30 Outubro 2021
Os jesuítas! Poucos religiosos despertam tantas reações espontâneas. A este respeito, primeiramente surge a admiração por seu épico, como Inácio de Loyola, senhor espanhol fundador da Companhia de Jesus em 1540, após se converter em decorrência de um ferimento grave na perna durante uma batalha.
A reportagem é de Pierre Jova, publicada por La Vie, 27-10-2021. A tradução é de André Langer.
Também por suas missões distantes e suas intuições pastorais. Finalmente, por seu magistério sobre a Igreja Católica, encarnado no século XX pelo filósofo e cientista Pierre Teilhard de Chardin, pelo cardeal Henri de Lubac, pelo teólogo Karl Rahner...
Poderíamos então pensar que o fermento jesuíta fez crescer a massa intelectual do Concílio Vaticano II, cujo odor perfuma o atual pontificado de Francisco, o primeiro membro da Companhia de Jesus a ser eleito para a Sé de Pedro.
No entanto, a menção aos jesuítas também pode desencadear piadas. Mas por trás do humor está sua reputação de laxismo moral severo entre os católicos franceses. “É um clássico!”, suspira François Euvé, editor-chefe da revista jesuíta Études. “As Provinciais, de Blaise Pascal, no século XVII é um panfleto contra o que hoje chamaríamos de relativismo, que ele atribui à Companhia de Jesus”.
De fato, foi na época de Pascal que nasceu o mito do “papa negro”, o superior dos jesuítas que perseguiria um plano de dominação mundial, documentado pelo pesquisador Franck Damour no livro Le pape noir. Genèse d’un mithe (O papa negro. Gênese de um mito). “É a mãe de todas as teorias da conspiração, com uma transição contra os judeus no final do século XIX, explica. Numa época em que o Estado quer monopolizar a transcendência e muitas Igrejas estão se nacionalizando, os jesuítas defendem sua estrutura internacional”.
Tendo se tornado residual, a desconfiança em relação aos filhos de Inácio persegue-os pelo próprio nome de “jesuítas”, termo forjado no século XVI que retoma um insulto da Idade Média para designar um fariseu hipócrita… “O mito do papa negro substitui, com o filme A Missão (1986), uma lenda dourada dos jesuítas, que aparecem como os precursores da globalização”, tempera o historiador.
Paradoxalmente, numa época em que a França é presidida há cinco anos por um ex-aluno do colégio jesuíta La Providence d'Amiens, a Companhia está se tornando discreta, até mesmo invisível. Suas obras estão esvaziadas de religiosos devido à crise de vocações.
Além disso, a epidemia de Covid-19 e a velhice fizeram perecer uma geração do jesuitismo francês, como Henri Madelin, ex-provincial, e o teólogo Bernard Sesboüé. “É possível, portanto, que vejamos a Companhia de Jesus desaparecer entre nós”, mostrou-se preocupado em 2017 o acadêmico François Sureau, íntimo conhecedor da ordem, no jornal La Croix, enquanto a redução das comunidades levava à fusão das Províncias da França e da Bélgica francófona.
No entanto, a Companhia sem sombra de dúvida ainda existe. Primeiro, em seus centros de espiritualidade, para oferecer a boa seiva dos Exercícios Espirituais. Administrados conjuntamente por leigos, eles não cessam de atrair almas em busca de renovação e de liberdade interior. Sinal desse dinamismo, o Centro Penboc’h, no Golfo de Morbihan, que atrai anualmente mais de 4.000 pessoas, e que celebrou sua reabertura em agosto de 2021, após passar dois anos fechado para reformas.
Além disso, os jesuítas não abandonaram seu apostolado intelectual, por meio de suas publicações, entre elas a revista Études, que inclui em seu corpo editorial o filósofo Jean-Marc Ferry e o historiador Guillaume Cuchet. “Não queremos adaptar o cristianismo à modernidade, mas dialogar com ela, adianta François Euvé. É fundamental, na espiritualidade inaciana, detectar a presença de Deus em práticas ou ideias fora do cristianismo”.
Apoiado por uma base de 9.000 assinantes, a Études deseja se reconectar com a disputatio medieval, propondo uma série de debates públicos, o primeiro dos quais será realizado em abril de 2022 na Sorbonne. “Trata-se de fazer debates como aqueles que se faz no Centro Sèvres”.
Precisamente, este local que abriga as faculdades jesuítas de Paris goza de uma influência ininterrupta desde a sua fundação em 1974. Ali estudam jesuítas de todo o mundo, enriquecendo as comunidades parisienses de origens as mais diversas, indo do Canadá à Índia.
“O Centro Sèvres é o lugar da Igreja onde posso respirar, como mulher e como leiga”, testemunha Véronique Albanel, que há 13 anos ensina filosofia nesta instituição. “É um mundo intergeracional e internacional, sem hierarquia, que permite relacionar-se sem assumir um papel esperado. Os jesuítas são muito bons para pensar e acolher a riqueza da humanidade.”
Pensar numa humanidade mais justa é o papel do Centro de Pesquisa e Ação Social (Ceras), criado pelos jesuítas em 1903, que vive uma nova juventude, ao acrescentar à sua revista Projet um inesperado podcast, Deux pieds dans le bénitier.
O Ceras cultiva o vínculo entre os jesuítas e uma esquerda cristã reduzida a personalidades como Éric Piolle, prefeito ecologista de Grenoble, que reservou à revista Études uma das suas primeiras entrevistas após sua eleição, em 2014. É da Companhia que surgiu um dos novos pensadores da esquerda, na pessoa de Gaël Giraud. Economista e presidente de honra do Instituto Rousseau, seu radicalismo ecológico e social faz dele um dos padres mais famosos da França.
Este tropismo não impede que os jesuítas tenham também as suas antenas na centro-direita, com a ministra da Transformação e da Função Pública Amélie de Montchalin. Boa aluna da Macronia, ela testemunhou a sua fé no encontro de Namur que consagrou a fusão da província franco-belga, no dia seguinte à sua eleição como deputada por Essonne, no verão de 2017.
Ativos, os jesuítas, no entanto, foram forçados a trabalhar com outros movimentos da Igreja. O futuro Centro Teilhard de Chardin, destinado a ser um centro cristão no planalto de Saclay em 2022, foi apoiado pela Companhia e pelos bispos de Île-de-France. Uma pequena revolução para uma ordem habituada à autossuficiência! “Na década de 1960, as instituições jesuítas eram autárquicas e independentes das dioceses, lembra François Euvé. Essa abertura aos outros foi um ponto de inflexão fundamental”.
Outra mudança silenciosa, os reservados jesuítas aprenderam a abrir-se mais uns aos outros. Temos um exemplo brilhante com o ramo francês do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), cujo crescimento em importância após a crise migratória de 2015 foi acompanhado pela afirmação do “J” do seu nome.
“Nós escondemos o “J” por causa do secularismo francês, e também por causa do ocultamento deliberado que foi geracional”, reconhece Véronique Albanel, também presidenta do JRS França. “Nossos jovens trabalhadores e voluntários nos incentivaram a ser claros. Hoje não estamos mais nos escondendo!”
Criada modestamente em 2007, a associação tem crescido consideravelmente, aproximando-se o mais possível dos migrantes no terreno, e organizando na rede JRS Welcome o alojamento de mais de 400 requerentes de asilo em 2020, para 1.500 famílias por turno.
Cada uma das pessoas acolhidas é acompanhada por um guia voluntário durante seis a nove meses. “Toda a nossa capacidade de dizer não, de estabelecer limites, de fazer com que todos os pontos de vista se manifestem, e não apenas as opiniões das pessoas que são acolhidas, baseia-se na releitura das nossas experiências”, enfatiza a sua presidenta.
Ao assumir responsabilidades, os jesuítas apenas se tornam mais atraentes. Ferramenta eficaz de evangelização, o portal Prie en chemin, que permite às pessoas meditar a Palavra de Deus pelo telefone, apresenta a espiritualidade inaciana aos neófitos, enquanto vários novos jesuítas vêm das capelanias estudantis animadas por padres da Companhia.
“Estamos mais dispostos a apresentar a nossa tradição”, reconhece François Euvé. Os jesuítas acabam se tornando uma força de proposta nos debates sobre o futuro da Igreja, pela sua organização em poliedro, uma construção onde várias faces se sobrepõem preservando sua originalidade, tomado como modelo pelo Papa Francisco em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium.
Segundo François Sureau, a urgência da companhia é agora voltar ao “seu carisma original”: “Retomar seus colégios, baseando o recrutamento no mérito, sem considerar a origem, e o ensino no rigor, com contrato ou sem contrato”.
É pela educação que os jesuítas foram brilhantes, de Pierre Faure, popularizador da pedagogia Montessori, a Michel Jaouen, que propõe a reintegração dos delinquentes pela aventura marítima. “A história mostra que muitas iniciativas nasceram quando a Companhia não as previa”, acredita François Euvé.
Despojada de parte de seu passado glorioso, a Companhia se aproximou do resto do catolicismo francês, condenada à colaboração e à missão. Neste claro-escuro em que o novo mundo demora a aparecer, os jesuítas estão à vontade. “Eles guardam o rosto do barqueiro, do homem que vai para as fronteiras”, diz Franck Damour.
Mesmo sendo uma ordem que nasceu no Renascimento, os jesuítas continuam modernos, inclassificáveis e seguros de sua vocação, resumida em 1984 na Revue des Deux Mondes por Michel Riquet, resistente e grande pregador do pós-guerra: “Numerosa ou encolhida, a Companhia de Jesus continua a trabalhar na esteira de seus fundadores, não para adquirir qualquer poder de dominação, mas para o melhor serviço da Igreja de Jesus Cristo e, por meio dela, de uma civilização do amor para o benefício de todos os homens”.
Os Exercícios Espirituais são ao mesmo tempo o tesouro da Companhia e a sua própria essência, a base comum que une a ordem. Os membros continuam retornando a eles. Compostos por Inácio de Loyola a partir de 1522 e publicados em 1548, os Exercícios Espirituais são meditações progressivas extraídas da sua experiência pessoal a fim de buscar a vontade de Deus. Estão inicialmente previstos para serem feitos em um período de 30 dias, como parte de um retiro feito em silêncio, mas os jesuítas também os fornecem em diferentes formatos e durações.
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Os jesuítas, uma Companhia desafiada pela modernidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU