20 Mai 2019
As Missionárias Dominicanas do Rosário nasceram para a missão na Amazônia peruana, particularmente no Vicariato de Puerto Maldonado, onde foram enviadas cinco dominicanas em 1915 para colaborar com os dominicanos, que em 1900 tinham recebido a Prefeitura Apostólica de Urubamba. É lá que a Ascensión Nicol e Goñi ia fundar uma congregação que hoje está presente em 20 países como religiosas a serviço da missão.
Zully Rojas foi provincial da Província de Santo Tomas, no Peru, de agosto de 2008 a fevereiro de 2018. Depois de deixar esse serviço, ela foi designada para a comunidade de Puerto Maldonado, um lugar que, após a visita do Papa Francisco e o Sínodo para a Amazônia, tornou-se um ícone para a Igreja Pan-Amazônica. Foi lá que o Bispo de Roma iniciou o Sínodo e dom David Martínez de Aguirre Guiné, que recentemente foi nomeado Secretário Especial do Sínodo para a Amazônia, é bispo de lá.
Irmã Zully Rojas | Foto: Luis Miguel Modino
A irmã Zully afirma que "a Amazônia sempre foi ignorada". Isso leva a congregação a comprometer-se com a vida dos povos amazônicos e a se reconectar com "tudo o que tem a ver com nossa origem e nossas raízes". Na verdade, as Missionárias Dominicanas do Rosário procuram expandir sua presença na Amazônia, pois o Sínodo "nos desafia a ir além dos espaços onde estamos", diz a religiosa, reconhecendo que a formação é o maior desafio a enfrentar.
Sua presença no meio dos povos amazônicos deve se basear no que seu fundador disse: "primeiro atenda as pessoas e depois os cristãos". Portanto, é importante uma atitude que está presente em sua obra evangelizadora entre os povos da região, que é o desejo de "ouvi-los e estar com eles", a fim de aprofundar conceitos como ecologia integral e comunidade. É por isso que "o que vir do Sínodo será uma contribuição na medida em que façamos vida o que vamos descobrindo hoje", segundo Zully Rojas.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O que a Amazônia significa para a vida religiosa, para sua congregação?
Acho que isso é parte da nossa identidade, nascemos aqui, temos nascido em Puerto Maldonado, Madre de Dios, fomos fundadas nesta terra, então nós sempre tivemos uma presença e, portanto, estamos ligadas com esta terra, não só emocionalmente, mas a partir do carisma.
O que vocês descobrem como congregação no dia-a-dia dos povos da Amazônia?
Ultimamente, a visita do Papa nos ajudou a tornar visível o que é parte de nossa identidade, nossa origem, nossa vida. No nível nacional, a Amazônia sempre foi ignorada, não foi levada em conta, houve inclusive expressões dos políticos em relação aos habitantes dessa área como pessoas de outra categoria. Para a gente, redescobrir o rosto de Deus nestas pessoas, nos permite comprometer-nos com o que é a sua vida, acompanhar as suas iniciativas, estamos tentando reconectar tudo o que tem a ver com a nossa origem e as nossas raízes.
O papa Francisco fala da necessidade de fazer uma Igreja com rosto amazônico e rosto indígena. Vocês, que nasceram na Amazônia, depois de cem anos de congregação, como vocês tentam fazer hoje fazer realidade essa Igreja com rosto amazônico e rosto indígena dentro da congregação e dentro da Igreja local de Puerto Maldonado?
Por um lado, fortalecendo as presenças em áreas da Amazônia. Por exemplo, as comunidades que estão localizadas no Vicariato de Puerto Maldonado, fortalecemos as três presenças que temos e outra presença mais itinerante, que é missionários e missionárias dominicanos. Eu falo sobre as comunidades de Sepahua, comunidade de Kirigueti, que é a equipe itinerante, que é mista, a comunidade de Quillabamba, abrangendo o Alto Urubamba, e esta comunidade de Puerto Maldonado, ou seja, quatro comunidades.
Irmã Zully Rojas | Foto: Luis Miguel Modino
Nós nos fortalecemos com a presença de irmãs. No nível congregacional, por ocasião do nosso centenário, dissemos que teríamos um gesto congregacional, que é a nossa presença em um dos nove países da Amazônia.
Isso já se materializou de alguma forma?
Elas estão nessa busca. Eu sei que as irmãs das equipes provinciais da América Latina vão ter uma reunião. Eu sei que há buscas na Bolívia, no Equador, no Peru há essas presenças. Então, vamos ver onde continuamos caminhando, mas há um compromisso, que foi tornado público mesmo.
A Igreja da Amazônia e todos os que dela fazem parte estão no processo do Sínodo. Como isso afeta agora a vida da Igreja na região?
Penso que muita expectativa, que tornou possível o documento do estudo, nos permitiu trabalhar, não apenas as congregações, mas também os diferentes grupos do Vicariato, leigos, leigas. Temos trabalhado e não sei se existe alguma proposta muito ousada, mas acredito que há um nível de consciência que nos desafia a ir além dos espaços onde estamos. É nos projetar nessa inter-relação das equipes itinerantes com as comunidades nativas, as visitas, para fortalecer, acompanhar, ter seus espaços. Também na formação.
Essa dimensão da formação, especialmente em vista de uma Igreja mais ministerial, é um dos desafios do Sínodo para a Amazônia. É possível criar essa Igreja ministerial neste vicariato e na Amazônia peruana?
Sim, acho que é o maior desafio que temos. Reconhecemos, por um lado, que há falta de conhecimento da cosmovisão amazônica e, como um deles disse, é claro, se dissermos cosmovisão amazônica, ela é muito geral. Porque há particularidades, de exigência, de formação, seja como formação permanente ou como formação inicial.
Sugeriu-se que seja integrado às propostas, aos planos de formação inicial das congregações, mas também no Vicariato, a sabedoria dos povos amazônicos, para os seminários, para as casas de formação inicial das congregações.
No plano de formação, a última assembleia que tivemos no Vicariato, se há um elemento que se repete bastante, é a formação. Então temos que aprender, e são eles que estão se pronunciando em relação a como tornar pública uma sabedoria que é nata neles, própria, e nós temos que faze-la nossa.
Muitos dizem que Deus estava na Amazônia quando os missionários chegaram aqui séculos atrás. Por que é tão difícil para a Igreja Católica descobrir essa presença de Deus nas cosmovisões, nos povos, em tantas situações que estão presentes na Amazônia e que às vezes são ignoradas e até mesmo desprezadas?
Eu acho que isso também corresponde um pouco à situação atual e como temos nos assumido como Igreja no processo. Se eu ver as origens deste Vicariato, que é o que eu conheço melhor, porque das origens da congregação tem relatórios, escritos de nossos fundadores, se esforçaram para falar a língua dos nativos da área, chegar perto da cultura, mas com o tempo não temos sabido como cuidar disso.
Na Igreja houve, e nós reconhecemos, uma preocupação em ter internatos e escolas, e entendemos isso dessa maneira. Nossos fundadores, se preocuparam porque o telégrafo chegasse, o telefone, disse nosso fundador, primeiro atende as pessoas e depois os cristãos. Mas isso foi distorcido nesse processo, não ignoramos a realidade dos povos, mas houve uma resposta dessa dimensão de cuidar da educação e da saúde, não da cultura. Hoje, quando repensamos a cultura, a sabedoria do povo, tem que nos dizer algo, é porque reconhecemos que nem ao nível da liturgia, nem ao nível de outras práticas, integramos elementos próprios.
Irmã Zully Rojas | Foto: Luis Miguel Modino
Eles não se sentem reconhecidos em nossas celebrações ou em outras práticas que vivemos, eles estão absolutamente certos. No entanto, acredito que neste momento estamos como retornando ao caminho de ouvi-los e estar com eles. Há um aprendizado mútuo, então digo que conhecer a história nos permite não repetir os erros do passado.
Até que ponto o Sínodo para a Amazônia pode ajudar a Igreja universal, a Igreja Romana, oficial, a amazonizar-se, a descobrir os valores presentes nesta realidade?
Uma das coisas que eu achei importante neste processo que estamos vivendo aqui no Vicariato é, por um lado, fortalecer a pastoral indígena, mas com líderes nativos de diferentes grupos étnicos. É uma maneira que eles tiveram e nós tivemos espaço para ouvi-los, dizendo, vivendo. Eu não acho que ingenuamente, e sim o que eles vivem e o que eles querem, mas ouvindo os líderes.
Esse espaço de retrabalhar e visitar as comunidades nativas para ouvi-los, qual é o sua problemática, o que dói da realidade, o que eles se preocupam. A outra foi a de que eles podem expressar suas alegrias, os valores de sua cultura, o que é a beleza que eles têm e pode continuar a oferecer à Igreja, e a Igreja nos dispormos para aceitar isso. Também como reconhecemos Deus em tudo o que para eles significa o rio, a vegetação, os frutos.
Seria um pouco recuperar essa visão que está presente não só no Cristianismo como nas grandes religiões monoteístas, a partir da Teologia da Criação, que tinha se perdido na dimensão cristã. O Papa Francisco, especialmente desde a Laudato Sí, intensificou essa Teologia da Criação. Como isso pode ser combinado, como as ideias da Laudato Sí e as cosmovisões indígenas podem ser combinadas?
Um aspecto que destacamos e que estamos nos apropriando é o conceito de ecologia integral, o que eles dizem quando o expressam. É o que vivemos, a harmonia com a natureza, com os rios, com suas práticas comunitárias. É neste sentido, eu creio que nos desafia como Igreja, buscar articular esses pontos comuns, que vêm do Magistério da Igreja e da experiência. Para eles, não é uma teoria, para as comunidades nativas, para os nossos povos originários, isso é uma prática do dia-a-dia.
Desde essa prática comunitária, poderíamos dizer que os povos indígenas têm preservado o que esteve na origem do cristianismo, que aparece no livro de Atos dos Apóstolos, essa visão comunitária e que dentro da Igreja Católica, do cristianismo, influenciado por uma cultura individualista foi perdido, especialmente na Igreja Ocidental?
Sim, acho que sim, isso foi uma parte, como você diz, das origens do cristianismo em geral, e que um modelo de desenvolvimento quer impor continuar nos compreendendo individualmente, a continuar consumindo além do que precisamos. Acolher a sabedoria de nossos irmãos amazônicos, os indígenas, camponeses, que têm um sistema próprio que, como eles também reconhecem, está em risco. Há uma perda, por um lado, mas há essa constante ameaça às características próprias de sua cultura. Para eles, a dimensão da comunidade é uma característica própria.
Poderíamos dizer que o Sínodo para a Amazônia marcará um antes e um depois na história da Igreja, especialmente na história da Igreja da Amazônia?
Espero que sim, confio que sim, que vai ser, por todo esse movimento. Acredito que vai além da consciência, a consciência pode ficar no nível superficial, é um ponto de partida necessário. Mas hoje, como vemos que vamos nos implicando mais e mais, a Igreja como um todo, comunidades indígenas, líderes indígenas, uma comunidade que se preocupa e quer fortalecer essas equipes itinerantes que visitam as comunidades, que é a favor deste movimento. Acredito que o que vai vir do Sínodo será uma contribuição na medida em que fazemos da vida o que vamos descobrindo hoje.
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"O Sínodo nos desafia a ir além dos espaços onde estamos". Entrevista com Irmã Zully Rojas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU