07 Junho 2019
A busca de novos caminhos é um desafio para a Igreja, para todos os batizados. Isso exige ouvir as vozes daqueles que abrem novas perspectivas, que não têm medo de discernir, à luz do Evangelho, as demandas da sociedade atual. Ouvir a irmã Gloria Liliana Franco Echeverri, presidenta da Confederação Caribenha e Latino-americana de Religiosas/os - CLAR, desde agosto de 2018, nos leva nessa direção.
Desde a perspectiva da Igreja latino-americana, a religiosa colombiana faz uma análise da realidade da vida religiosa e da própria Igreja no continente, descobrindo no Papa Francisco uma referência nesse caminho, começado em 1968, em Medellín e que no caso da CLAR se remonta 60 anos atrás.
A religiosa da Ordem da Companhia de Maria Nossa Senhora destaca o compromisso que a vida consagrada está vivendo, algo que ela testemunha no dia-a-dia. Para os religiosos, como para a Igreja latino-americana, a Amazônia tem um papel importante, especialmente agora que o processo do Sínodo Amazônico está sendo vivido. Nesta região, segundo a presidenta da CLAR, a itinerância e a intercongregacionalidade são apresentadas como desafios.
Depois de ser convidada a participar da última reunião do Conselho pré-sinodal, aquilo que ela espera do Sínodo para a Amazônia soa como uma lufada de ar fresco, de novos caminhos que façam realidade uma Igreja com rosto amazônico, para ouvir a Deus, aos mais pobres e aos indígenas, para colocar os olhos no povo, nas culturas amazônicas e entender a riqueza da diversidade.
Tudo isso para fazer realidade uma Igreja que com o Papa Francisco entrou em um caminho sem volta, avançando sem medo, onde a vida religiosa é chamada a viver, em estado de êxodo, de peregrinação, de compromisso, a ser germe de mudança, de possibilidade, de esperança.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
Qual é a realidade da vida religiosa na América Latina hoje?
É uma realidade com várias nuances, de um lado é uma vida religiosa inserida em diferentes cenários de missão, obras educativas, de saúde, espaços entre os mais pobres, entre as comunidades indígenas, entre comunidades afro, acompanhando as mulheres em situação de tráfico de pessoas, migrantes. De um lado, é uma vida religiosa tentando viver radicalmente e coerentemente a sua vocação, e por outro assumindo múltiplos desafios, alguns internos, o desafio dos números, indicadores, diminuir numericamente e assumir processos de perecimento, de doença. Isso somado a uma escassez de vocações.
Mas eu acho que fundamentalmente existe esperança, eu acho que é um momento histórico em que a esperança surge e a esperança surge precisamente do valor do pequeno, do germinal, do comunitário, da busca com os outros, de fazer caminho de comunhão com os leigos, com outras instituições. Eu acho que é uma vida religiosa menor, mais simples, menos poderosa, menos institucional e tentando voltar ao fundamental, ao carisma, aos valores do Evangelho.
Vejo que há uma forte tendência em América Latina para nos reconhecermos em relação aos outros, para tornar os processos de conversão em linha das relações, e também estamos entendendo que o caminho é o da intercongregacionalidade, da comunhão, ser Igreja, por aí, eu acho que existem algumas grandes forças. É verdade que o testemunho de religiosas e religiosos que deram a vida por causas tão significativas antes de nós continua a inspirar.
Vejo que há também uma vida religiosa que assume a causa dos mais pobres e que se entrega até o martírio, porque isso ainda é uma realidade em nosso continente. Embora também haja estagnação, em alguns setores há também dormência, há paralisia, há medo de sair do conforto. É uma realidade com muitos rostos, mas acho que destaca, por um lado, a certeza de que Deus está entre nós, que faz sentido viver essa vocação com sentido, radicalmente, com a alegria e o desejo de dar a vida em meio às contradições existentes e assumir esse compromisso em uma realidade tão complexa como a dos povos latino-americanos e caribenhos.
A senhora é a Presidenta dos religiosos e religiosas em toda a América Latina, a senhora acha que há uma consciência de Igreja latino-americana na vida religiosa, que o continente latino-americano deve caminhar junto como Igreja e pode fornecer aspectos interessantes para a Igreja universal?
Eu acho que depois do Concílio Vaticano II, as Conferências Episcopais do continente e a criação da CLAR, há 60 anos, tudo isso foi configurando uma identidade de Igreja e da vida religiosa latino-americana. Acredito que existe e que temos que apostar por completo porque não desapareça. É aquela Igreja com uma identidade mais próxima do clamor dos pobres, com método próprio, o que Medellín nos deu, ver, julgar, agir, agora enriquecido pelo escutar e discernir também. Uma Igreja que tenta viver em referência aos valores do Evangelho, para unir fé e vida.
Eu sinto que existe uma identidade. Nada na vida pode ser generalizado, eu não diria todos, mas eu acho que nós caminhamos desde 60 anos atrás, antes do Concilio e todas estas conferências de bispos latino-americanos, nessa visão de que como Povo de Deus que caminha neste continente, atento a determinadas realidades e desafios específicos, temos uma identidade, e essa identidade passa por incorporar os valores do Evangelho, escutar o clamor dos pobres e fazer um percurso comunitário, a partir dessa dimensão mística, profética e missionária que a vida religiosa tem.
Poderíamos dizer que a identidade que a senhora aponta se torna uma realidade na figura do Papa Francisco, que é alguém que não podemos esquecer que é religioso, jesuíta, e ao mesmo tempo latino-americano?
Sim, sinto que o Papa Francisco é um presente para a Igreja e que ele incorpora as convicções, as buscas, os critérios desta Igreja que tem um rosto latino-americano. Penso que essa insistência do Papa, por exemplo, em viver a sinodalidade, em tocar a vida, de maneira mais autêntica e natural, em relação a Jesus, acredito que tudo isso é fruto de sua condição latino-americana. O Papa sendo dom de Deus para todos nós, para nós, como Igreja, e precisamente essa convicção que ele tem de Igreja sinodal, esse chamado permanente que nos faz purificar relacionamentos, a converte-los, tem a ver com essas convicções aprendidas na experiência de Igreja na América Latina.
O papa Francisco sempre insiste na necessidade de tornar realidade uma Igreja pobre e para os pobres. A vida religiosa, especialmente na América Latina, sempre tentou estar presente em realidades marginais, nas periferias. Isso é realmente uma preocupação generalizada na vida religiosa na América Latina, ou algo que, até certo ponto, se perdeu?
Eu não posso dizer se é geral, mas posso dizer que é real. Neste momento estou em um lugar na Colômbia chamado Tumaco, em uma ilha chamada Salahonda, estou visitando quatro irmãs, quatro mulheres, que estão em um contexto em que não há água, sem eletricidade, sem presença do estado, e elas estão apostando todos os dias no meio de um clima voraz, de malária, de estar com as pessoas, para acompanhá-los. Isso que eu estou vivendo com essas irmãs hoje, o vivo diariamente em muitos dos lugares que visito.
Não podemos negar que há uma Igreja e uma vida religiosa também, acomodadas, institucionalizadas, mas temos que reconhecer, valorizar e renovar a esperança quando contemplamos tantos homens e mulheres que com radicalidade estão apostando tudo por seguir Jesus no meio dos mais pobres e por contribuir para a transformação. Eu, realmente, tenho esperança, porque todos os dias encontro homens e mulheres maravilhosos, que sinto, meu Deus, o testemunho que eles nos dão, o modo como se posicionam, me dá esperança, porque sinto que estão atualizando as escolhas de Jesus Cristo e que o Reino de Deus é muito evidente em todos esses homens e mulheres.
Uma das regiões onde a presença da vida religiosa é fundamental é na Amazônia. O que a Amazônia significa hoje para a vida religiosa latino-americana?
Está sendo uma opção, acredito que neste momento, eu ousaria dizer, a opção, uma opção que de um lado nos confronta e nos incita a sair. Existe um grupo significativo de religiosos na Amazônia, temos essas grandes experiências das comunidades itinerantes, que são comunidades intercongregacionais. Há também outras comunidades que, por carisma e vocação, estão localizadas em diferentes cantos da Amazônia, e é fruto de todo esse convite do Papa Francisco, primeiro na Laudato Si e agora quando ele convocou o Sínodo da Amazônia. Acho que há interesse de se mover, sair, colocar os olhos e as opções também na Amazônia.
Penso que muitas reflexões foram feitas, a CLAR, no horizonte inspirador que tem para este triênio, uma de suas opções fundamentais, foi criada a comissão de ecologia integral para o continente, mas a comissão amazônica também foi criada, que tem a prioridade de poder abrir caminho com todos esses religiosos da rede itinerante que está na Amazônia. Nós também pertencemos à REPAM, como você sabe, e acredito que há um grande interesse em mobilizar a reflexão sobre o que significa pensar em nós mesmos como uma Igreja Amazônica, e olhar para trás e reconhecer que, como vida religiosa, somos chamados a ser mais presença, ou pelo menos uma presença mais significativa na Amazônia. Mas acredito que existem muitos religiosos fazendo um caminho de reflexão, acompanhamento e compromisso.
A senhora falou várias vezes durante a entrevista sobre a intercongregacionalidade, que em algumas regiões como a Amazônia, dadas as distâncias e circunstâncias da região, é uma dos novos caminhos que são vistos como necessários. É difícil convencer as congregações de que se pode trabalhar desde a intercongregacionalidade?
Não é fácil, não é um caminho fácil, porque, infelizmente, por vezes, nos posicionamos desde lugares aprendidos como suficiência, e a partir desse lugar de suficiência é muito difícil compreender a necessidade de ser rede e nos unirmos com os outros. No entanto, acho que cada vez mais estamos entendendo que a intercongregacionalidade é o caminho, a intercongregacionalidade é riqueza, e tornar possível a comunhão dos vários carismas, leva a um maior benefício para as comunidades que nós acompanhamos, e mais riqueza na maneira de assumir a ação apostólica.
Não é fácil porque requer nos situarmos desde uma cultura diferente, desde outra aprendizagem, às vezes há resistência, há medos, mas eu acho que quando são dados os passos e há um acompanhamento adequado, porque estas experiências requerem processos de acompanhamento adequados, você pode validar a conveniência de caminhar com os outros e de assumir com os outros, religiosos e leigos, os processos de compromisso que nos permitem servir de novas maneiras e servir com maior impacto e maior significado.
O Sínodo para a Amazônia tem como objetivo criar novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. A senhora diz que na CLAR tem criado a comissão de ecologia integral, quais poderiam ser as contribuições que a vida religiosa e a CLAR podem oferecer para esses novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral?
Veja, especificamente, desde a REPAM, como CLAR, estamos assumindo os processos que têm a ver com formação, e com formação itinerante. Ser capaz de desenvolver planos, programas, processos e formas de acompanhar pessoas que estejam especificamente nos lugares, nos diferentes cantos da Amazônia, e acompanhá-las com processos de formação que contribuam para que possam servir de maneira mais significativa. A aposta da CLAR está sendo, por um lado, pela formação, tanto de leigos como de religiosos que estão nessa área, e desde a REPAM isso tem sido o que foi confiado a nós especificamente e agora assumimos fortemente no mês de abril.
Essa formação também envolve um deslocamento em itinerância pelos diferentes cantos da Amazônia, mas também envolve fazer alguns seminários latino-americanos que nos façam também mais sensíveis, mais conhecedores da realidade, mais capazes de denunciar diferentes situações de pisoteio à terra e à dignidade humana, mas também para gerar novas dinâmicas de acompanhamento às comunidades, para celebrar a liturgia em relação à cultura, para trabalhar pela dignidade das mulheres. As prioridades estão indo nessa direção.
Logicamente, a Amazônia não está isenta do fenômeno migratório de todo o continente. Também a partir da CLAR há uma opção muito, muito forte para acompanhar o fluxo migratório do continente, com programas diferentes que variam de ações que têm a ver com propostas mais assistencialistas, de acompanhamento, abrigos e outras coisas, mas também com ações de caráter mais político, como de maior transcendência nessa área que nos posiciona mais como cidadãos do planeta e que elimina essa tendência que temos à fronteira e colocarmos barreiras.
Eu acho que a contribuição da CLAR é basicamente na linha de formação, essa ainda é uma prioridade, acompanhamento e caminhar com os outros como Igreja e em comunhão, para permitir repensar-nos a repensar a maneira de ser e agir. O que está envolvido são essas novas relações que nos permitem nos assumirmos a nós mesmos como Povo de Deus em relação a diferentes sensibilidades, a diferentes culturas, em complementaridade e também desde nossa própria identidade.
A senhora falou sobre o tema da itinerância, da vida religiosa itinerante. É fácil encontrar religiosos e religiosas dispostos a viver essa itinerância, a morar longe de casa, religiosos dispostos a chegar nas comunidades, onde os povos da Amazônia se encontram?
Não, não é fácil, porque, como eu digo, há também uma tendência para viver no conforto e estar no próprio canto. Mas os religiosos que estão lá, e que estão apostando nessa causa da itinerância, estão vivendo de uma maneira muito significativa. Há experiências de mais de 20 anos de itinerância na Amazônia, e não só de itinerância, itinerância e intercongregacionalidade, o que também requer uma dinâmica diferente, muita reflexão, busca conjunta, construção coletiva, e acredito que as experiências pontuais, porque são pontuais, não são em massa, mas são experiências muito, muito férteis.
Eu acho muito legal esse caminho da itinerância de quem está lá, é muito duro, mas pessoas como a Irmã Arizete, como o Padre Fernando, pessoas concretas que vivem a itinerância pela Amazônia, se tornam para todos os religiosos, não somente do continente, mas do mundo, em uma voz e em um testemunho que nos motiva a sair e que provoca e desperta novas formas de nos entendermos como religiosos.
A senhora participou no mês de maio da reunião do conselho presinodal em preparação do Sínodo para a Amazônia, que se concentrou sobretudo na preparação do instrumento de trabalho, que os padres sinodais terão em suas mãos para as discussões durante a assembleia sinodal. O que a senhora espera do Sínodo para a Amazônia?
Espero que seja, antes de tudo, o mesmo exercício do Sínodo e a metodologia do Sínodo, espero que possa ser sinodal, mesmo que pareça repetitivo. Que seja um exercício de ser Igreja, de construir a Igreja e fazer a comunhão na diversidade. Espero que possa ser um espaço onde a voz possa ressoar, especialmente dos mais pobres e dos indígenas. Eu gostaria que fosse um espaço para ouvir, para escutar muitíssimo o que Deus tem para nos dizer, no clamor da terra e no clamor dos povos amazônicos.
Desejo que toda a reflexão e discernimento no Sínodo realmente contribua para que todos nós, estado, políticas estatais, cidadãos comuns, aqueles que passam pela vida, possam pensar com maior consciência e responsabilidade para com o cuidado da terra. Que pudéssemos nos mobilizar, que o Sínodo seja de algum modo um mobilizador, de movimentos sociais, de coisas diferentes que realmente nos ajudam a repensar a forma como estamos nos colocando diante do Planeta.
Gostaria que nos mobilizássemos também para mudar hábitos, rever estilos de vida, assumir opções responsáveis e lúcidas para o meio ambiente. Mas fundamentalmente quero que ele seja um Sínodo para colocar nossos olhos nas pessoas, nas culturas amazônicas, e ajudar-nos a compreender a riqueza da diversidade, de nos reconhecermos diferentes e reconhecer que na diferença não existe nenhuma ameaça, mas na diferença existe uma possibilidade maravilhosa. Que continuemos a reler todas as sementes do Verbo que existem nos diferentes territórios, nas diferentes culturas, que não esgotemos Deus e a ação de Deus de maneiras aprendidas, mas permitamos que o espírito, com muito discernimento, nos mostre maneiras de ser, estar, evangelizar, passar pela vida.
Eu gostaria que a voz da mulher ressoasse com força, e que pudéssemos nos concentrar também na mulher amazônica, na mulher que faz Igreja na Amazônia. Que pudéssemos gerar novas instâncias de participação, de compromisso. Lá eu tenho muitas expectativas.
Dadas estas expectativas, poderíamos dizer que há ainda algum medo em alguns ambientes eclesiais, por exemplo, a reconhecer o papel das mulheres, a ouvir, a descobrir e ser questionado pelas sementes do Verbo, pelas cosmovisões e espiritualidades indígenas, poderíamos dizer que na Igreja ainda existe um certo medo diante dessas realidades?
Creio que está se fazendo caminho e que o Papa Francisco, com sua clareza e sua maneira direta e pertinente de dizer as coisas, está nos ajudando como Igreja a superar os medos que paralisam. No entanto, penso que não podemos negar que nem todos pensamos igual na Igreja e que existem alguns setores da Igreja que têm medo e têm resistências e, portanto, neste momento histórico e este momento eclesial, por um lado, obriga-nos a orar muito e, por outro lado, obriga-nos a discernir, mas também a nos lançar com audácia evangélica de viver mais em sintonia com Jesus e com a maneira que Ele tem, e que nos ensina a fazer Reino, de construir a história.
Acredito que sim, há temores em alguns setores, mas há também um momento em que está se dando passos, que são passos significativos e que não podemos parar no esforço de construir uma Igreja que responda mais fielmente ao que Deus quer e o que o povo precisa.
A senhora diz que os passos estão sendo dados. Mesmo antes da assembleia sinodal, poderíamos dizer que o Sínodo para a Amazônia já tem sido um avanço em alguns aspectos, especialmente nessa dimensão de escuta e de fazer a Igreja entender que tem que estar presente no meio dos povos, das pessoas, e que ela tem que deixar de lado essa atitude de apenas mandar, dizer, e assumir uma atitude de escutar e colocar-se ao serviço?
Sim, creio que há uma insistência na necessidade de escutar, que temos pastores na Igreja, especialmente na Igreja latino-americana, que estão sendo muito determinados em sua insistência na necessidade de escutar as culturas. Eu acredito que tem se dado passos antes do Sínodo, por exemplo, em face da participação das mulheres, que há duas mulheres na comissão pré-sinodal, ou o fato de que o Papa nomeou quatro mulheres consultoras para o Sínodo, Eu acho que elas já são pequenas sementes, são pequenas coisas, mas são eloquentes. O fato dos seminários preparatórios em Roma terem podido participar os povos indígenas e que a voz dos povos indígenas ressoou. Essas são mensagens para meu modo de ver, são gestos, o Papa Francisco usa muito essa linguagem desses gestos concretos que evocam uma mensagem carregada de conteúdo e carregada de eloquência também.
Nesse sentido, tenho esperança, sei que será um processo lento, que como Igreja estaremos caminhando para transformações, que serão processos lentos, mas acredito que neste pontificado estão se dando passos muito significativos.
A senhora acredita que estes são passos que não têm volta atrás, passos que estão fazendo a Igreja assumir uma nova maneira de ser e estar presente no mundo?
Estou convencida disso, estou absolutamente convencida de que isso não tem como voltar atrás, que este é um caminho sem volta, porque é também um caminho em resposta às necessidades do momento histórico, a um clamor dos diferentes sujeitos que construímos a Igreja. Eu acredito que sim, é um caminho que não tem volta, porque eu também estou convencida de que é um caminho despertado pelo Espírito, que tem sido Deus no meio dessa história que nos mostra que tem que ser assim e que tem que se dar esses passos. Portanto, convicções tão fortes quanto a da sinodalidade, a da participação, a do menos clericalismo, por exemplo, tudo isso não tem como voltar atrás, estamos todos convencidos de que é por aí.
E tudo o que como Igreja temos vivido nos últimos tempos em todo o mundo, a questão do abuso sexual, de poder, de consciência, creio que também se constitui como um adubo que nos purifica, que nos coloca no lugar da humildade, que nos faz reconhecer o nosso lugar de criaturas e que nos dispõe para que Deus nos trabalhe e nos molde de um modo novo e diferente. Eu acredito que é um fato que estamos caminhando em direção a uma nova maneira de ser Igreja, e que esse novo caminho passa pelas relações, disso estou absolutamente convencida.
Mesmo no papel das mulheres, embora alguns insistam que essas mudanças deveriam ser maiores, a senhora acha que os avanços que o Papa Francisco tem propiciado em relação ao papel e reconhecimento das mulheres na Igreja pode trazer um futuro de mudanças mais substanciais?
Sim, acho que sim, acho que tem havido pequenos passos, que realmente gostaríamos de passos maiores, que como mulheres gostaríamos ser mais reconhecidas, o papel das mulheres mais valorizado, que acima de tudo houvesse mais instâncias de participação, mas acho que estão sendo dados passos que são significativos e que temos que continuar lá, tentando avançar nessa linha. Eu acho que há uma grande tarefa lá fora.
Quando eu me encontro com mulheres do continente, tanto leigas como religiosas, vejo que há uma dinâmica de reflexão muito importante, não paramos de nos perguntarmos sobre o nosso papel na Igreja, que vamos apostando em processos participativos, opções que também o Papa Francisco está tomando na cúria, em Roma, são ações que acabam sendo em cascata. Vejo que há dioceses que estão assumindo a necessidade de participação das mulheres. Acredito que estamos em um bom momento, que há mudanças e que há mudanças que se tornam buscadoras dos outras e que também provocarão outras mudanças dentro da Igreja.
Finalmente, qual seria a mensagem que a senhora gostaria de enviar, especialmente para a vida religiosa, não apenas na América Latina, mas em todo o mundo?
Convida-los a viver em saída, a viver num estado de êxodo, de peregrinação, de compromisso, convidá-los a não nos acomodarmos, a não esquecer que a vida religiosa deve ser a semente da mudança, da possibilidade, da esperança. Convida-los a não cair no ceticismo, no pessimismo produzido pelos números ou indicadores, a nos dispormos a servir, na escuta e na atenção à realidade, e não nos cansarmos de viver na centralidade em Jesus Cristo.
Acredito que se estivermos centrados em Jesus, a partir daí será possível viver nossa vocação mais autenticamente. Que nos reconheçamos com os pés no chão, fazendo parte de um povo, caminhando como Igreja, caminhando em comunhão, e não nos esquecermos que a característica da nossa identidade passa pelo profetismo, também passa pelo martírio, passa por dar a vida com generosidade no cotidiano. E agradecer a tantos homens e mulheres que vejo que eles apostam tudo radicalmente a partir de sua vocação como religiosos e religiosas para tornar possível uma sociedade melhor e uma Igreja mais confiável. Eu gostaria de agradecer a todos eles porque eu realmente encontro pessoas que me constroem com seus testemunhos, me motivam e a quem eu valorizo muito.
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"Eu gostaria que o Sínodo fosse um espaço de muita escuta do que Deus tem a nos dizer", entrevista com Ir. Liliana Franco, presidenta da CLAR - Instituto Humanitas Unisinos - IHU