famosa doutrina luterana da "justificação da fé" e se expressava pelo "batismo no Espírito Santo".
Pelo outro lado, as comunidades pentecostais eram percorridas por estremecimentos milenares: Cristo logo teria retornado à terra em meio a epifanias catastrófico-apocalípticas, para inaugurar um reino de mil anos destinado a desaguar no Juízo Final. É curioso notar que a Enciclopédia das Religiões na Itália, publicada em 2001 pelo CESNUR (Centro de Estudos sobre Novas Religiões) sob a direção de Massimo Introvigne, listava e descrevia 95 diferentes denominações de orientação pentecostal presentes na Itália. Mas a especificidade dos grupos latino-americanos (em particular brasileiros) está ligada a uma teoria que é geralmente classificada como "teologia da prosperidade".
Há algum tempo nos referimos a ela nestas páginas, apresentando a figura de Gustavo Gutierrez, fundador da "teologia da libertação", que é o seu exato antípoda. Já na época um de nossos leitores nos pedira para explicitar esse conceito que, paradoxalmente, exerce grande atração em ambientes sociais pobres e dá vigor ao crescimento dos movimentos pentecostais. É inacreditável, mas a mencionada "catedral" do prefeito do Rio, como me fez notar o arcebispo Tempesta, situa-se em uma rua que leva o nome de Hélder Câmara (1909-1999), bispo de Recife, renomado arauto da justiça e da libertação social.
A "teologia da prosperidade", por outro lado, canoniza uma concepção neoliberal e meritocrática segundo a qual a riqueza seria o sinal de uma bênção divina que recompensa a fé do sujeito com bem-estar, sucesso econômico e social, saúde e prosperidade. A pobreza, a doença, a miséria, a infelicidade são, pelo contrário, expressões do juízo e da maldição divinos, para os quais é necessária a conversão e o discipulado em relação àqueles que são exaltados por Deus com riqueza. Portanto, não devemos nos engajar na mudança social, na redenção das classes miseráveis, na libertação da opressão econômica, mas nos dedicar a seguir os protegidos por Deus, em busca de ganhos pessoais, na prevalência do individualismo sobre o bem comum.
A espiritualidade desses grupos religiosos (chamá-los de "Igrejas" é teologicamente incorreto) é de certa forma alienante e ilusória, mas fascina muitas pessoas simples que se sentem orgulhosas de serem acolhidas em um ambiente tão prestigioso e ansiosas para imitar esses personagens de sucesso tão triunfante. As raízes da "teologia da prosperidade", que despovoam as igrejas católicas e protestantes clássicas, são remotas e, através da mediação de uma determinada visão calvinista, remontam a uma tese presente principalmente no Antigo Testamento e conhecida como "teoria da retribuição". Foi um estratagema sucinto para resolver o escândalo do mal e do sofrimento: eles não seriam mais do que uma punição divina por uma culpa do sujeito atingido.
Na prática, o binômio "delito-castigo" e "justiça-recompensa" resolveriam com um simples giro de roda ético-teológica o desconcerto que gera o mal da história. Jó reagirá veementemente a essa visão em seu diálogo com seus amigos teológicos no famoso livro bíblico homônimo. E o próprio Jesus será claro em rechaçar esta teoria simplista quando, diante do caso limite do cego de nascença, à pergunta segundo o cânone "retributivo" de seus discípulos - "Quem pecou ele ou seus pais, para que nascesse cego?" replicaria descartando e invertendo a alegação: "Nem ele pecou nem seus pais, mas para que na vida dele se manifestem a obra de Deus" (João 9,1-3).
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A teologia da prosperidade. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU