02 Outubro 2019
Com o motu proprio Aperuit illis, publicado nessa segunda-feira, 30 de setembro, o papa fez do terceiro domingo do Tempo Comum, em janeiro, o domingo da Palavra de Deus. Nesse texto, Francisco também evoca um ministério “específico” de proclamação da Palavra, aberto às mulheres.
A reportagem é de Nicolas Senèze, publicada por La Croix, 01-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco deu um novo exemplo do seu desejo de uma Igreja mais evangélica nessa segunda-feira, 30 de setembro. Tornando o terceiro domingo do Tempo Comum, no fim de janeiro, o domingo da Palavra de Deus, ele delineia ainda melhor os contornos de uma Igreja que, em consonância com o Concílio Vaticano II, se reapropria da palavra de Deus.
Não que Francisco queira diminuir o lugar da Eucaristia na Igreja Católica, mas ele está bem consciente de que, ao se fixar apenas nesse sacramento, a Igreja corre o risco de esquecer que “a relação entre o Ressuscitado, a comunidade dos fiéis e a Sagrada Escritura é extremamente vital para a nossa identidade”, como ele recorda desde o início desse texto denso e estruturado, que leva muito em consideração o lugar da palavra de Deus no cristianismo, até a sua concreta vivência prática.
Mas, entre todas as sugestões para fazer do novo domingo da Palavra de Deus “um dia solene” que permita “tornar evidente para a assembleia o valor normativo” da Escritura, uma das primeiras indubitavelmente chamará a atenção.
De fato, Francisco propõe que os bispos celebrem naquele dia em particular o rito com o qual confia o ministério do leitorado aos homens. Mas ele também sugere que se aproveite o momento para “confiar um ministério semelhante”, que recorde “a importância da proclamação da palavra de Deus na liturgia”.
“Sabemos como acontece nas nossas igrejas, onde frequentemente se pede que a primeira pessoa disponível faça a leitura”, lamenta Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, em entrevista ao Vatican News, para o qual o novo ministério delineado pelo papa é semelhante ao dos ministros extraordinários da comunhão.
“É bom que o papel de um serviço extraordinário seja mais enfatizado”, afirma, descrevendo “um ministério e um mandato específico com o qual as pessoas se preparam acima de tudo para um contato mais imediato através da reflexão e do estudo da palavra de Deus.”
“A palavra de Deus deve encontrar pessoas, mulheres e homens, capazes de proclamá-la de maneira autêntica e capazes também, nessa proclamação, de compreender o texto sagrado.” Porque é claro que, ao contrário do ministério instituído do leitorado, o novo ministério que Francisco deseja será acessível tanto aos homens quanto às mulheres.
Criado por Paulo VI em 1972, com base nas antigas “ordens menores”, o leitorado – assim como o acolitado – é reservado apenas aos homens. Há muito tempo levantam-se vozes na Igreja para que as mulheres possam ter acesso a elas, principalmente porque muitas já realizam regularmente o serviço litúrgico das leituras durante a missa.
Durante o Sínodo de 2008 sobre a Palavra de Deus, os bispos votaram uma proposta desse sentido, mas que não havia sido retomada por Bento XVI na sua exortação apostólica Verbum Domini, de 2010, por temer que isso fosse percebido como uma “abertura” ao acesso das mulheres ao ministério ordenado.
Resultado: as mulheres permaneciam em uma incômoda posição “na metade do caminho”, continuando a proclamar as leituras da missa, mas sem se verem reconhecidas oficialmente nesse ministério na Igreja.
O papa quer, assim, ver evoluir essa situação, mas o faz à sua maneira: apelando à imaginação, em vez de se encerrar em debates estéreis. Um modo também para indicar os gargalos a serem evitados, agora que que se abre no domingo, 6 de outubro, o Sínodo para a Amazônia, cujo documento de trabalho propõe precisamente “discernir o tipo de ministério oficial que pode ser conferido às mulheres”.
Com esse motu proprio, que se enraíza firmemente na tradição reavivada do Vaticano II, Francisco também continua traçando o perfil da Igreja de amanhã: uma Igreja mais à escuta do Evangelho e que expressa concretamente a participação ativa dos leigos. Como ele também diz no seu texto, “quem se alimenta dia a dia da Palavra de Deus torna-se, como Jesus, contemporâneo das pessoas que encontra; não se sente tentado a cair em nostalgias estéreis do passado, nem em utopias desencarnadas relativas ao futuro”.
Em 1972, com o motu proprio Ministeria quaedam, Paulo VI suprimiu as antigas “ordens menores” (hostiariado, leitorado, exorcistado e acolitado), que, na época, eram os primeiros passos rumo ao presbiterado.
Em seu lugar, ele criou os “ministérios instituídos” de leitores e acólitos, que continuam sendo leigos, enfatizando assim que os ministérios na Igreja não se reduzem apenas ao ministro ordenado (bispo, padre ou diácono). De fato, a constituição conciliar Sacrosanctum concilium e, posteriormente, a Apresentação Geral do Missal Romano valorizam cerca de 17 funções litúrgicas diferentes (leitor, mas também cantor, esmoleiro ou acolhida...) que são igualmente “ministérios”, isto é, “serviços” prestados à Igreja.
No seu motu proprio Aperuit illis, o Papa Francisco também fala explicitamente do “ministério” do catequista, sem que ele seja explicitamente definido na Igreja.
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Papa Francisco dá a palavra às mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU