17 Julho 2016
“Durante os séculos iniciais do Cristianismo, o tom libertador e afirmador de igualdade entre homens e mulheres foi sendo paulatinamente abrandado, acomodando-se aos padrões discriminatórios da cultura e da sociedade”, analisa a teóloga.
Reprodução do quadro Trasporto di Gesù Cristo al Sepolcro, de Antonio Ciseri |
Wanda explica que já no primeiro século começaram as tentativas de “domesticação e confinamento da mensagem libertadora”. “Paulo, por exemplo, incluiu como verdades de fé os assim chamados códigos domésticos, ou seja, elementos da cultura da época que definiam os papéis que homens, mulheres e crianças deveriam desempenhar”, destaca. Estava posta uma primeira tentativa de apagar o protagonismo feminino. Porém, lembra que “sempre houve mulheres que desafiaram as normas e os ensinamentos que as definiam como seres física, moral e espiritualmente inferiores”.
É nessas resistências que está a figura de Maria Madalena, aquela que teve umas das experiências mais reveladoras do Filho de Deus e que, mesmo assim, tem sua memória submetida a interpretações misóginas. “Acusar alguém de uma falha moral deslegitima qualquer autoridade e liderança que Maria Madalena pudesse ter tido. Ao invés de ser lembrada como uma apóstola, ela é reduzida a uma pecadora arrependida”. Mas isso parece começar a mudar.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a professora traz novas leituras desde a Teologia Feminista. “Ao invés de enfocar somente no ministério masculino, a Teologia Feminista mostra que o seguimento a Jesus se dá através da solidariedade com quem sofre, a partilha com quem pouco ou nada tem, a hospitalidade a quem necessita e a aceitação de quem é excluído”.
Wanda Deifelt é brasileira, luterana, possui graduação em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Tem mestrado pelo Garrett-Evangelical Theological Seminary e doutorado pela Northwestern Univesity, ambas na cidade de Evanston, estado de Illinois, EUA. Atua como professora e coordenadora do departamento de Religião da Luther College, na cidade de Decorah, estado de Iowa, EUA. Trabalha com teologias contextuais, em especial teologia feminista. Entre os temas que aborda estão Lutero e luteranismo, criação, cristologia, direitos humanos e sexualidade. É autora de, entre outras obras, À flor da pele - Ensaios sobre gênero e corporeidade (São Leopoldo: Sinodal, EST, CEBI, 2004).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como a senhora compreende a figura de Maria Madalena? Qual sua importância para a história do cristianismo?
Foto: www.luther.edu
Wanda Deifelt - Maria Madalena, ou Maria de Magdala (que era o nome da pequena cidade de onde Maria provinha), era uma das seguidoras de Jesus e fazia parte de seu círculo de amigos e amigas. A ela Jesus se revelou, primeiro, como o ressurreto e confiou a tarefa de ir e anunciar que ele havia ressuscitado. Na tradição da Igreja, nos primeiros séculos, Maria Madalena recebeu o título “apostola apostolorum”, ou seja, apóstola dos apóstolos, pois ela anunciou aos discípulos que Jesus havia ressuscitado.
O fato de Maria Madalena constar, em todos os Evangelhos, como a líder que leva o grupo de pessoas ao túmulo mostra a importância que ela teve na história da Igreja e na formação de muitas comunidades cristãs no primeiro século. Os evangelhos apresentam nomes e versões diferentes para o relato da descoberta da ressurreição de Jesus. Não obstante, o nome de Maria Madalena sempre aparece.
Com o passar dos anos, no entanto, o nome de Maria Madalena foi associado, erroneamente, ao de uma mulher prosmíscua. É esta a imagem que aparece, por exemplo, em muitos quadros e obras de arte. A identificação de Maria Madalena com a mulher pecadora de Lucas 7.36-50, no entanto, não tem fundamento. Aliás, esta associação aparece somente em 591, em uma homilia do Papa Gregório [1], o Grande (540-604), que dizia ser Maria Madalena uma prostituta arrependida.
Entretanto, essa interpretação não é justificada biblicamente. O que está escrito é que de Maria foram expulsos sete demônios (Lucas 8.1-3). Neste caso, como em toda linguagem bíblica, estar possuída por demônios é estar extremamente doente, de um mal recorrente e grave que não podia ser diagnosticado simplesmente como um problema físico. Mas nada disto implica em que ela tenha sido uma prostituta, como o Papa Gregório apregoava no século VI.
"A Teologia Feminista possibilitou o resgate de personagens bíblicos e históricos" |
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IHU On-Line - Em que medida a figura da pecadora arrependida reduz a potência dessa personagem bíblica?
Wanda Deifelt - A liderança de Maria Madadela, como seguidora fiel de Jesus e mensageira de suas palavras, foi marcante nos primeiros anos do movimento de Jesus. Em um escrito apócrifo [2], datado do século V e intitulado O “Evangelho de Maria Madalena” [3], há uma passagem reveladora sobre o ministério desta mulher: “Eles ficaram tristes e choraram muito. Disseram: ‘Como poderemos ir aos gentios e pregar-lhes o evangelho do reino do filho do homem? Nunca foi anunciado entre eles. Devemos nós anunciá-lo? Levantou-se, então, Maria, saudou a todos e disse-lhes: ‘Não choreis, irmãos, não fiqueis tristes nem indecisos. A sua graça estará com todos vós e vos protegerá. Louvemos antes a sua grandeza, por nos ter ensinado e nos ter enviado aos seres humanos’. Falando deste modo, Maria os reanimou e eles começaram a preparar-se para seguir as palavras do Salvador” (Evangelho de Maria Madalena, papiro 8.502 de Berlim).
Além de celebrar a liderança de Maria Madalena, este texto também revela a dificuldade que havia, nos primeiros séculos, em aceitar mulheres líderes. Um dos fragmentos deste evangelho conta que Pedro questionou a autoridade de Maria Madalena: “Diz Pedro: ‘Será que o Senhor, perguntado a respeito destas questões, iria falar a uma mulher ocultamente e não em público para que todos escutássemos? Por acaso quereria apresentá-la como mais digna do que nós?”. Outro discípulo intervém e corrige Pedro: “Tens sempre, ó Pedro, a cólera a teu lado e, ainda agora, discutes com esta mulher, defrontando-te com ela. Se o Salvador a julgou digna, quem és tu para desprezá-la?” (Evangelho de Maria Madalena, Fragmento de P. Rylands III 463). Mesmo que os textos apócrifos não tenham a mesma validade que os textos bíblicos, eles nos informam sobre o ministério e atuação de uma mulher de grande liderança.
Reduzida à pecadora
Assim, quando, em 591, o Papa Gregório caracterizou Maria Madalena como uma prostituta arrependida, ele dava início a um boato que passou a ser aceito como verdade. Acusar alguém de uma falha moral (neste caso, sexual) deslegitima qualquer autoridade e liderança que Maria Madalena pudesse ter tido. Ao invés de ser lembrada como uma apóstola, ela é reduzida a uma pecadora arrependida. Dentro de um sistema eclesiástico hierárquico e predominantemente masculino, é mais fácil (e vantajoso) lidar com uma Maria Madalena humilhada e contrita do que com uma Maria Madalena que é apóstola.
IHU On-Line - Quais as contribuições de Madalena para a Teologia Feminista? E como compreender a Teologia Feminista, enquanto forma de se atingir a compreensão plena do “ser cristão”?
Wanda Deifelt - A Teologia Feminista possibilitou o resgate de personagens bíblicos e históricos, como Maria Madalena. Isto possibilitou outras perspectivas – mais inclusivas e justas – de discipulado. Ao invés de enfocar somente no ministério masculino (baseado no modelo dos doze discípulos que Jesus havia selecionado), a teologia Feminista mostra que o seguimento a Jesus se dá através da solidariedade com quem sofre, a partilha com quem pouco ou nada tem, a hospitalidade a quem necessita e a aceitação de quem é excluído. O amor de Cristo não se revela através de um poder hierárquico, mas de um poder compartilhado, de serviço (mas não de servitude).
Estas características ficam evidentes no relacionamento que Jesus tinha com o grupo de amigas e amigos, com quem mantinha um vínculo muito estreito. Em Lucas 8.1-3, por exemplo, lemos que Maria Madalena era uma das mulheres que ajudava Jesus, prestando-lhe assistência com seus bens. Ela era uma pessoa querida por Jesus e assim como Marta, Maria, Suzana, Joana e muitas outras, era amiga de Jesus. Este círculo de amigos e amigas muitas vezes estava mais próximo de Jesus do que os próprios discípulos. Ao passo que os doze discípulos tinham uma relação mestre-estudante com Jesus, a relação de Maria Madalena e seu grupo com Jesus era de amizade e parceria. Este relacionamento afetivo é descrito, por exemplo, em João 11.5: “Ora, amava Jesus a Marta, e a sua irmã e a Lázaro”.
Fiéis até o fim
Como boas amigas, as mulheres se preocupavam com Jesus até mesmo após sua morte, perfumando o seu corpo, embalsamando-o. Neste sentido, a história das mulheres é bem diferente da dos discípulos. Enquanto um discípulo, Judas, traiu Jesus por um punhado de moedas, e outro, Pedro, o negou tês vezes, as mulheres e o disípulo amado permaneceram fiéis até o fim. Maria Madalena é uma das mulheres que amava Jesus a ponto de ter a coragem de vê-lo ser crucificado. Enquanto todos os discípulos fugiam para se esconder, evitando o perigo de serem presos e mortos, a mãe de Jesus, a irmã dela, Maria (mulher de Cléofas) e Maria Madelena ficaram junto à cruz (conforme Lucas 19.25).
A morte na cruz era reservada para condenados por crimes políticos, e todas as pessoas identificadas com um criminoso como Jesus poderiam sofrer o mesmo fim. Isto valia tanto para homens como para mulheres. Por isto, o fato de as mulheres - entre elas Maria Madalena - ficarem com Jesus enquanto ele estava pendurado na cruz mostra o quanto elas o amavam, arriscando as próprias vidas para estar com ele. O seu choro em público é um testemunho de fé e coragem.
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"O choro de Maria Madalena em público é um testemunho de fé e coragem" |
IHU On-Line - Que imagem da ressurreição de Cristo e revelação à Madalena é possível apreender de uma leitura mais detalhada dos Evangelhos? Quais as semelhanças e dissociações entre as versões desse momento?
Wanda Deifelt - A cena da ressurreição de Jesus é um dos relatos mais marcantes. O Evangelho de Marcos conta que Maria Madalena foi junto com outras mulheres - Maria, mãe de Tiago, e Salomé - comprar perfume para embalsamar o corpo de Jesus (Marcos 16.1). A preocupação pelo cadáver de Jesus e o afeto expresso em um último gesto levou as mulheres ao túmulo, que elas encontram vazio. Na versão de Marcos, as mulheres fogem com medo. Apesar da originalidade do texto ser questionada, o relato continua com Jesus aparecendo por primeiro a Maria Madalena (Marcos 16.9-11), mas quando ela retorna aos discípulos para contar que Jesus havia ressuscitado, eles não creram.
No Evangelho de João (João 20.1-18), lemos que somente Maria Madalena foi ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro. No sepulcro, a pedra havia sido removida. Correndo para chamar os discípulos, Simão Pedro e o Discípulo Amado, Maria Madalena os informou que o corpo de Jesus havia desaparecido. Os dois discípulos correram ao túmulo, constataram que os lençóis que envolviam Jesus estavam lá, mas não encontraram Jesus e voltaram para casa. Do discípulo amado é dito que “viu e creu”. Como nenhum deles encontrou Jesus, decidiram voltar para casa.
Maria Madalena, no entanto, permaneceu junto à entrada do túmulo, chorando. Ali, Jesus apareceu a ela. Maria o reconheceu porque ele a chamou pelo nome e ela retrucou chamando-o Rabôni (que quer dizer Mestre, em aramaico). Então Jesus recomendou que Maria não o detivesse, pois ele ainda não havia subido ao Pai. E deu a ela a seguinte incumbência: “Vai ter com meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”. Assim, Maria Madalena foi a primeira testemunha da ressurreição. Foi a ela que o ressurreto apareceu pela primeira vez e deu a missão de ir e anunciar aos demais que Jesus havia ressuscitado.
Mas por que uma mulher?
Muitos se perguntaram por que Jesus haveria de aparecer por primeiro a uma mulher e escolher justamente a ela como testemunha de sua ressurreição. No Judaísmo do tempo de Jesus, ou seja, no primeiro século, somente o testemunho dos homens era válido. Nesta época havia, também, rumores que os próprios discípulos haviam roubado o corpo de Jesus, para espalhar a notícia de que ele havia ressuscitado. Se isto fosse verdade, certamente teriam forjado a história de tal modo que o ressurreto aparecesse primeiro aos homens (que poderiam servir como testemunhas). Por isso, o fato de Jesus ter aparecido primeiro a Maria Madalena torna o relato ainda mais plausível.
IHU On-Line - Como compreender a mística de Maria Madalena e sua relação com o Cristo? Como isso é visto desde a perspectiva luterana?
Wanda Deifelt - A cena da ressurreição, relatada nos evangelhos, mostra que Maria Madalena foi uma mulher de coragem e fé. Na tradição Católica, Ortodoxa, Anglicana e Luterana ela é considerada santa, mas a maneira como esta santidade é interpretada varia entre as denominações. Nas igrejas Católica e Ortodoxa, Maria Madalena é comemorada no dia 22 de julho. Na concepção Luterana, a terminologia “santo” ou “santa” não se aplica somente aos heróis da fé, mas a todas pessoas que, batizadas, fazem parte do corpo de Cristo, da “comunhão dos santos” (como confessamos no Credo Apostólico [4]).
No Protestantismo não se reverenciam os santos, pois a santidade não pode ser alcançada por esforços humanos. Antes, é qualidade de Deus, que é santo. Sendo Deus o santo por excelência, todas as pessoas que pertencem a Deus são consideradas santas (Lv 11.44). Pela vinda de Jesus, “o Santo de Deus” (Jo 6.69), a santidade é possível não pelo mérito do cumprimento às leis, mas pela graça. Todas as pessoas batizadas são parte da comunhão dos santos, e a santificação se dá pela fé — um presente de Deus. A graça não exime a cristandade do seguimento às leis, nem descarta a sua responsabilidade diante de Deus e do próximo. Pelo contrário. A fé leva às boas obras, mas estas obras não são uma conquista humana. É a graça de Deus, pela fé, que atua por meio de nós.
Pela sua coragem de ficar junto a Jesus, aos pés da cruz, por seu seguimento fiel, por todo seu ministério e testemunho, Maria Madalena representa um modelo de fé e vida que ultrapassa os limites denominacionais.
"Já no primeiro século houve uma tentativa de domesticação e confinamento da mensagem libertadora e afirmadora de igualdade entre homens e mulheres" |
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IHU On-Line - De que forma a senhora compreende o espaço atribuído à mulher ao longo da história do cristianismo? Como a história de Madalena – e o espaço que se dá a ela – pode contribuir nessa reflexão? E como observa esse papel da mulher cristã nos dias de hoje?
Wanda Deifelt - O papel das mulheres é marcante e visível. Jesus inicia seu ministério público por causa de uma mulher, Maria, sua mãe, quando ela insiste que ele ajude a resolver um problema prático: a falta de vinho em uma festa (Jo 2.1-12). Jesus dialoga teologicamente e se revela como Messias a uma mulher estrangeira, uma samaritana (Jo 4.4-42). Ele aceita que mulheres, como Maria, irmã de Marta, se sentem aos seus pés, como fazem os discípulos de sua época, para escutar seus ensinamentos (Lc 10.38-42). Perdoa e cura mulheres, é amigo, solidário. Em nenhuma parte da Bíblia se encontra atitude ou palavra de Jesus contrária à dignidade da mulher, questionando suas capacidades ou limitando sua atuação. Neste sentido, Jesus quebra todos os tabus e preconceitos de sua época: perdoa uma adúltera, deixa-se perfumar por uma mulher de reputação duvidosa, dialoga publicamente com as mulheres.
A fidelidade destas mulheres é demonstrada precisamente na cruz. Enquanto os discípulos se escondem, a mãe de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria, a mulher de Cléofas, Maria Madalena e o Discípulo Amado permanecem com Jesus até o fim (Jo 19.25-27). São muitos os nomes de mulheres que se destacam no movimento cristão primitivo. Lídia, Febe, Evódia, Sínteque, Priscila, Junia, Trifena e Trifosa são algumas delas. A própria Maria Madalena é mencionada doze vezes nos quatro Evangelhos, mais do que muitos apóstolos.
Domesticação da mensagem
No entanto, já no primeiro século houve uma tentativa de domesticação e confinamento da mensagem libertadora e afirmadora de igualdade entre homens e mulheres. Paulo, por exemplo, incluiu como verdades de fé os assim chamados códigos domésticos, ou seja, elementos da cultura da época que definiam os papéis que homens, mulheres e crianças deveriam desempenhar dentro da família, da religião e da sociedade. Os códigos domésticos estabeleciam a autoridade do pater familias, onde o homem livre, cidadão do império romano era tido como norma. Seu poder era exercido sobre a esposa (ou esposas), filhas e filhos, escravas e escravos e animais. O cidadão era proprietário e tinha poder de vida e morte sobre as pessoas que estavam sob sua tutela. Durante os séculos iniciais do Cristianismo, o tom libertador e afirmador de igualdade entre homens e mulheres foi sendo paulatinamente abrandado, acomodando-se aos padrões discriminatórios da cultura e da sociedade.
Ao adotar um modo grego de pensar e um modelo romano de administrar, a Igreja reduziu os espaços para as mulheres. Já no início do terceiro século se percebe um interesse cada vez maior de elites municipais romanas (treinadas para a vida pública) pelo Cristianismo, um processo que culminou um século depois, com a conversão do imperador Constantino [5]. Muitas comunidades viram com bons olhos esta mudança, mas ela alterou significativamente a atuação das mulheres dentro do espaço eclesial. Até então, as mulheres desenvolviam atividades dentro da Igreja e atuavam no espaço doméstico, já que os cultos eram celebrados nas próprias casas. Isto não quer dizer, porém, que o ministério das mulheres se restringia a este espaço, pois muitas atividades eram públicas, atuando como diáconas, apóstolas, missionárias e pregadoras do Evangelho. Com a mudança nas relações entre o Cristianismo e o Império, a Igreja começou a usufruir os benefícios de uma entidade pública. A grande discussão passou a ser, então, se as mulheres poderiam exercer ministério publicamente, já que o ministério eclesial se tornara um ministério público. Assim, acabou prevalecendo o ministério masculino.
Desafiadoras da norma
No entanto, sempre houve mulheres que desafiaram as normas e os ensinamentos que as definiam como seres física, moral e espiritualmente inferiores. Através de uma reconstrução histórica feminista, tem sido possível identificar as contribuições de mulheres como Heloísa (séc. XII) [6], Hildegard de Bingen (séc. XII) [7], Mechtild de Magdeburg (séc. XIII) [8], Catarina de Siena (séc. XIV) [9], Júlia de Norwich (séc. XIV) [10] e Sor Juana Inés de la Cruz (1651 – 1695)[11] . Elas foram intelectuais, teólogas, filósofas e também pregadoras (mesmo que, em grande parte, restringissem suas atividades ao espaço dos conventos). Elas, assim como Maria Madalena e tantas mulheres que permaneceram anônimas na história do Cristianismo, servem como exemplo para nós. Pela sua ousadia e testemunho, elas nos servem como modelo.
Por João Vitor Santos
Notas:
[1] Papa Gregório IX (1160-1241): foi o 178º papa, de 1227 a 1241. Foi importante incentivador dos dominicanos e dos franciscanos, tendo sido amigo pessoal do próprio São Francisco de Assis. Organizou a Inquisição Pontifícia com o objetivo de reprimir as heresias, com a promulgação da bula "Licet ad capiendos" em 20 de abril de 1233, dirigida aos dominicanos, que passaram a liderar o trabalho de investigação, julgamento, condenação e absolvição dos hereges. Canonizou S. Francisco de Assis dois anos após sua morte, S. Domingos de Gusmão e Santo António de Lisboa. (Nota da IHU On-Line)
[2] Apócrifos do Novo Testamento: também conhecidos como "evangelhos apócrifos", são uma coletânea de textos, alguns dos quais anônimos, escritos nos primeiros séculos do cristianismo, votados no Primeiro Concílio de Niceia, não reconhecidos pelo cristianismo ortodoxo e que, por isso, não foram incluídos no Cânone do Novo Testamento. Não existe um consenso entre todos os ramos da fé cristã sobre o que deveria ser considerado canônico e o que deveria ser apócrifo. (Nota da IHU On-Line)
[3] Evangelho de Maria Madalena: é um texto gnóstico encontrado no Codex Akhmin, que foi adquirido pelo Dr. Carl Reinhardt na cidade do Cairo em 1896. (Nota da IHU On-Line)
[4] Credo dos Apóstolos (em latim: Symbolum Apostolorum ou Symbolum Apostolicum): às vezes chamado de Símbolo dos Apóstolos, é uma profissão de fé cristã, um credo ou um símbolo. É amplamente utilizado por muitas denominações cristãs para propósitos litúrgicos e catequéticos, mais visivelmente pelas igrejas litúrgicas de tradição ocidental, incluindo o Rito latino da Igreja Católica, o Rito oriental das Igrejas Ortodoxas Orientais, o luteranismo, o anglicanismo e o presbiterianismo. (Nota da IHU On-Line)
[5] Constantino, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande (em latim Flavius Valerius Constantinus Naísso (272-337): foi um imperador romano, proclamado Augusto, venerável, pelas suas tropas em 25 de julho de 306, que governou uma porção crescente do Império Romano até a sua morte. (Nota da IHU On-Line)
[6] Heloísa de Argenteuil ou Heloísa de Paráclito, ou Helöise, Heloíse, Héloyse, Hélose, Heloisa, Helouisa, Eloise, Aloysia (1090-1164): foi uma freira, escritora, erudita e abadessa francesa, mais conhecida por seu amor e correspondências com o filósofo Pedro Abelardo. (Nota da IHU On-Line)
[7] Hildegard de Bingen (1098-1179): mística, filósofa, compositora e escritora alemã, abadessa de Rupertsberg em Bingen. Hildegard foi autora de várias obras musicais de temática religiosa incluindo Ordo Virtutis, uma espécie de ópera que relata um diálogo de um grupo de freiras com o Diabo. Escreveu ainda dois dos únicos livros de medicina escritos na Europa no século XII, onde demonstrou um conhecimento notável de plantas medicinais. Hildegard alegava ter visões inspiradas por Deus, que o próprio a incentivou a escrever em livros. Após quatro tentativas de canonização, Hildegard permanece apenas beatificada. Leia também, Hildegard de Bingen, mística medieval e santa doutora da Igreja; Hildegard de Bingen e a igualdade homem-mulher; Hildegard de Bingen: os bastidores de uma promoção tardia; Hildegard de Bingen: futura Doutora da Igreja; O ser humano sinfônico de Hildegard de Bingen. (Nota da IHU On-Line)
[8] Mechthild (ou Mechtild, Matilda, Matelda) de Magdeburg (1207-1282/1294): foi uma cristã mística medieval, cujo livro Das fließende Licht der Gottheit (The Light Corrente de divindade) descreveu suas visões de Deus. Ela foi a primeira mística a escrever em alemão. (Nota da IHU On-Line)
[9] Catarina de Siena (1347-1380): leiga da Ordem Terceira de São Domingos, venerada como Santa Catarina na Igreja Católica. Catarina de Siena foi ainda uma personagem influente no Grande Cisma do Ocidente. (Nota da IHU On-Line)
[10] Juliana de Norwich (1342-1416): foi uma anacoreta e mística inglesa. O seu livro Revelações do Amor Divino (Revelations of Divine Love, em inglês), escrito por volta de 1395, foi o primeiro em língua inglesa que se sabe ter sido escrito por uma mulher. Juliana foi também uma autoridade espiritual dentro da sua comunidade, que serviu como conselheira. É venerada na Igreja Católica, apesar de não ter sido beatificada ou canonizada, e nas Igrejas Anglicanas e Luteranas. (Nota da IHU On-Line)
[11] Sóror Juana Inés de la Cruz ou, simplesmente, Sóror Juana (1651- 1695): religiosa católica, poetisa e dramaturga nova-espanhola mexicano-espanhola. Foi a última dos grandes escritores do Século de Ouro. (Nota da IHU On-Line)
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Maria Madalena e as discípulas de Jesus. Protagonistas que resistem a um apagamento. Entrevista especial com Wanda Deifelt - Instituto Humanitas Unisinos - IHU