26 Abril 2018
A prioridade para a Igreja é passar da idealização de modelos femininos à realidade concreta, isto é, às mulheres de carne e osso que fazem parte do povo de Deus. Para isso, talvez, mais do que em um sínodo geral sobre a mulher, é melhor pensar em sínodos locais, nacionais ou continentais. Por outro lado, as problemáticas relativas à mulher na sociedade e na Igreja variam de acordo com os contextos. O ideal, em todo o caso, seria um sínodo sobre os batizados homens e mulheres, no qual os homens também reconheçam que são apenas metade da história e da Igreja.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por La Stampa, 24-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Marinella Perroni, teóloga e biblista, fundadora da Coordenação das Teólogas Italianas, autora de vários livros, professora no Pontifício Ateneu Santo Anselmo de Roma, aborda, nesta entrevista, diversos aspectos da relação entre as mulheres e a Igreja.
Professora Perroni, como avalia a proposta de um Sínodo Geral sobre a mulher na Igreja, levantada pela Pontifícia Comissão para a América Latina?
Eu tenho algumas dúvidas. Parece-me que, para a Igreja, a prioridade é a de se pôr à escuta de todas as mulheres, não apenas de algumas mulheres às quais se pede um discurso estabelecido, lido antes, corrigido e assim por diante. Em suma, realmente haveria a necessidade de uma ampla discussão que tenha em mente as mulheres, não uma ideia, um modelo de mulher que seria bom que houvesse dentro da Igreja Católica. Essa é realmente a perplexidade. Por outro lado, seria positiva, por exemplo, a ideia de um Sínodo para a América Latina, dentro do qual a Igreja latino-americana – da qual as mulheres fazem parte porque são batizadas e crismadas – se interroga abertamente, amplamente sobre o que significa para as Igrejas na América Latina uma participação completa das mulheres no povo de Deus, nas necessidades do povo de Deus.
Portanto, é melhor pensar em sínodos locais ou nacionais que abordem o tema?
Eu acredito que, quanto mais o papa conseguir avançar rumo à descentralização, mais passaremos da abstração temática para a concretude e mais tematizaremos também a questão das mulheres. Creio que o documento da Comissão para a América Latina demonstra que o problema é premente e não é um problema abstrato. Por exemplo, o próximo Sínodo sobre a Amazônia não pode deixar de pensar na participação das mulheres na Amazônia naquela Igreja, com aquelas necessidades. Quanto mais liberarmos o discurso da relação Igreja-mulher da abstração, de uma idealização da mulher, digamos também de uma retórica daquilo que se espera das mulheres, melhor será. Trata-se de uma bagagem que a cultura atual está tentando purificar há muito tempo para retornar aos saudáveis registros da realidade. Se, em vez disso, devemos pensar em 300 homens da Igreja que devem discutir o papel ideal da mulher, eu expresso algumas perplexidades.
A queda das vocações é um fenômeno geral, mas, no caso da vida religiosa feminina, assiste-se a um colapso em diversas partes do mundo. Que sinal é esse?
A queda das vocações das religiosas certamente se insere na queda geral das vocações, mas também faz parte do êxodo das mulheres da Igreja, e esse é o problema. O mundo das mulheres mudou tanto há cerca de 150-200 anos, e está tão em ebulição, que não se pode fingir de levá-lo de volta à ordem, de normalizá-lo, de mantê-lo dentro das categorias, dos modelos anteriores envelhecidos apenas um pouco. Aqui não se trata de renovar o guarda-roupa, mas de escutar as vozes femininas, não as amestradas, mas de ir escutar correntes de pensamentos diferentes. Pensemos em qual foi a relação entre o Vaticano e as freiras estadunidenses. Aqui foi uma ofensa para o mundo feminino da Igreja. Não é possível colocar as mulheres umas contra as outras, as rígidas contra as progressistas, não é esse o caminho. Um cisma oculto das mulheres segue em frente há décadas.
Há também um problema de papéis, são sempre muito poucas as mulheres nos postos-chave na Cúria vaticana, mas não só...
Mas o problema não se resolve com uma nomeação que se torna um espelhinho para pássaros. O problema da Igreja é sistêmico em nível de participação. O Concílio Vaticano II começou a dar a entender que o problema era sistêmico, por exemplo, em relação aos leigos. Sobre as mulheres, ele não tinha perspectivas particulares, nem mesmo se davam conta disso. Imediatamente depois, porém, à questão dos leigos, foi se somando a questão das mulheres, das religiosas, essa ebulição que existe há décadas e sempre foi um pouco silenciada, seguindo-se uma apologética do feminino que não corresponde com o esforço que as mulheres fizeram para criar uma cultura, para levantar problemas, para reivindicar interlocuções. Estamos em um mundo no qual, infelizmente – eu digo como mulher de fé –, parece que se possa viver muito bem sem Deus. As mulheres também, no fim das contas, fazem ligeiro para ir embora das Igrejas.
Precisamente na América Latina, houve muitos exemplos de lideranças femininas no campo social, assim como na defesa dos povos indígenas. Não chegou a hora de valorizá-los?
Seria preciso se decidir a fazer isso. Se pensarmos que, no Concílio Vaticano II, há 50 anos, algumas mulheres foram chamadas – na qualidade de auditoras – incluindo também latino-americanas, uma delas argentina, a mais jovem do grupo, Margarita Moyano, responsável pelo Conselho Superior das Jovens da Ação Católica, outras estavam à frente de grandes organizações, e nós estamos aqui implorando um pequeno papel dentro da cidadela vaticana. A realidade já tinha avançado, houve mulheres não só fantásticas por virtudes pessoais, mas também porque abriram de forma pioneira caminhos na Igreja Católica e tiveram também um seguimento notável. Infelizmente, se não levarmos a sério os movimentos históricos, em algum momento, bateremos contra o muro. E eu acho que, em algumas coisas, voltamos para trás.
Recentemente, o papa, precisamente na América Latina, denunciou o “machismo”, falou de “feminicídios”, nos últimos anos, tocou várias vezes na questão feminina...
O magistério de Francisco sobre as mulheres é importante. O papa certamente tocou em vários pontos em diversas ocasiões, por exemplo, o da injustiça no plano retributivo pelo trabalho das mulheres, depois quando foi para as Filipinas em 2015 e disse que não se deve fazer filhos como coelhos. São todas “alfinetadas” muito centradas. Outra coisa que ele só esboçou, mas se trata de um aspecto fundamental, é começar o discurso sobre os homens, e não apenas só sobre os “machos”. De fato, há 200 anos, as mulheres, tentando entender quem são, o que querem, o que podem dar à história, o que lhes é negado, se puseram em movimento. Mas os homens querem se pôr em movimento? Enquanto os homens não reconhecerem sua parcialidade, o problema não será enfrentado até o fim. Eu faria um Sínodo sobre os batizados homens e mulheres para nos entendermos. Eu abriria a questão dos homens, porque ou os homens aceitam ser uma parte da humanidade e então se entendem dentro da humanidade como uma parte, ou estamos sempre na pretensão de falar das mulheres, suportar as mulheres, ter paciência que as mulheres façam seus percursos.
No documento da Pontifícia Comissão para a América Latina, fala-se de paternidade responsável, de superação de comportamentos sexuais irresponsáveis...
Dizer essas coisas lá, na América Latina, falar de paternidade responsável significa refundar o mundo. Mas preciso dizer que não podemos generalizar. Nesta parte do mundo, não existe o mesmo problema de irresponsabilidade sexual. Nós temos outro tipo de problemática do masculino e do feminino. Portanto, acho que é extremamente importante conjugar a questão em nível local, sinodal, e dar a palavra aos sujeitos reais, às mulheres reais.
Se tivesse que indicar prioridades sobre esse tema, urgências a serem abordadas, por onde começaria?
Gostaria, por exemplo, que toda a história do feminismo, com suas luzes e suas sombras – porque não existe uma história sem luzes e sombras, não é que a história da Igreja seja menos problemática do que a história do feminismo –, se tornasse um patrimônio compartilhado, com tudo o que significou. A escuta das mulheres é fundamental. Em vez disso, a nossa Igreja obstruiu a possibilidade de valorizar tudo isso, certamente avaliando, discernindo, mas, acima de tudo, tentando entender. Ao contrário, o feminismo a rejeitou, aliás, as primeiras críticas às questões de “gênero” vieram das feministas, não da Igreja. Então, se soubessem um pouco sobre as coisas, se pensaria de forma diferente. Há ignorância demais sobre tudo o que diz respeito ao pensamento das mulheres construído nestas décadas. Enquanto, na Igreja, um certo conhecimento não se tornar um patrimônio compartilhado, saímos dos trilhos inevitavelmente. Outro dia, eu falava com um sacerdote, um professor, que dá o curso de Teologia Feminista, e eu disse: finalmente, isso é um sinal do futuro, porque não são apenas as mulheres que devem falar sobre isso. É como se disséssemos que, sobre a história do Ressurgimento, apenas os garibaldinos pudessem falar. Não é possível, que todos falem sobre isso, é história, é vida. Um pouco mais de coragem e de conhecimento antes de se defender e de atacar.
Fala-se muito das reformas de Francisco. O que espera nesse campo?
A primeira reforma promovida pelo papa é a reforma das consciências, dos comportamentos, das orientações de fundo. Pois bem, eu acrescentaria uma reforma da coragem, a vontade de assumir a história, de conhecê-la, e não de se entrincheirar. E isso Francisco diz de todos os modos: uma Igreja que se entrincheira, não entende nada, só faz mal. Não se deve se entrincheirar. É preciso estar no mundo e entendê-lo.
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''É hora de a Igreja se pôr à escuta das mulheres.'' Entrevista com Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU