25 Abril 2024
"Produção do material dobra a cada ano, mas pouco é reciclado. ONU debate um tratado para mitigar a poluição por polímeros. Cooperativas propõem: reciclagem não basta. É preciso uma visão ampla de economia circular e responsabilizar os produtores", escrevem Aline Sousa da Silva e Luísa Santiago, em artigo publicado por Carta Capital e reproduzido por Outras Palavras, 24-04-2024.
Aline Sousa da Silva é diretora da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF e Entorno. Luísa Santiago é diretora executiva da América Latina na Fundação Ellen MacArthur.
Catadores e catadoras de materiais recicláveis têm contribuído, há anos, para mantermos bons índices de reciclagem para materiais como latas de alumínio, cuja taxa chegou a quase 100% em 2021, número que coloca o Brasil como o país que mais recicla alumínio no mundo. Limpando rios e lagos, recolhendo os resíduos das ruas, dos lixões que insistem em existir, ou fazendo a triagem e classificação, esses agentes ambientais recuperam o valor de materiais que podem ser incorporados a novos produtos e embalagens. Mostram que o que parece descartável tem valor subestimado e subaproveitado.
Por essa função ambiental e econômica, conquistaram visibilidade a ponto de serem considerados grupo de atenção prioritária para a presidência do Brasil. Na icônica transmissão da faixa presidencial a Lula por uma catadora, enxergou-se, enfim, que a categoria não apenas cresceu e se consolidou, como se tornou imprescindível para o nosso desenvolvimento. No entanto, essa visibilidade, assim como a reciclagem, tem suas limitações. Para termos maiores retornos econômicos com resultados ambientais, precisamos de melhor valorização dos nossos recursos materiais e dos profissionais que atuam diretamente com eles.
Apesar do destaque do alumínio, outros materiais ainda estão longe de ser um caso de sucesso. O plástico, cujo reaproveitamento deveria ser prioritário, apresenta taxas de reciclagem abaixo dos 25% no Brasil e abaixo de 10% mundialmente, enquanto a quantidade de plástico virgem que entra no mercado dobra a cada ano. Este é o resultado da atual economia linear na qual extraímos recursos da natureza e os transformamos em produtos que futuramente serão desperdiçados pois não foram projetados para voltar ao mercado.
As cooperativas de catadores sabem bem como lidar com resíduos quando se trata de coleta seletiva e reciclagem. Em Brasília, a coleta seletiva realizada por cooperativas consegue retornar 97% dos materiais recicláveis ao mercado. Já dos materiais recicláveis coletados por empresas, menos de 40% retorna ao mercado, devido à contaminação dos materiais. Tal eficiência reflete um nível de conhecimento e organização das cooperativas que precisa ser valorizado.
Contudo, uma economia linear não é boa para os catadores. Não é interessante que a sua renda seja limitada por um material de baixo interesse do mercado e projetado para ser descartado – e não circulado desde o princípio. Os dados sobre plástico também reforçam que a poluição não será resolvida apenas com reciclagem. Precisamos de uma abordagem ampla de economia circular, que elimine plásticos desnecessários e problemáticos e que se apoie em profissionais e sistemas capazes de manter os materiais circulando em seu mais alto valor.
Neste momento, estamos próximos de um acordo internacional que pode auxiliar nas frentes necessárias para resolver este cenário. No fim deste mês de abril, as nações voltam a se reunir para discutir um tratado da ONU contra a poluição plástica que seja juridicamente vinculante e baseado em uma visão ampla de economia circular. O intuito é garantir regras internacionais para que os países tenham políticas harmonizadas para enfrentar a poluição plástica. O nível de ambição que for alcançado no texto do tratado pode representar um grande avanço para a valorização que precisamos.
Com um tratado ambicioso, os países podem colocar barreiras para plásticos problemáticos e desnecessários, que dificultam a reciclagem e o trabalho dos catadores. Podem exigir a implementação da responsabilidade estendida do produtor, que ainda está longe de ser realidade no Brasil, e que deve ser um mecanismo financeiro contínuo, dedicado e suficiente para expandir a infraestrutura de reciclagem e garantir a formalização e melhor remuneração de catadores. O tratado também pode liberar os entraves que impedem que o plástico reciclado seja competitivo com o material virgem. E, principalmente, pode estimular o design para a reciclagem e facilitar a criação de sistemas de reuso que estendem o valor do plástico e que podem empregar catadores em funções mais seguras e com maior renda.
Esperamos que, nesta próxima rodada de negociações para acabar com a poluição plástica, líderes dos países estejam conscientes de que tomar um posicionamento ambicioso pode tanto trazer resultados ambientais positivos quanto desbloquear oportunidades econômicas para as pessoas que contribuem com o desenvolvimento do país.
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A proposta dos catadores para o inferno dos plásticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU