19 Fevereiro 2020
Os católicos alemães se comprometeram em continuar na luta por padres casados e diáconas, apesar da decepção ao ver que o papa não tratou estes dois assuntos em Querida Amazônia.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Novena, 14-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
À frente dos trabalhos do Caminho Sinodal alemão, após a publicação, na quarta-feira passada (12 de fevereiro) da exortação Querida Amazônia, estava o presidente da Conferência dos Bispos Alemães, o Cardeal Reinhard Marx.
Em sua resposta à exortação, Marx lembrou que o papa escreve que “são necessários sacerdotes, mas isto não exclui que ordinariamente os diáconos permanentes – deveriam ser muitos mais na Amazônia –, as religiosas e os próprios leigos assumam responsabilidades importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de tais funções, graças a um adequado acompanhamento” (QA, 92).
O cardeal também ecoou o papa na convicção deste último assunto, em que a Igreja “de rostos amazônicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade” (94), apontando tanto para a nota de rodapé 136 de Querida Amazônia, em que Francisco diz que “É possível, por escassez de sacerdotes, que o Bispo confie uma ‘participação no exercício do serviço pastoral da paróquia (…) a um diácono ou a outra pessoa que não possua o caráter sacerdotal, ou a uma comunidade’”, conforme as disposições já existentes no Código de Direito Canônico.
Marx também lembrou que o papa, na exortação, também incentiva o “aparecimento doutros serviços e carismas femininos” (102) que, embora Francisco advirta, não devam levar à “clericalização” delas (100), podem, no entanto, envolver “uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por parte do bispo” e resultar que “as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino” (103).
O cardeal admitiu que “quem esperava decisões concretas e instruções de como agir [sobre padres casados e diáconas] com esta carta pós-sinodal do Papa Francisco, não as encontrará”. O religioso alemão insistiu que um sacerdócio não celibatário e mulheres ordenadas ao diaconato – dois focos principais do Caminho Sinodal alemão – estão “de maneira alguma fora da mesa de discussão”.
“Como é sabido, a maioria de dois terços dos 280 [padres sinodais] no documento final também defendia exceções ao celibato obrigatório e estimulava uma reflexão mais aprofundada sobre a admissão de mulheres ao diaconato”, afirmou ele.
“No contexto das propostas de reforma discutidas na Alemanha, essas questões foram particularmente bem recebidas pela Igreja e pelo público, mas não foram os principais tópicos do sínodo”.
“O debate vai continuar”, prometeu Marx.
Embora Thomas Sternberg, presidente da Comissão Central de Leigo Católicos Alemães – ZdK (na sigla em alemão), tenha acusado o papa de não ter tido, em sua exortação apostólica, “a coragem de implementar reformas reais relativas às questões da ordenação de homens casados e às competências litúrgicas para as mulheres, que vêm sendo discutidas há 50 anos”, Sternberg, no entanto, encontrou no novo documento papal um incentivo para o Caminho Sinodal.
O papa “reafirma expressamente, repetidas vezes, a sua convicção de que a Igreja deve se tornar uma Igreja sinodal, na qual a participação dos leigos na formação da Igreja e na proclamação da Boa Nova tem um papel central”, disse Sternberg.
“Com esta mensagem, ele nos encoraja, em nossa igreja na Alemanha, a continuarmos no Caminho Sinodal, que começamos com muito sucesso em Frankfurt”, acrescentou ele, convencido de que Francisco vê e apoia “a necessidade de dar à nossa Igreja um formato contemporâneo, orientado para os diferentes desafios culturais, a fim de poder levar o Evangelho de Jesus Cristo ao povo”.
“Estamos convencidos de que a Eucaristia, como fonte e ápice, deve permanecer possível localmente, como reitera o Papa Francisco em sua carta. A questão das condições para a admissão no ministério ordenado deve ficar em segundo plano”, declarou Sternberg, reafirmando a posição do cardeal Marx.
Embora tenha lamentado o encerramento, pelo menos por enquanto, da questão dos padres casados e diáconas na presente exortação apostólica, o bispo de Essen e presidente da agência de cooperação internacional dos bispos alemães Adveniat, Dom Franz-Josef Overbeck, ficou animado com o debate em andamento em torno da questão.
“Eu gostaria que, para as paróquias da Amazônia, o Papa Francisco seguisse as decisões do Sínodo da Amazônia e – como uma solução regional – tivesse permitido a ordenação sacerdotal a homens casados de experiência comprovada (os chamados viri probati) da região amazônica por meio de uma dispensação”, disse Overbeck em comunicado.
“A nossa organização de assistência para a América Latina, Adveniat, há décadas promove a formação de leigos e religiosos para tarefas pastorais, incluindo a liderança de congregações”, continuou o prelado.
Em sua exortação sobre a Amazônia, o papa convida explicitamente a uma discussão mais aprofundada da situação pastoral na região amazônica, “e essa discussão é necessária”, afirmou o bispo de Essen.
“No entanto, isto também mostra que a Igreja já está dando grandes passos em relação à sua cultura de debate. Quando assumi o ministério junto à Adveniat há dez anos, não conseguiria imaginar um debate tão animado e amplo considerando todas as áreas da Igreja”.
“O caminho sinodal que a Igreja começou na Alemanha foi um outro sinal encorajador dessa nova cultura de diálogo e novos começos”, acrescentou Overbeck, reafirmando sua confiança no processo de reforma da Igreja local.
Através de um comunicado diocesano à imprensa, Dom Gebhard Fürst, da Diocese de Rottenburg-Stuttgart, disse que “essa exortação papal abre espaço para novas discussões, mesmo que o documento não contenha o tópico altamente debatido dos viri probati, a ordenação de homens casados como padres”.
“Fürst continua a ver o diaconato feminino como uma possibilidade desejável, para a qual continuará trabalhando no futuro”, continuou o comunicado diocesano.
“Na Igreja local de Rottenburg-Stuttgart, promovemos direitos iguais para homens e mulheres. Valorizamos muitíssimo os serviços das mulheres e queremos promover ainda mais o preenchimento de cargos de liderança também com leigos”, lê-se no texto divulgado.
Fürst também comunicou, na nota diocesana, a sua intenção de se juntar ao ‘Pacto das Catacumbas’ assinado por proeminentes bispos durante o Sínodo da Amazônia, e que incentiva a Igreja expressamente a “reconhecer os serviços e a verdadeira diaconia do grande número de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia e procurar consolidá-las com um ministério apropriado de mulheres líderes comunitárias”, entre outras coisas.
Os diretores das agências de cooperação da Igreja alemã Misereor e Adveniat, Pirmin Spiegel e Michael Heinz, respectivamente, também insistiram que Querida Amazônia mantém aberta “a possibilidade de introduzir padres casados e continuaremos pensando no diaconato feminino”, motivo pelo qual a Igreja deve estabelecer “critérios e regulamentos para implementar” a ordenação de homens casados.
“Sejamos corajosos; não cortemos as asas do Espírito Santo”, insistiu Heinz.
Um teólogo também apoiou a possibilidade de sacerdotes casados e diáconas serem reintroduzidos, primeiro no contexto do Caminho Sinodal alemão.
Ele teve como base a intenção declarada do papa de que não deseja “desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substituí-lo nem repeti-lo”, e a preferência afirmada por Francisco de “apenas oferecer um breve quadro de reflexão” e “apresentar de maneira oficial o citado Documento”, talvez como parte de seu magistério.
Por essas razões, o professor de história da Igreja em Münster, o Pe. Hubert Wolf, disse que a ordenação de homens casados está agora nas mãos de bispos, que poderão pedir permissão ao pontífice para ordenar os viri probati.
“O debate sobre os viri probati não está encerrado, nem mesmo na Alemanha”, disse Wolf.
Em outras palavras, os cardeais, bispos, leigos alemães não estão dando ouvidos à instrução do Cardeal Gerhard Müller de que os promotores do Caminho Sinodal deveriam “pedir perdão à Igreja universal” e ao papa à luz do fato de que Francisco, com esta exortação, aparentemente encerrou alguns dos principais objetivos dos bispos alemães.
Eles também não estão prestando absolutamente nenhuma atenção ao crítico do Papa Francisco, Walter Brandmüller, quem alertou que o Caminho Sinodal corre o risco de transformar a Igreja em um modelo das “igrejas protestantes regionais” ou mesmo em uma “organização não governamental com um projeto sociopedagógico”.
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Apesar da decepção com exortação papal, bispos e leigos alemães prometem continuar no Caminho Sinodal para padres casados e mulheres diáconas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU