30 Março 2023
Steven Forti (Trento, 1981) é um jovem filósofo italiano que se dedica a pesquisar não só a história dos fascismos, e extremas-direitas, mas também o seu papel no presente. De Vladimir Putin a Trump, passando por Le Pen e Bolsonaro, Forti “percorre” uma galeria povoada de personagens extremistas que, no entanto, seduzem.
Seus trabalhos estão direcionados à história política e do pensamento e as culturas políticas do século XX e inícios do século XXI, com particular atenção para a Europa do Período Entreguerras e pós-Guerra Fria, na perspectiva da história comparada e transnacional.
O motivo do êxito da extrema-direita recebe e admite infinitas hipóteses. Forti também se inquietou com a passagem de líderes e personalidades da esquerda internacional para os partidos de direita e extrema direita, em diferentes momentos da história.
Professor de História Contemporânea, na Universidade Autônoma de Barcelona, e analista político, Forti é autor do livro Extrema derecha 2.0: Qué es y cómo combatirla (Siglo XXI da Espanha, 2021).
A entrevista é de Hector Pavon, publicada por Clarín-Revista Ñ, 28-03-2023. A tradução é do Cepat.
Quem foram os mais importantes líderes de esquerda que transitaram para posições fascistas, no Período Entreguerras, indicados em seu livro?
Encontrei mais de cinquenta líderes que passaram das esquerdas para o fascismo, entre os anos 1920 e 1930. Na Itália, um dos fundadores do Partido Comunista, Nicola Bombacci, acabou fuzilado pelos partisanos e pendurado pelos pés, junto a Mussolini, em abril de 1945.
Na França, dois enfants prodiges do comunismo francês, Jacques Doriot e Paul Marion, acabaram colaborando com os nazistas e organizando a propaganda em Vichy, respectivamente. Na Espanha, Óscar Pérez Solís, secretário do PCE em meados dos anos 1920, converteu-se ao catolicismo e participou do golpe de Estado de Franco, em 1936, contra a Segunda República.
Não houve apenas comunistas, mas também socialistas, sindicalistas revolucionários e até alguns anarquistas. Não esqueçamos, em todo caso, que o primeiro desertor é o próprio Mussolini, líder da corrente revolucionária do socialismo italiano até 1914.
Como se deu esse processo?
É um tema complexo e escorregadio. Dizer que houve desertores não quer dizer, em absoluto, que os extremos – a esquerda e a direita – se tocam. Ao mesmo tempo, não podemos simplesmente rotular esses líderes como oportunistas. Cada vida é única e irrepetível, mas podemos encontrar alguns elementos que a grande maioria destes políticos compartilha. Do ponto de vista ideológico, costuma haver algumas vias que facilitam sua deriva fascista: a mais importante é a substituição da categoria de classe pela de nação. O peso da nação é o que, metaforicamente, dobram esses líderes de esquerda.
É algo que se repetiu no passado recente?
Os trânsitos de uma família política a outra sempre ocorreram na história contemporânea. Na Espanha, recentemente, falou-se do ex-líder comunista Ramón Tamames, que se ofereceu para liderar a moção de censura do Vox. Na França, um jovem líder local da esquerda anticapitalista, Fabien Engelmann, passou para a Frente Nacional de Le Pen e se tornou prefeito de uma pequena cidade com tradição comunista. Veremos no futuro se haverá mais casos, no momento, são exceções que a extrema-direita tenta aproveitar midiaticamente.
Como foi que a extrema-direita 2.0 se tornou sedutora e conquistou territórios da rebeldia, que antes pertenciam à esquerda?
Em parte, tem sido assim. O historiador Pablo Stefanoni explicou muito bem. Donald Trump, Jair Bolsonaro, Javier Milei e Matteo Salvini se apresentam como antissistema, rebeldes e transgressores. Dizem lutar contra a ditadura “progressista” e defender a liberdade frente a uma esquerda que teria imposto uma suposta “ditadura de pensamento único”. No final das contas, é pura retórica porque não questionam o sistema capitalista, mas muita gente compra essa história e considera a ultradireita como algo cool.
Quais são as bandeiras levantadas por essa nova extrema-direita?
Essencialmente, o nacionalismo, a antiglobalização, o antiprogressismo, a rejeição do Outro, a xenofobia, os valores ultraconservadores. Mas também vemos como tentam se aproveitar de bandeiras da esquerda como o feminismo e o ambientalismo. Aí temos, por exemplo, o que se definiu como feminacionalismo e patriotismo verde. É uma das muitas operações de parasitismo ideológico que essas novas extremas-direitas estão realizando: sequestros semânticos para se apropriar de conceitos e ideias progressistas e desviá-las de forma reacionária.
Como as extremas-direitas agem para tirarem proveito das “fake news”, da pós-verdade, por exemplo?
Entendendo melhor e antes que os outros as potencialidades das novas tecnologias e, em uma época marcada até recentemente por um generalizado tecnoutopismo, aproveitando o “lado obscuro” da Internet. A web 2.0 serviu para viralizar o seu discurso, pulando a intermediação dos meios de comunicação tradicionais, e para ampliar ainda mais a desconfiança dos cidadãos em relação às instituições.
Uma sociedade desconfiada, que considera a verdade como algo relativo ou subjetivo, é um terreno fértil para a difusão da narrativa ultradireitista. A partir disso, tem-se infinitas técnicas: do uso de bots e contas cyborg às fábricas de trolls, passando por campanhas de shitposting e de assédio a quem pensa diferente, sem falar na criação de perfis de dados para criar propaganda personalizada, como nos mostrou o escândalo da Cambridge Analytica.
Como a extrema direita mais visível da Europa está atuando diante da guerra Rússia-Ucrânia?
A extrema-direita europeia estava muito dividida antes da guerra entre quem é pró-Putin, como Salvini, Orbán e Le Pen, e atlantistas (defensores de uma aliança entre a Europa Central e a América do Norte), como os partidos da Polônia e os países bálticos. Os primeiros estão mais ou menos discretos e esperam para ver como se reposicionar. Para os segundos, ao contrário, é a melhor coisa que poderia ter acontecido.
De fato, não se fala mais dos ataques ao Estado de Direito que o governo de Varsóvia continua realizando. A prioridade é a guerra e em Washington há o interesse em ter aliados fiéis. O primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki e sua colega, a italiana Giorgia Meloni, entenderam isso perfeitamente e tentam mudar os equilíbrios políticos europeus, buscando uma aliança com o Partido Popular frente às eleições europeias de 2024. Esse será a momento crucial para a União Europeia.
Qual o significado das ascensões e derrotas de Trump e Bolsonaro?
Primeiro, que atualmente a extrema-direita pode chegar ao poder em qualquer país. Nenhuma democracia está a salvo. Em segundo lugar, se os cidadãos se mobilizam, essas extremas-direitas podem ser derrotadas. Terceiro, que a ultradireita não é democrática: se perdem as eleições, não aceitam os resultados e promovem insurreições contra as instituições.
Um partido como a Frente Nacional, da França, está fora de moda ou está sendo reconstruído?
Nos últimos cinco anos, Marine Le Pen deu continuidade a esse processo de desdiabolização, iniciado em 2011, para se tornar mais apresentável, vender-se como mais moderada e, assim, aumentar seu consenso eleitoral. Daí a mudança de nome para Reagrupamento Nacional e o rompimento com seu pai, Jean-Marie Le Pen.
Eu diria que, em grande medida, conseguiu. Le Pen obteve mais de 40% dos votos nas eleições presidenciais francesas de 2022 e o Reagrupamento Nacional quase uma centena de deputados na Assembleia Nacional. A ultradireita, em síntese, normalizou-se e é uma opção aceitável para quase metade dos eleitores. Está no melhor momento de sua história e, visto o que se viu, tem sérias possibilidades de vencer as próximas eleições presidenciais.
E na Itália, com Giorgia Meloni?
Em cinco anos, da liderança de um partido que não chegava a 5% dos votos, Meloni passou a ser presidente do governo. Com uma confortável maioria parlamentar, alguns aliados em momentos de baixa como Salvini e Silvio Berlusconi, uma oposição dividida e uma sociedade desmobilizada, tem tudo para se consolidar no poder.
No entanto, uma coisa é gritar da oposição, outra é governar um país que, por pior que seja, é a terceira economia da União Europeia e tem uma dívida volumosa. Meloni entendeu que existem linhas vermelhas que não se pode ultrapassar: o atlantismo e as relações cordiais com Bruxelas. Dito isto, não tem classe dirigente e prometeu muitas coisas ao seu eleitorado que dificilmente poderá manter.
Qual é a responsabilidade da esquerda no crescimento dos partidos e movimentos de extrema-direita?
Por um lado, a da social-democracia é ter assumido, a partir dos anos 1990, o marco neoliberal e ter guinado para o centro, esquecendo-se das classes trabalhadoras. Por outro, a da esquerda radical é ter sido incapaz de construir uma nova alternativa sistêmica, após o fim da URSS. As pessoas precisam comer, sim, mas também vivem de paixões: a esquerda deve voltar a travar a batalha cultural e oferecer um horizonte de esperança para o futuro.
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“A nova ultradireita se diz antissistema, rebelde, mas não questiona o capitalismo”. Entrevista com Steven Forti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU