12 Mai 2018
A Igreja alemã, líder do reformismo, mas cada vez mais dividida, encontra-se em um estado catastrófico.
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicada por Il Foglio, 11-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Devemos usar a imaginação”, dizia há alguns anos o cardeal Reinhard Marx, grande chefe dos bispos alemães, arcebispo de Munique e líder do Conselho para a Economia do Vaticano, falando sobre as estratégias a serem adotadas para acolher na Mãe Igreja aqueles que estavam fora, na sua opinião, “rejeitados” por serem impossibilitados de ter acesso ao sacramento da eucaristia.
Eram os meses da grande batalha sinodal sobre a comunhão a ser concedida (ou não) aos divorciados em segunda união, com a dramática divisão entre os Padres convocados a Roma pelo papa na cúpula que se concluiu com uma genérica luz verde, embora meditada e também submetida a uma avaliação “caso a caso”.
O que prevaleceu, na época, foi a solução alemã concebida por Christoph Schönborn, um texto de nível teológico sublime como só os doutos da Alemanha e da Áustria sabem fazer. De acordo com George Weigel, o motivo da luta contra a rigidez legalista romana tinha muito pouco a ver com a misericórdia divina, mas, “dez meses antes do Sínodo, eu perguntei a um observador bem informado das questões católicas alemãs por que a cúpula do catolicismo da Alemanha insistia em querer reformar a questão da santa comunhão em relação àqueles que se casaram civilmente em um segundo casamento. Em resposta, obtive uma única palavra: dinheiro”. Quanto mais pessoas permanecem no recinto da Santa Mãe Igreja, mais pessoas pagam o Kirchensteuer, o imposto obrigatório para quem é batizado.
Uma contribuição que, ao longo das décadas, alimentou desmedidamente os cofres da Igreja alemã: em 2015, o patrimônio da diocese de Colônia chegava a três bilhões de euros, “uma quantia obscenamente elevada”, escreveu Daniel Deckers, indignado, no Frankfurter Allgemeine Zeitung, biógrafo do recentemente falecido cardeal Karl Lehmann, durante 20 anos indiscutível número um dos bispos da Alemanha e líder do progressismo alemão.
Mas as batalhas para abrir as portas das Igrejas aos distantes, expulsando os chamados fariseus – que, aliás, são aqueles que o papa rotula genericamente como “ideológicos”, na sua pregação adversa aos plantadores de estacas ao redor do hospital de campanha – deram poucos frutos.
“Die Priester sterben aus”, “os padres desaparecem”, escreveu o jesuíta Stefan Kiechle na edição de maio do Stimmen der Zeit. Trata-se da sua análise do estado da Igreja alemã, cuja representação dá a ideia de um enorme monstro encaminhando-se para a implosão. Uma morte por causas naturais, se poderia dizer, segundo a leitura dos dados, assépticos e, portanto, testemunhas mais confiáveis da gravidade da situação.
Neste ano, nas 27 dioceses do país, apenas 61 sacerdotes serão ordenados. Eram 74 em 2017 e 58 em 2015 (ponto mais baixo já tocado). Em 1995, pouco mais de 20 anos atrás, o número chegou a 186. Os sacerdotes ativos hoje são 13.856, dos quais apenas 8.786 “em serviço”. Apenas há três anos, eram 14.087. Em 15-20 anos, muito poucos permanecerão.
O problema – acrescenta o padre Kiechle – é que ninguém parece pensar sobre isso. Segue-se em frente como se pode, com unificações de estruturas, venda de igrejas e fechamento de espaços comunitários. A diocese de Trier, no ano passado, decidiu passar de 863 paróquias para 36. Em Saarbrücken, haverá apenas uma paróquia para 100 mil habitantes, com um pároco e alguns vigários.
Thomas Sternberg, presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães – órgão que, há muito tempo, pressiona muito por reformas e aberturas – disse ao Welt am Sonntag que a situação é “dramática”, e as repercussões serão “catastróficas”. Não haverá mais padres.
O número das celebrações dominicais, já reduzido há muito tempo, “caiu para além do limiar da dor”. Tons de réquiem, em suma. Ainda mais lúgubres se levarmos em conta as “saídas” da Igreja Católica, ou seja, o número daqueles que declaram que não fazem mais parte dessa comunidade e, assim, não pagam mais – entre outras coisas – o imposto.
Em 2015, os abandonos foram 182 mil; em 2016, foi um pouco melhor, mas a hemorragia continuou: apenas na diocese de Essen (dois milhões de católicos, que representam 32% de toda a população), 4.000 “saíram”. E justamente em Essen decidiram investigar as razões que levam tantos batizados a assinar o ato formal de abandono da Igreja Católica.
No ano passado, com um apreciável rigor teutônico, foi proposto um questionário a todos os interessados, aberto também aos que decidiram permanecer fiéis. As respostas foram as esperadas: por que se abandona? “Por falta de laços com a Igreja, por causa do Kirchensteuer, por causa da atitude da Igreja não mais alinhada com os tempos, por causa das ideias da Igreja sobre a mulher e celibato, pela discordância sobre as posições éticas.”
Uma pessoa que respondeu, relatou o site Settimana News (dehonianos), disse que não podia “aceitar a posição da Igreja sobre os homossexuais, sobre a contracepção e sobre o celibato”. Outro: “A Igreja é alheia ao mundo e nunca esteve alinhada com o espírito dos tempos”.
As respostas, explicava a diocese de Essen, servirão para implementar um dos muitos “planos para o futuro”, experimentados nas últimas décadas, com os quais se tentará colocar um remendo no furo; esvaziar o barco em naufrágio com uma colherzinha é uma operação que parece estar à beira do desespero.
Para tornar atraente a proposta cristã (e católica, neste caso), tentou-se jogar a carta da misericórdia e de usar, um pouco como testemunha, até mesmo o papa: entrem todos, portas abertas ou, melhor, escancaradas. O caminho escolhido anteriormente, em 2012, não produzira grandes resultados. Há seis anos, os bispos tinham deixado claro aos católicos alemães que “a declaração de abandono da Igreja perante funcionários do registro civil é um ato público de distanciamento voluntário e intencional que constitui grave culpa para com a comunidade eclesiástica”. E se advertia aos potenciais apóstatas que nem mesmo a unção dos enfermos estaria garantida em caso de abandono. Em suma: ou pagam o imposto, ou o inferno espera por vocês.
A solução mais ao alcance das mãos – também por ser discutida há já algum tempo – consiste em ordenar homens idosos casados como sacerdotes: os viri probati. O próprio prefeito da Congregação para o Clero, o cardeal Beniamino Stella, entrevistado pelo jornalista Fabio Marchese Ragona para o livro Tutti gli uomini di Francesco [Todos os homens de Francisco] (Ed. San Paolo), confirmava que a questão está em pauta, embora se trate de uma questão delicada e de alto risco de instrumentalização ideológica.
Em todo caso, não se trataria de tornar o celibato opcional, nem de copiar a prática ortodoxa, que permite a ordenação sacerdotal de jovens com esposa como dependente. Fala-se dos viri probati, porém, sobretudo por causa das infindáveis terras da Amazônia, onde comunidades inteiras conseguem ver um padre uma ou duas vezes por ano, com tudo o que se segue em relação à aproximação aos sacramentos. Ninguém havia pensado em tal solução para um bastião da Igreja Católica a poucos passos de Roma, a rica e poderosa Alemanha.
No fim de 2014, em um artigo no Frankfurter Allgemeine Zeitung, o ensaísta Markus Günther escreveu que a Igreja alemã é totalmente semelhante à Alemanha Oriental nos seus últimos dias de vida: “Parece estável, mas, na realidade, está à beira do colapso. Pastores e bispos, mas também muitos leigos ativamente comprometidos, veem paisagens floridas onde, na realidade, não há nada, senão deserto. O amor, como se diz, é cego”.
A Igreja alemã, portanto, segue a mesma inclinação das outras Igrejas da Europa central e do norte, lutando com uma crise de fiéis e vocações de proporções já dramáticas. Porém, comparar a Alemanha com a Holanda ou com a República Checa seria enganoso: o peso histórico, econômico e social da realidade alemã sustenta a comparação apenas com “potências” de igual valor, como França ou Estados Unidos, para citar duas.
E, apesar do rebanho cada vez menor, as rachaduras entre os bispos locais se tornam cada vez maiores. Se foi possível ver uma primeira divisão sobre o tema da comunhão aos divorciados em segunda união, é em relação à “intercomunhão”, ou seja, a permissão de ter acesso à eucaristia aos protestantes casados com católicos, que a rachadura se aprofundou, a ponto de chegar até Roma, na presença do papa.
Em fevereiro passado, a Conferência Episcopal liderada pelo cardeal Marx anunciou a publicação de um subsídio para os sacerdotes chamados a “examinar as situações concretas para chegar a uma decisão responsável sobre a possibilidade do cônjuge não católico de ter acesso à comunhão”.
Algumas semanas depois, a rebelião de sete bispos alemães – incluindo o cardeal de Colônia, Rainer Maria Woelki –, que, em uma carta enviada ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer, e ao presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Kurt Koch, pediam urgentes “esclarecimentos”, pois, na sua opinião, o documento promovido por Marx é “ilegal e viola a fé católica e a unidade da Igreja”.
Há poucos dias, a resposta do papa: “Encontrem um resultado possivelmente unânime”.
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''Não haverá mais padres na Alemanha'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU