25 Abril 2016
De 19 a 25 de abril o Santuário Nacional de Aparecida acolhe o 16º Encontro Nacional de Presbíteros que terá como tema: “Presbíteros do Brasil, alegria no testemunho do Evangelho”. O evento é promovido pela Comissão Nacional dos Presbíteros e pela Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB e vai reunir 550 padres de todas as Dioceses do Brasil e convidados de outros países.
Em sintonia com o Encontro Nacional de Presbíteros é oportuno refletir sobre a realidade que alcança muitas comunidades eclesiais, não somente no Brasil, mas em muitos lugares no mundo: ausência de presbíteros para presidir a Eucarístia. Por isso, para salvaguardar a vitalidade da experiência eclesial cristã exige-se uma reflexão urgente e corajosa sobre os novos ministérios, especialmente os "Presbíteros Comunitários para Comunidades sem Eucaristía. Uma breve leitura brasileira da proposta de Fritz Lobinger".
O artigo é de Antônio José de Almeida, teólogo, professor da PUCPR.
Eis o texto.
“Em cada igreja designaram presbíteros e,
depois de terem orado e jejuado,
confiaram-nos ao Senhor, em quem tinham crido.” (At 14,23)
A Igreja no Brasil tem que fazer todos os esforços possíveis para encontrar uma saída institucional duradoura para as cerca de 70.000 comunidades que, em nosso país, por falta de presbíteros, não celebram todos os domingos a Eucaristia, que é a fonte, o centro e o cume sacramental da vida cristã e eclesial. Problema, aliás, que não é uma exclusividade do Brasil, mas que está presente também em outros países e mesmo continentes inteiros, sem sinais de que esta situação possa vir a modificar-se a breve ou médio prazo.
Descobrimos as Celebrações da Palavra, que são certamente uma bênção, que a Vª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho (Aparecida, 2007) valorizou com bons argumentos, como também o fez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no documento “Comunidade de Comunidades: Uma Nova Paróquia. A conversão pastoral da paróquia” (2013)
Os bispos, porém, têm consciência de que as Celebrações da Palavra não substituem a celebração da Eucaristia: “Sem dúvida, os fiéis devem desejar a participação plena na Eucaristia dominical” (Aparecida 253). No documento 100 da CNBB, há uma ainda que breve alusão a esta questão:
“Milhares de comunidades não têm oportunidade de participar da Eucaristia todos os domingos. Também eles devem e podem viver o Dia do Senhor com a celebração dominical da Palavra, “que faz presente o Mistério pascal, no amor que congrega (cf. Jo 3,14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5,24-25) e na oração comunitária (cf. Mt 18,20)” (DAp, n. 253). No entanto, torna-se urgente a busca de soluções duradouras para que as comunidades possam contar com a celebração da Eucaristia” (CNBB, Comunidade de comunidades: uma nova paróquia, n. 277).
Aparecida pede, como inúmeros documentos do Magistério, que os fiéis sejam motivados a orar pelas vocações sacerdotais. Com toda a certeza, nossos fiéis, que conhecem o lugar insubstituível do ministério sacerdotal no organismo da Igreja, que estimam seus sacerdotes e sabem de suas dificuldades, rezam – muitos até diariamente – para que o “Senhor envie operários para a sua messe” (Mt 9,38). Além disso, não há diocese, neste imenso Brasil, que não invista na Pastoral Vocacional e na formação de sacerdotes.
Apesar de certo crescimento do número de seminaristas e de ordenações nas últimas décadas, todos sabemos que estamos muito longe de termos presbíteros em número e perfil adequado para atendermos às necessidades que só os presbíteros podem atender. Quem não se lembra das palavras contundentes mais vezes expressas de João Paulo II: “Padre só pode ser substituído por padre!”? (cf. Ecclesia de eucaristia, 28).
Neste setor decisivo de nossa ação evangelizadora, às vezes tem-se a impressão que não estamos sendo capazes de, no Espírito Santo, ler os “sinais dos tempos”. Parece-me ouvir as palavras interpeladoras de Jesus: “Sabeis discernir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos?” (Mt 16,3).
Nestes cinquenta anos, Deus tem sido escancaradamente generoso com a Igreja da América Latina, de modo especial no Brasil: por toda parte, surgiram dezenas e dezenas de milhares de comunidades e, dentro delas, milhares e milhares de bons cristãos que dão o melhor de si, às vezes em situações dificílimas, para a causa de Jesus, do Evangelho e dos seus irmãos e irmãs, sobretudo os mais pobres e abandonados.
Viver em fronteiras geográficas e existenciais é a prática quotidiana de milhares de comunidades e de suas lideranças. Aos olhos da fé, não podemos deixar de ver, nestas milhares de comunidades e nestes milhares de servidores e ministros, a ação de Deus, enviando operários para a sua messe (cf. Mt 9,38).
Pois bem. Por quê, se o Espírito Santo de alguma maneira nos precedeu, não podemos agora, num momento dramático para a missão e a ministerialidade da Igreja, impor as mãos sobre alguns deles, para que, unidos a Cristo Cabeça e Pastor do seu Corpo pelo sacramento da Ordem, possam, como presbíteros, presidir como ministros da unidade a muitas dessas comunidades e, consequentemente, presidir às suas celebrações eucarísticas?
Não estão preparados?
Vamos pensar, dispor e indicar pessoas e meios para ampliar e aprofundar a formação que vêm recebendo há tempo de seus bispos, presbíteros, irmãos e irmãs leigos. A formação humana, espiritual, intelectual e pastoral desses eventuais novos candidatos ao presbiterado não pode ser descurada, é evidente, mas também não deve ser pensada nos mesmos moldes da formação dos atuais presbíteros. É preciso buscar outro projeto e outro processo formativo. A situações diferentes, ainda que se deva partir de diretrizes gerais comuns, é sábio dar soluções diferentes.
Têm família, esposa e filhos?
A respeito, duas colocações.
Primeira.
Temos que ter claro que o celibato é um carisma e, como tal, deve ser acolhido e vivido por quem, como Paulo, o recebeu (cf. 1Cor 7,1-9).
O autêntico celibato há de ser valorizado pela Igreja não por último pelos maravilhosos frutos que lhe proporcionou ao longo de sua história. Mas este carisma – ensina-o com toda a clareza Paulo VI na Sacerdotalis coelibatus – é conveniente, mas não intrínseco e necessário ao ministério presbiteral.
A Igreja pode rever ou abrir exceções a uma lei que não é de direito divino que ela mesma introduziu; que, aliás, só se estendeu por todo o Ocidente lenta e gradativamente, e que as Igrejas orientais católicas não têm.
Segunda.
Em sua condição de casado e pai de família, vale aqui o perfil traçado por Paulo na 1ª Carta a Timóteo:
“É preciso que o bispo [o “epískopo”, nota o tradutor]
seja irrepreensível, casado uma só vez,
sóbrio, ponderado, educado,
hospitaleiro, apto para o ensino;
que não seja dado ao vinho nem violento;
pelo contrário, que seja manso,
pacato, não cobiçoso;
que dirija bem a própria casa
e saiba manter os filhos na submissão,
com toda a dignidade.
Com efeito,
quem não sabe governar a própria casa,
como poderá cuidar da igreja de Deus?”
(1Tm 3,2-5).
(Tudo isso traduzido nas condições sociais e culturais da atualidade).
Os fiéis católicos vão aceitar um padre ou um clero eventualmente casado?
Há pesquisas sérias que mostram que sim. E é bom lembrar que a existência de padres casados atuando lado a lado com um clero celibatário enriquecerá a vida e o ministério da Igreja. A Igreja deve poder dizer presbiteralmente o Evangelho pela boca e a vida de um homem casado tanto quanto pela vida e pela boca de um padre celibatário.
A família do padre pode eventualmente ter problemas?
A santa Igreja de pecadores vai saber lidar com isso e, liminarmente, vai saber escolher os melhores dos seus melhores líderes leigos para conferir-lhes o dom da ordenação. Nenhum pai, porém – tendo feito tudo o que estava ao seu alcance em vista de uma boa educação dos filhos – poderá ser responsabilizado pela conduta futura de um filho ou de uma filha.
Contra situações familiares indesejáveis ninguém está vacinado. Nem no Antigo Testamento (veja-se o profeta Oseias) nem no Novo (a família do próprio Jesus lhe criou não poucos problemas). A Igreja terá que aprender a lidar com essas situações como aprendeu a lidar com outras situações ao longo de sua história.
Têm profissão; devem abandoná-la?
Não necessariamente, como o apóstolo Paulo, que, para não ser pesado a ninguém, fabricava tendas como Áquila e Priscila, e, ao mesmo tempo, entregava-se de corpo e alma a Jesus e ao Evangelho. Aliás, na leitura do decreto Presbyterorum ordinis, poucos atentam à passagem onde se lê:
“Todos são enviados para cooperarem na obra comum, quer exerçam o ministério paroquial ou supra-paroquial, quer se dediquem à investigação científica ou ao ensino, quer trabalhem manualmente e compartilham a condição operária [o grifo é nosso], onde isso pareça conveniente e a competente autoridade o aprove, quer realizem qualquer outra obra apostólica ou orientada ao apostolado.” (PO 8)
Não têm profissão, mas têm família; quem vai sustentá-los?
Os mesmos fiéis que hoje sustentam os atuais presbíteros, num sistema de administração dos recursos econômicos e financeiros cada vez mais eclesial e transparente. Nossos irmãos protestantes e evangélicos contam com ministros casados sustentados pelas comunidades a que servem; como podemos dizer que não temos condições de fazer o mesmo?
Passaríamos a ter duas modalidades de padres?
Entre os presbíteros, sempre houve e sempre vai haver diferenças. Esta seria mais uma, e seria uma belíssima diferença. Diferença, porém, não é desigualdade; é apenas uma expressão legítima e até desejável de uma igualdade. Lobinger chega a propor até nomes distintos para esses dois tipos de “presbíteros”: “ministros ordenados locais e padres”.
Os “padres” (pensemos nos presbíteros diocesanos atuais) atendem a uma vasta área e moram em uma circunscrição pastoral mais ampla; os “ministros ordenados” (pensemos em animadores de comunidades ordenados presbíteros) vivem no meio da comunidade local.
Ambos são presbíteros, mas alguns são chamados “padres”, enquanto outros nós chamamos de “ministros ordenados”. Ambos são “presbíteros” pelo mesmo sacramento da ordem; ambos proclamam o Evangelho em nome da Igreja; ambos ministram os sacramentos; ambos conduzem a comunidade com e sob o bispo; ambos são ordenados por toda a vida.
“Padres” servem a Igreja em total disponibilidade, renunciando mesmo ao casamento e à família. “Ministros ordenados” são chamados a servir a Igreja, estando totalmente inseridos na vida das pessoas, no trabalho e na vida familiar.
“Padres” são enviados para uma das paróquias da diocese, enquanto “ministros ordenados” só atenderão a comunidade onde vivem. “Padres” e “ministros ordenados” são, portanto, parecidos, mas diferentes.
Como hoje são parecidos e diferentes presbíteros que atuam numa paróquia e presbíteros que são formadores em seminários, professores de teologia, capelães num grande hospital, assessores eclesiásticos de uma pastoral, etc.
Os presbitérios de nossas dioceses se enriqueceriam humana, espiritual, pastoralmente, não tenhamos dúvida.
Vamos dar este passo sozinhos?
De modo algum. Em comunhão. Sempre em comunhão. Em comunhão com a Escritura e a grande Tradição dos primeiros séculos e muito além. Em comunhão com as Igrejas locais e seus bispos. Em comunhão com o papa. Em comunhão com nossas dezenas de milhares de comunidades. Em comunhão com o nosso povo.
Foi amplamente noticiado que Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu (Pará) esteve o ano passado (4 de abril de 2014) com o papa Francisco, ao qual expôs, entre outras questões, esta do insuficiente número de padres para o serviço pastoral naquela diocese, a maior do mundo, com mais de 800 comunidades e apenas 27 padres.
A reação de Francisco foi imediata: “Qual a sua proposta? Vocês precisam apresentar propostas corajosas.” Mostrando estar a par das reflexões a respeito do tema, o papa mencionou a proposta de Dom Fritz Lobinger (bispo alemão que atuou cerca de 50 anos na África do Sul) e a situação da diocese de San Cristóbal de Las Casas, no México, onde mais de 300 diáconos indígenas presidem outras tantas comunidades, que, para a celebração da Eucaristia, dependem, é claro, de sacerdotes, que, naquela diocese, são pouco mais de 60.
Fritz Lobinger tem uma proposta clara: chamar para o presbiterado e ordenar líderes, solteiros ou casados, profundamente radicados em comunidades eclesiais maduras. Por comunidades eclesiais maduras, Lobinger entende aquelas que tenham um histórico de caminhada eclesial e vivência comunitária, que contem com ministérios não-ordenados no âmbito da palavra, do culto e da caridade, que sejam acompanhadas por presbíteros dedicados ao seu desenvolvimento, que estejam num processo permanente de formação, em comunhão com a Igreja local. O bispo alemão não fala de “viri probati”, mas de “communitates probatae”. Claro que uma coisa não exclui a outra, ao contrário, mas o acento recai sobre a comunidade!
A diocese de San Cristóbal de Las Casas, no sul do México, por sua vez, tem uma longa experiência de diáconos permanentes. Sob a liderança do bispo Samuel Ruíz García, o diaconato como “grau próprio e permanente da hierarquia” (cf. LG 29) foi profundamente inculturado. As culturas indígenas deram a este ministério uma fisionomia própria à luz dos seus “sistemas de cargos”.
Os diáconos indígenas são:
Quanto à ordenação de homens casados, Samuel Ruíz não tinha dúvidas:
“Na cultura de Chiapas, um célibe não é considerado humanamente maduro. Estas comunidades têm direito à Eucaristia celebrada não episodicamente e por pessoas talvez vindas do exterior. Precisamos tomar consciência de que o célibe aqui é uma realidade problemática. O conferimento do sacerdócio a casados não nasce aqui das discussões sobre a relação entre celibato e sacerdócio no Ocidente, mas da reflexão sobre a cultura autóctone. Temos a convicção de que aqui o problema deva ser tratado e resolvido numa maneira comunitária, portanto, não a partir da posição de um bispo isolado”.
Aqui, no Brasil, como muito bem colocou Dom Erwin Kräutler em entrevista à Katholischen Nachrichten-Agentur por ocasião da abertura da Ação Quaresmal Misereor em Würzburg, na Alemanha, no dia 14 de fevereiro deste ano: “Em primeiro plano não está a discussão do celibato, mas as comunidades impossibilitadas de celebrar a Eucaristia dominical” por falta de presbíteros.
Ordenar presbíteros líderes leigos ou diáconos permanentes?
A questão não pode ser evitada. Para alguns, ordenar presbíteros alguns dentre os líderes leigos que estão à frente das comunidades (animadores, articuladores, coordenadores) é a decisão mais acertada, pois o que se quer é dotar uma comunidade concreta (por exemplo, a da Água dos Emboabas) de um presbítero próprio (por exemplo, o Sr. Diamantino Pereira) a partir do que já existe naquela comunidade em termos de ministérios.
Valoriza-se a comunidade concreta, na qual e para a qual o ministério existe. Garante-se a relação ministro-comunidade, condição e critério importantes na Igreja antiga aos quais se deve voltar (“volta às fontes”!) na prática concreta. Não é um estranho, que vem de fora, mas um de dentro; não precisa inserir-se, encarnar-se, inculturar-se, pois pertence à comunidade, faz parte da sua história, tem a sua cara, o seu jeito.
Outros pensam que se deveriam escolher entre os diáconos permanentes os candidatos à ordenação presbiteral. Receberam uma formação mais sistemática, exercem algumas das funções que os presbíteros exercem, já fazem parte do clero.
Tudo isso é verdade, mas é necessário levar em conta algumas questões:
1) o novo diaconato é um ministério que ainda não encontrou seu perfil próprio, seja na teoria seja na prática, e tal escolha vai perturbar ainda mais o já difícil processo de construção de seu perfil contemporâneo;
2) o diaconato não pode ser visto nem querido como um estágio (ou trampolim) para o presbiterado;
3) o diácono não poder ser visto ou ver-se como um quase-padre (“faço tudo, menos confessar e celebrar missa”);
4) em muitos lugares, o diácono restringiu seu ministério à dimensão litúrgica, ficando no esquecimento a dimensão profética e pastoral;
5) muitas vezes, o diácono está ligado a uma paróquia e à disposição do pároco, mas não a uma comunidade menor concreta, como os animadores que são e se sentem membros da sua comunidade.
Estando assim as coisas, talvez não seja o caso de um “aut-aut”: a regra seria ordenar animadores de comunidade; a exceção seria ordenar diáconos, desde que estejam fortemente integrados numa comunidade concreta da qual já seriam animadores (como é o caso dos diáconos indígenas de San Cristóbal de Las Casas e de algumas dioceses do Brasil), exercendo, portanto, não só ações litúrgicas.
O primeiro, o fundamental, o absolutamente decisivo é termos e – onde ainda não existam – promovermos comunidades eclesiais de tamanho humano em que sejam possíveis relações próximas, de tu a tu, comunidades formadas por autênticos discípulos/as missionários/as, que assumam a missão e o serviço que a Igreja é chamada a oferecer àquele pedaço de mundo em que está inserida, que celebram a Eucaristia ativa, consciente e frutuosamente (claro, presidida por um presbítero) na plenitude do seu significado.
Aqui na América Latina, desde Medellín, passando por Puebla, Santo Domingo e Aparecida, se fala desta necessidade, desta meta, deste desafio. Que, cinquenta anos depois do Vaticano II, e, aqui no Brasil, desde o Plano de Emergência, o Plano de Pastoral de Conjunto e as sucessivas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, a CNBB dedique um documento a este tema (Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. A conversão pastoral da paróquia) é sinal de que não é hora de colher os frutos, mas de continuar a semear, oxalá com comunidades que exerçam também a prerrogativa de pedir a ordenação de ministros próprios!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Presbíteros Comunitários para Comunidades sem Eucaristia. Artigo de Antonio José de Almeida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU