25 Setembro 2019
Com dados de 2018, relatório evidencia que a ofensiva sobre as terras tradicionais e número de assassinatos de aumentaram.
A reportagem é publicada por Cimi, 24-09-2019.
Os povos indígenas do Brasil enfrentam um substancial aumento da grilagem, do roubo de madeira, do garimpo, das invasões e até mesmo da implantação de loteamentos em seus territórios tradicionais, explicitando que a disputa crescente por estas áreas atinge um nível preocupante, já que coloca em risco a própria sobrevivência de diversas comunidades indígenas no Brasil. É o que evidencia o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2018, sistematizado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que teve seu lançamento realizado nesta terça-feira (24), em Brasília.
Baixe a versão digital do relatório aqui.
No último ano foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, enquanto em 2017 haviam sido registrados 96 casos. Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais e preliminares do Cimi contabilizam, até o lançamento do relatório, 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.
Também houve um aumento no número de assassinatos registrados (135) em 2018, sendo que os estados com maior número de casos foram Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). Em 2017, haviam sido registrados 110 casos de assassinatos.
Segundo o Cimi, um novo modelo de esbulho possessório das terras indígenas está sendo praticado atualmente no Brasil. Trata-se de um modo renovado de apropriação das terras indígenas, que é ainda mais agressivo na violação de direitos dos povos.
“Geralmente, os invasores entravam nas terras e roubavam a madeira, os minérios, a biodiversidade, etc… mas, em algum momento, eles iam embora. Agora, no entanto, em muitas regiões, eles querem a posse da própria terra e as invadem com o propósito de permanecer nelas. Chegam a dividir os territórios ancestrais em lotes e vendem estas áreas. O que pouco se fala é que estas terras são de usufruto exclusivo dos indígenas, mas elas pertencem à União. As terras indígenas são patrimônio da União! Então, podemos dizer que toda a sociedade brasileira está sendo prejudicada, extorquida, de certo modo. Porque, quando não forem totalmente destruídos, estes bens naturais serão apropriados e vendidos para beneficiar apenas alguns indivíduos, justamente os invasores criminosos”, explica Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário executivo do Cimi.
A principal motivação para as invasões é disponibilizar estas terras para a exploração pelo agronegócio, pelas mineradoras, pelas madeireiras, dentre outros segmentos. E para atingir este objetivo, um leque bastante diverso de violações de direitos e tipos de violência tem sido praticado, de modo cumulativo e sistemático ao longo de décadas – ou melhor, séculos.
“Os povos indígenas são, historicamente, vítimas do Estado brasileiro porque, através das instituições que representam e exercem os poderes político, administrativo, jurídico e legislativo, ele atua, quase sempre, tendo como referência interesses marcadamente econômicos, e não os direitos individuais, coletivos, culturais, sociais e ambientais. A gestão pública é parcial, pois toma como lógica a propriedade privada, contrapondo-se à vida, ao bem-estar e à dignidade humana”, avalia Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, no artigo de apresentação do Relatório.
Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais e preliminares do Cimi apontam para um aumento alarmante nos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos indígenas”. Foram contabilizados, até o lançamento do relatório, 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.
Chama atenção o aumento não só de casos em relação ao ano completo de 2018, mas também o aumento de terras afetadas por este tipo de conflito e da abrangência territorial dos registros: enquanto, em todo o ano de 2018, o Cimi contabilizou 111 casos de invasão ou exploração ilegal de recursos em 76 terras indígenas diferentes, distribuídas em 13 estados do país, os 160 casos contabilizados até setembro de 2019 afetaram 153 terras indígenas em 19 estados do Brasil.
Em relação aos três tipos de “violência contra o patrimônio”, que formam o primeiro capítulo do Relatório, foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (821 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (11 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (109 casos registrados); totalizando 941 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas – que estão relacionadas com invasões, caça e pesca ilegais, construção de obras sem consulta ou estudos ambientais, roubos de madeira e garimpos, arrendamentos, além da contaminação do solo e da água por agrotóxicos e incêndios, dentre outras ações criminosas.
Chama atenção o aumento da prática ilegal do loteamento das terras indígenas, especialmente na região Norte. As Terras Indígenas Arariboia (MA), Karipuna e Uru Eu Wau Wau (ambas em RO), são alguns exemplos de territórios ancestrais que vêm sendo divididos por grileiros com o interesse criminoso de vende-los.
“Para além da histórica impunidade e da falta de políticas efetivas para a proteção das terras indígenas, o recente desmonte dos órgãos de defesa ambientais e dos direitos indígenas e a explícita intenção de abrir estes territórios para a exploração de todos os seus recursos naturais dá um sinal verde para que os invasores intensifiquem estas práticas criminosas”, analisa Roberto Liebgott.
Outro grave caso de violação aos direitos originários dos povos indígenas é o caso da Terra Indígena (TI) Munduruku, na qual estima-se que já foram instalados mais de 500 garimpos. O garimpo é uma séria preocupação também na TI Yanomami, onde há o registro da presença de dezenas de milhares de pessoas explorando ouro ilegalmente.
Das 1.290 terras indígenas no Brasil, 821 (63%) apresentam alguma pendência do Estado para a finalização do processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 821, um volume de 528 terras (64%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta sua obrigação constitucional.
Este descaso do Estado fica bastante evidente em um levantamento realizado pelo Cimi Regional Mato Grosso do Sul, que mostra que em 31 terras indígenas já reconhecidas pelo Estado brasileiro, as comunidades Guarani-Kaiowá e Ñhandeva ocupam ou estão na posse de apenas 29,04% de suas terras. Com uma população de 54.658 pessoas, segundo a Funai, as comunidades ocupam 70.370 dos 242.370 hectares reconhecidos oficialmente como territórios tradicionais. Chama atenção, áreas como Guyraroká, dos Guarani-Kaiowá, declarada pelo Ministério da Justiça com 11.440 hectares, em que a comunidade ocupa apenas 50 hectares, ou 0,43% a que tem direito. Em Iguatemi, na Terra Indígena Iguatemipeguá I.
Os crimes motivados pela disputa das terras indígenas atingem uma dimensão ainda mais grave pelo fato de que, recorrentemente, junto com eles também ocorrem intimidações, ameaças e, muitas vezes, ações físicas violentas contra os indígenas e ataques às suas comunidades.
Em relação à “violência contra a pessoa”, foram registrados os seguintes dados em 2018: abuso de poder (11), ameaça de morte (8), ameaças várias (14), homicídio culposo (18), lesões corporais dolosas (5), racismo e discriminação étnico cultural (17) tentativa de assassinato (22) e violência sexual (15), totalizando 110 casos.
Em 2018 foram registrados 135 casos de assassinato de indígenas, 25 a mais que os registrados em 2017. Cabe ressaltar que a própria Sesai reconhece que este dado é parcial, já que ainda pode receber a notificação de novos assassinatos. Desse modo, fica evidente que a situação real em relação ao assassinato de indígenas é ainda mais grave.
Os dois estados que tiveram o maior número de assassinatos registrados foram Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). Estes dados fornecidos pela Sesai sobre “óbitos resultados de agressões” não permitem análises mais aprofundadas, já que não há informações sobre a faixa etária e o povo das vítimas, e nem as circunstâncias destes assassinatos.
Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade indígena na infância. Foram registrados 101 suicídios em todo o país em 2018. Os estados que apresentaram as maiores ocorrências foram Mato Grosso do Sul (44) e Amazonas (36). Aumentaram os casos de suicídios no Mato Grosso do Sul de 31, em 2017, para 44, em 2018. Este estado apresentou, novamente no ano passado, níveis de violências assustadores, sendo que os casos de assassinatos e as práticas de suicídios são muito comuns.
Em relação à mortalidade de crianças de 0 a 5 anos, dos 591 casos registrados, 219 ocorreram no Amazonas, 76 em Roraima e 60 no Mato Grosso. Cabe ressaltar que, assim como os dados de assassinato, as informações da Sesai sobre os registros relativos a suicídio e mortalidade na infância são parciais e estão sujeitos a atualizações. Ou seja, estes dados são ainda mais graves.
Houve um aumento dos registros do Cimi em relação à desassistência na área de saúde (44), morte por desassistência à saúde (11) e disseminação de bebida alcoólica e outras drogas (11) em 2018. Em relação à desassistência na área de educação escolar indígena (41) houve a mesma quantidade de casos registrados em 2017; e foram registrados menos casos de desassistência geral (35) em 2018.
O Relatório do Cimi traz ainda artigos sobre temas específicos que estimulam um aprofundamento da reflexão sobre a violenta realidade enfrentada pelos indígenas no Brasil. Dentre eles estão a situação de iminente genocídio do povo Karipuna (RO); a migração dos Warao – segundo povo indígena mais numeroso da Venezuela – para os estados do Norte do Brasil; a vida precária dos Guarani Mbya nos acampamentos nas beiras das estradas na região Sul do país; a vulnerabilidade dos povos indígenas livres, que não têm contato com a sociedade envolvente; a impunidade dos “crimes de tutela” contra centenas de povos indígenas, praticados pelos próprios representantes do Estado brasileiro que eram encarregados de protegê-los; e a execução orçamentária das políticas indigenistas.
A partir dos dados sistematizados pelo Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2018, a plataforma Caci – sigla para Cartografia de Ataques Contra Indígenas, que significa “dor” em Guarani – também foi atualizada. A Caci é um mapa digital que reúne as informações sobre os assassinatos de indígenas no Brasil. Com os dados de 2018, a plataforma agora abrange informações sobre 1.119 casos de assassinatos de indígenas, sistematizados desde 1985.
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A maior violência contra os povos indígenas é a destruição de seus territórios, aponta relatório do Cimi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU