16 Junho 2017
Plínio Corrêa de Oliveira lá do além, sentado ao lado de Nossa Senhora, determina alterações climáticas e empenha-se a valer para que o Papa Francisco morra em breve. Esses são os tipos de absurdos valorizados pelos líderes da entidade Arautos do Evangelho. Para muitos ficou óbvio que havia razões bem sólidas na origem da decisão do Vaticano quando solicitou uma investigação sobre os Arautos, embora outros logo tratassem de torcer o pedido tentando enquadrar a decisão da Congregação para os Religiosos em uma intolerância inexistente contra as realidades eclesiais mais tradicionais e conservadoras.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por La Stampa - Vatican Insider, 14-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 12 de junho, tornou-se pública a carta em que se comunicava o pedido de afastamento de monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, 77 anos, fundador e superior geral da sociedade clerical de vida apostólica "Virgo Flos Carmeli” e presidente da associação privada de fiéis "Arautos do Evangelho”, a primeira nascida e aprovada no novo milênio. Monsenhor Clá não faz nenhuma referência à profunda investigação iniciada pelo dicastério do Vaticano liderada pelo bispo brasileiro Cardeal João Braz de Aviz. Mas a coincidência temporal fala por si.
Entre as razões da investigação está o que o sociólogo Massimo Introvigne define de "uma espécie de culto secreto e extravagante a uma espécie de trindade composta por Plinio Corrêa de Oliveira, sua mãe Dona Lucília, e o próprio monsenhor Clá Dias". O brasileiro Correa de Oliveira, chamado de "Dr. Plínio", que morreu em 1995, foi um pensador católico tradicionalista, de direita e contrarrevolucionário, idealizador e fundador da associação TFP (Tradição, Família e Propriedade), que após a sua morte foi desmembrada e de um dos seus ramos nasceu a entidade Arautos do Evangelho. Sobre esse culto secreto, que na opinião de alguns teria ido muito além do mero culto da personalidade, já tiveram oportunidade de escrever vários ex-membros.
Agora, para complicar os fatos surgem alguns vídeos recém-gravados, que mostram não só que o fundador dos Arautos, Scognamiglio Clá Dias, e os seus sacerdotes usam rituais de exorcismo compilados por eles mesmos, considerando ineficazes os da Igreja Católica aprovados pela Santa Sé, mas também fornecem uma confirmação do bizarro culto ao "Dr. Plínio" e sua mãe, Lucilia. Além disso, o agora ex-superior dos Arautos, dá crédito a delirantes teorias, convencendo seus sacerdotes a fazerem o mesmo. Quem é a fonte dessas pseudo-revelações: o próprio diabo, durante um dos frequentes exorcismos que os padres dos Arautos do Evangelho celebram através de fórmulas que carecem de aprovação eclesiástica.
Um dos vídeos em questão pode ser assistido aqui.
No vídeo – que certamente não foi feito por uma câmara escondida dada a estabilidade de imagem e a panorâmica inicial que mostra toda a sala – pode ser visto o fundador dos Arautos, Scognamiglio Clá Dias, enquanto conversa com cerca de sessenta dos seus sacerdotes. O vídeo foi filmado durante uma recente visita papal e é certamente posterior a fevereiro de 2016, porque um dos oradores menciona a peregrinação de Francisco ao México. Monsenhor Clá pega um envelope contendo uma transcrição de perguntas e respostas e entrega as folhas ao padre Beccari que as lê, em pé, ao seu lado. Trata-se do diálogo entre um padre e o demônio durante um exorcismo. O conteúdo dessas divagações é lido sem que o superior ou qualquer um dos presentes levante objeção alguma. Na verdade, tudo é endossado e entende-se também, através de uma das perguntas do sacerdote ao demônio, que todas as indagações foram feitas "por ordem do monsenhor Clá" e que servem "apenas para confirmar" o que os Arautos já acreditam.
O sacerdote pratica o exorcismo sobre a pessoa possuída, nunca nomeada, com a fórmula: "A maldição de Monsenhor João caia sobre a tua cabeça!" O demônio revela que "Nossa Senhora está muito empenhada para que os membros do grupo (os Arautos, ndr) se comprometam a servir Monsenhor João, renunciando à própria vontade para fazer a do monsenhor". Plínio Correa "está sentado à direita da Virgem, ele também acomodado em um trono e tem todo o poder. Dona Lucília está à sua esquerda, um pouco mais abaixo e colabora para tudo o que o filho Plínio constrói". Plínio Correa detém "o controle sobre o mundo porque ele é a ordem do universo". Todos os padres presentes comentam entusiasmados: "Nossa! Impressionante", enquanto o monsenhor fundador acena a cabeça confirmando.
O diabo também revela que dona Lucília conversa normalmente do além com monsenhor João, que novamente confirma com um aceno da cabeça.
Durante o exorcismo do suposto demônio, solicitado pela curiosidade do padre que faz perguntas em nome de Monsenhor João, são feitas várias "revelações". Diz-se que "Plínio está estragando os computadores das pessoas, para que elas não acessem a Internet". Além disso, Correa de Oliveira, do seu trono, sentado à direita da Virgem Maria, também está "mudando o clima". Seria ele, portanto, o autor da "mudança climática, do aumento do calor. É Plínio que faz tudo", garante o demônio exorcizado. E avisa: "Um meteorito irá cair no oceano na frente dos EUA, no Atlântico, e a América do Norte vai desaparecer". Monsenhor João ouve satisfeito.
"O Papa? É um dos meus servos. Rodé[1] será o sucessor". O auge da anuência entusiasmada de Monsenhor João e de seu fascinado público de padres acontece quando o suposto demônio fala do Papa atual. "O Vaticano? É meu, é meu! (O Papa, ndr) faz tudo o que eu mando, é um tolo". Todo mundo ri satisfeito e acena confirmando. "Obedece a tudo que mando - continua o demônio - é a minha glória, está disposto a fazer tudo por mim. Ele me serve". Para confirmar a autoridade da fonte e, assim, as pseudo-revelações, Monsenhor João diz: "Este é o demônio mais preparado que já apareceu entre nós." A diversão dos padres dos Arautos Evangelho continua quando o demônio exorcizado explica que "o Papa vai morrer em um tombo", no Vaticano, não durante uma viagem como esperam os presentes, dado que na época Francisco estava envolvido em uma de suas peregrinações. O demônio explica que o "Dr. Plínio está incentivando a morte do Papa", está tentando encurtar sua vida. Também se fala que "o próximo papa será bom", e que o diabo está tramando para "matar o homem que Deus chama, o Cardeal Rodé, o próximo Papa". O cardeal esloveno Franc Rodé, Prefeito da Congregação para os religiosos, é considerado um amigo pelos Arautos do Evangelho. Por fim, também é dito que o diabo não tem poder sobre os Arautos do Evangelho, porque são consagrados a Plínio Corrêa de Oliveira: "Os planos dependem de Deus e do Dr. Plínio".
Não são necessários comentários sobre o que é visto e afirmado no vídeo em questão. Contudo, vale lembrar as palavras de um verdadeiro grande exorcista, padre Gabriele Amorth, a propósito das "revelações" durante os rituais: "As respostas do demônio precisam ser avaliadas. Às vezes o Senhor impõe ao demônio falar a verdade, para provar que Satanás foi derrotado por Cristo e também é forçado a obedecer aos seguidores de Cristo que agem em seu nome. Muitas vezes o maligno afirma expressamente ser obrigado a falar, embora faça de tudo para evitar isso. É um perigo, no entanto, quando o exorcista se perde atrás de perguntas por curiosidade (que o Ritual proíbe expressamente) ou se deixa guiar em uma discussão pelo demônio! Justamente porque ele é um mestre da mentira".
Nota:
1. Refere-se ao cardeal Franc Rodé, esloveno, que foi prefeito, no Vaticano, da Congregação para os Religiosos.
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Arautos, a doutrina secreta. "Dr. Plínio incentiva a morte do Papa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU