07 Junho 2017
Nestes tempos difíceis de crise e de incertezas, o filósofo Michel Serres tenta olhar a realidade com outros olhos, mudando de ponto de vista e valorizando aquilo que, muitas vezes, tende-se a esquecer: a era de paz e de progresso em que vivemos por mais de 70 anos. Ele explica isso com inteligência e paixão no novo livro intitulado Darwin, Napoleone e il samaritano [Darwin, Napoleão e o samaritano] (Ed. Bollati Boringhieri), no qual propõe nada menos do que uma nova filosofia da história adaptada ao andamento errático da contemporaneidade.
A reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica, 06-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do fim das grandes narrativas, aquele que o Le Monde definiu como “um Montaigne da era digital” sente a necessidade de restituir um sentido ao nosso devir e uma perspectiva – relativa e provisória – à condição humana.
Ciente dos riscos de tal operação, o raciocínio de Serres parte de uma reflexão sobre o passado e sobre as suas ilusões: “Nos séculos XIX e XX, as filosofias da história levaram ao impasse e à catástrofe. Nascidas a partir da filosofia do Iluminismo, produziram uma ideia de progresso inevitável e constante que postulava um mundo em contínuo melhoramento. Hiroshima despedaçou essa ilusão, marcando o fim dessa filosofia. Desde então, sabemos que o preço do progresso, às vezes, é altíssimo”, explica o autor de Non è un mondo per vecchi e Il mancino zoppo, ao nos receber em sua casa nos arredores de Paris.
“Assim, hoje, não temos mais uma verdadeira filosofia da história e nos falta uma direção a seguir. A política também parece curta de ideias. E, se os políticos não são mais capazes de governar, é porque não temos projetos e utopias. Por isso, precisamos de uma nova filosofia da história.”
O senhor propõe uma filosofia que não é mais linear nem sem sentido único. É uma filosofia da história que perdeu as suas seguranças?
Com Hiroshima, descobrimos que o progresso científico, em vez de ser sempre positivo, podia se tornar assassino. Mas, depois da tragédia atômica, também é verdade que algumas pessoas extraordinárias começaram a construção da Europa unida que nos permitiu viver em paz durante 70 anos. Isso nunca tinha acontecido antes. A partir dessas duas novidades de sinal diferente, eu reli a história recente em outra perspectiva, elaborando uma filosofia da história em que a relação espaço-tempo é complexa e relativa. A partir daí, uma ideia de progresso não mais linear, sem um fim: apenas um conjunto de possíveis de sinal diferente. O meu futuro é feito de paisagens contrastantes e contraditórias.
O que mudar para ter essa consciência?
Por exemplo, permite-nos olhar a história passada a partir do ponto de vista das vítimas. No passado, interessamo-nos apenas pelos vencedores que encarnavam o sentido da história. Mas eu, quando penso em Napoleão, não penso nas conquistas, mas nas inúmeras mortes que provocou. A atenção às vítimas nos ajuda a ter consciência de como a paz é um bem precioso que devemos preservar e defender a todo o custo. O mesmo vale para a salvaguarda do planeta. Compreender que a história não é uma progressão linear deveria nos levar ainda mais a defender o nosso ecossistema. Em suma, devemos estar cada vez mais vigilantes, porque tudo é muito mais difícil do que acreditávamos. A história não avança sozinha para o bem e para o progresso.
Isso significa que os indivíduos têm uma responsabilidade nova e maior para cada uma das suas escolhas?
Não existe mais uma razão da história que nós devemos apenas acompanhar, como pensavam Hegel e Marx. Somos nós que devemos inventar a história, esta é a nossa nova responsabilidade. Além disso, às nossas costas, não existe somente a história nascida com a escrita, mas toda a história do planeta, cujos códigos estão inscritos em todas as coisas. Consequentemente, a totalidade da realidade natural faz parte da nossa herança. Portanto, devemos cuidar dela.
A Napoleão, símbolo da era da guerra e da violência, o senhor contrapõe alguns heróis positivos, que seriam os símbolos da era de paz contemporânea...
A nossa época é, acima de tudo, a do milagre da medicina. O samaritano que cuida daquele que sofre é o símbolo dessa atitude para com os outros, da empatia pelo próximo. Lembrei-me também de François de Callières, que, a serviço de Luís XIV, escreveu um tratado sobre a arte da negociação. É o símbolo da diplomacia que visa a evitar, a todo o custo, a guerra. Enfim, escolhi como terceiro herói dessa nossa era da paz a Polegarzinha, a menina que usa e controla as novas tecnologias abrindo novas fronteiras e novas perspectivas.
Na sua reflexão, parecem ecoar o pessimismo da razão e o otimismo da vontade de Gramsci. É isso mesmo?
O lema de Gramsci poderia ser o meu. Hoje, na França, domina o pessimismo. Eu gostaria de contrapor um otimismo moderado que, acima de tudo, deve ser um instrumento para combater em nome da paz e da salvaguarda do planeta.
Na realidade, porém, explode muitas vezes uma violência cega e indiscriminada.
Somos todos portadores sãos de violência, e, em cada um de nós, há uma dimensão que pode se transformar em violência. Pessoas respeitáveis podem se tornar feras assassinas. A Alemanha antes da guerra estava na vanguarda das artes e da filosofia, mas se confiou ao nazismo. A cultura não impede a barbárie, devemos estar sempre vigilantes. A filosofia da história que eu delineei nos ajuda a combater a violência potencial que está em nós. A história passada é uma sequência de lágrimas e sangue da qual saímos apenas recentemente. Somente se tivermos consciência, conseguiremos manter sob controle a violência que está em nós. Somente olhando para o passado, evitaremos repetir os mesmos erros no presente.
Não lhe parece que o terrorismo expressa uma violência incontrolável sobre a qual temos pouca possibilidade de intervenção?
É verdade, mas é preciso dizer que os atentados certamente não são uma novidade destes nossos anos. A história passada está repleta deles. Além disso, a violência do terrorismo também deve ser relativizada e posta novamente em uma perspectiva histórica. Por mais que os últimos atentados sejam uma tragédia dolorosa, as dezenas de vítimas de Paris, Manchester, Nice ou Londres não são nada diante do bombardeio de Dresden que fez 200 mil mortos em uma única noite, ou da batalha napoleônica de Borodino, na qual morreram dezenas de milhares de pessoas em um único dia. Hoje, a morte por guerra ou terrorismo é a última das causas de mortalidade. Vivemos em um tempo de paz. E, se as vítimas dos atentados são inocentes, infelizmente as vítimas de Hiroshima também eram. Dito isto, é claro que é preciso fazer de tudo para combater e prevenir a violência do terrorismo.
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“Não só progresso. É preciso outra utopia.” Entrevista com Michel Serres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU