Por: Patricia Fachin | 02 Agosto 2018
“O Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia, essa é a verdade; ele é muito constrangido a não destruí-la, porque sofre uma pressão da comunidade internacional, dada a importância da Amazônia para regulação do clima global. Por isso fica com essa crise de adolescente que não sabe se sai ou se fica em casa”, adverte Danicley de Aguiar, engenheiro agrônomo e membro do Greenpeace para a Amazônia, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.
Segundo ele, enquanto o Estado não tem um projeto para a região, outros atores têm disputado o território amazônico. De um lado, afirma, “o agronegócio sabe o que quer da Amazônia: ele quer terra, porque quer incorporar mais terra ao processo de produção”. De outro, relata, “o PCC e o Comando Vermelho estão disputando Belém no tiro, estão disputando Manaus e Rio Branco. O tráfico de drogas viu na Amazônia um lugar possível de se desenvolver porque o Estado é frágil e a sociedade é carente. Os níveis de violência em Rio Branco, em Manaus e em Belém são quase intoleráveis”. E lamenta: “Estamos vivendo hoje uma favelização da Amazônia. Quem vem a Belém e a Manaus percebe que a pobreza explodiu na Amazônia. Os índices de qualidade de vida são os piores do país e com esse modelo econômico isso não vai mudar”.
Na avaliação dele, além de se discutir sobre as questões ambientais relacionadas à Amazônia, é necessário discutir a região do ponto de vista econômico. “Combater o desmatamento é fundamental, mas a discussão para a Amazônia também é uma questão econômica: precisamos fazer um debate econômico sobre a Amazônia, não só um debate de comando e controle”.
O futuro da floresta, sugere, depende de uma repactuação do papel econômico da Amazônia para o país. “O Brasil precisa repactuar o papel da Amazônia: tirá-la desse papel de província mineral e energética e de fronteira agropecuária e dar a ela um papel importante na economia do século XXI.(...) Se a maior riqueza da Amazônia é a sua biodiversidade, por que a sua economia tem que ser predatória da biodiversidade? Por que a economia da Amazônia tem que ser assentada em produção de grão, energia, minério ou petróleo, se a sua riqueza é a biodiversidade? (...) Nós temos os maiores recursos naturais do mundo e somos incapazes de construir uma economia pautada nessa biodiversidade. Este é o desafio: como construímos uma economia baseada na biodiversidade? Ao passo que isso ocorre, a floresta deixa de ser um passivo para ser um ativo”, sugere.
Na entrevista a seguir, Danicley também apresenta um panorama da situação dos indígenas Karipuna, que têm tido seu território desmatado pela grilagem e pela exploração ilegal de madeira. “O que temos visto, seja dentro ou fora do território, é que há uma pressão para que esses territórios sejam diminuídos e colocados à disposição do mercado de terras, do setor produtivo, como se os indígenas não fossem um setor importante da sociedade brasileira. A impressão é que se nada for feito, esses territórios serão incorporados à fronteira agropecuária que está na margem dessas terras”, resume.
Danicley de Aguiar | Foto: Greenpeace Brasil
Danicley de Aguiar é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural da Amazônia e especialista em Planejamento e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Pará - UFPA. Atualmente é membro do Greenpeace para a Amazônia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a situação da terra indígena Karipuna, localizada a 280 km de Porto Velho (RO), homologada em 1998? Pode nos dar um panorama sobre a situação dos indígenas que vivem nessas terras?
Danicley de Aguiar – Historicamente localizados na bacia do rio Jacy-Paraná, os Karipuna foram contatados nos anos 70 e desde 1998 tiveram seu território homologado pela presidência da República.
O desafio deles é o da sobrevivência: esse é um povo reduzido a 58 pessoas, formado, na sua grande maioria, por jovens e crianças. Eles já foram impactados pelo desmatamento que cercou a área deles, pela hidrelétrica de Santo Antônio, que elevou o nível do rio Jacy-Paraná e os afetou também. Ou seja, eles sofreram uma série de impactos nos últimos 30, 40 anos.
IHU On-Line – Eles vivem isoladamente ou têm contato com não indígenas?
Danicley de Aguiar – Uma parte do povo vive dentro do território e uma outra parte mudou para a periferia de Porto Velho. Como o número de membros da comunidade foi reduzido ao longo da década de 90, chegando a ter apenas quatro pessoas, eles realizaram casamentos interétnicos com outros povos indígenas e inclusive com não indígenas. Então, uma boa parte do povo vive na cidade de Porto Velho e uma fração importante vive no território, numa única aldeia que era o antigo posto de atração da Funai. Eles estão ali tentando sobreviver à expansão da agropecuária e da extração de madeira. Talvez essa seja a última fronteira para eles, porque não têm para onde ir. Como eles dizem, a situação beira o genocídio, porque as condições para que eles possam se reproduzir foram colocas em xeque, seja do ponto de vista social ou ambiental.
Fotos georreferenciadas evidenciam áreas invadidas e o roubo de madeira dentro da Terra Indígena Karipuna | Fonte: Greenpeace
IHU On-Line – Como o Estado e a Funai têm acompanhado essa comunidade?
Danicley de Aguiar – O Estado brasileiro, como temos visto nos últimos anos, optou pelo agronegócio e não pela questão indígena. Basta ver o sucateamento da Funai apesar do esforço dos seus servidores públicos para construir e implementar a política indigenista. Todo o processo de sucateamento da Funai gerou fragilidades extremas e o Estado não consegue dar a esse e a outros povos a devida proteção. O território Karipuna ficou exposto a madeireiros que estão roubando milhares de árvores e o Estado não consegue dar a esse povo a real proteção. A política de proteção dos territórios indígenas é uma ficção, porque o Estado, embora tenha um bom marco legal protetivo, não tem dinheiro para implementá-lo. E os servidores ficam de mãos atadas assistindo à invasão desses territórios, porque eles não têm condições de lidar com tanta pressão como vêm lidando nos últimos cinco anos.
Além da exploração ilegal de madeira, os grandes projetos hidrelétricos, hidrovias e rodovias também ameaçam esses povos. Os Karipuna são diretamente impactados pela Hidrelétrica Santo Antônio e até hoje o processo de compensação desse povo não andou: as ações civis públicas ajuizadas no sentido de forçar o Estado e a Santo Antônio Energia a cumprirem o plano de proteção — o qual se alardeou que seria criado para proteger o território de Karipuna — não foram cumpridas.
O Estado tem sido obrigado pela Justiça a agir: recentemente um juiz federal da vara de Porto Velho deferiu um pedido de liminar do MPF, obrigando o Estado a agir sob decisão judicial, porque não existe uma política e uma decisão proativa do Estado de proteger os indígenas e os territórios deles. No caso dos Karipuna a situação é mais grave, porque são tão poucos e não têm condições de se autodefender, estão espremidos num canto do território, que vai sendo ocupado por madeireiros e por aqueles que se interessam em ver esse território diminuído e transformado em fazenda. É uma situação completamente preocupante, porque a destruição desse território coloca em xeque a vida desse povo, pois sem a floresta eles não têm condições de se reproduzir. Diferentemente dos não indígenas, a floresta é fundamental para a sobrevivência não só física, mas cultural desse povo.
Temos o desafio de chamar a atenção da sociedade para que ela pressione o Estado a recompor a política indigenista, o orçamento da Funai, do Ibama, que fiscaliza os territórios, porque no caminho em que estamos hoje a tendência é que esses territórios sejam, cada vez mais, alvos da exploração ilegal de madeira, grilagem de terras e coisas desse tipo.
IHU On-Line – Você comentou que, entre as causas do aumento do desmatamento na terra indígena Karipuna, destacam-se a extração ilegal de madeira, a construção de hidrelétricas e a expansão agropecuária. Como tem se dado a expansão do agronegócio na região de Rondônia?
Danicley de Aguiar – O que tem se visto em Rondônia é um avanço da soja, muitas vezes em terras que anteriormente haviam sido ocupadas pela pecuária. Há uma acomodação dessas forças econômicas que privilegiam as commodities e o gado e, portanto, há uma movimentação dessa fronteira. O que se vê em torno da terra indígena de Karipuna é o aumento do desmatamento: a maior parte da vegetação do entorno da terra indígena foi retirada nos últimos 30 anos.
A fronteira agropecuária está pressionando essa floresta, e quando não existem mais árvores no entorno das terras indígenas, os madeireiros entram nas terras indígenas para desmatar. Isso não ocorre somente na terra indígena de Karipuna, mas a Karitiana e outras terras indígenas em Rondônia também estão sofrendo pressão da exploração de madeira ilegal e grilagem. Quando sobrevoamos o território, além de uma vasta rede de estradas ilegais é possível detectar desmatamento dentro dos territórios. O que temos visto é que há uma pressão para que esses territórios sejam diminuídos e colocados à disposição do mercado de terras, do setor produtivo, como se os indígenas não fossem um setor importante da sociedade brasileira. A impressão é que, se nada for feito, esses territórios serão incorporados à fronteira agropecuária que está na margem dessas terras.
IHU On-Line - Nesse contexto, que tipos de conflitos existem entre indígenas e não indígenas?
Danicley de Aguiar – Esses conflitos têm se dado historicamente, e em Rondônia eles são uma regra. Hoje vários povos estão sendo provocados por madeireiros, e os Karipuna têm recebido ameaças diretas e indiretas. Então, eles são pressionados a entregar seus territórios para esses setores econômicos. As Unidades de Conservação de Rondônia já passaram por esse processo: muitas delas foram diminuídas e perderam grande parte da sua cobertura florestal, como é o caso de Resex Jacy-Paraná, Distrito de Jaci-Paraná na região do município de Porto Velho. O processo de incorporação desses territórios em Rondônia está em curso e a fronteira agropecuária está demandando que esses territórios sejam incorporados ao processo de produção.
Neste momento em Rondônia há uma forte pressão sobre os povos tradicionais e uma omissão do Estado no sentido de corrigir essa distorção, porque a maioria dos territórios já foi reconhecida pelo Estado, ou seja, não há contestação em torno disso. Se é assim, por que esses territórios que foram homologados estão sendo pressionados? Não se trata de questionar um território que não foi homologado, mas territórios que já foram reconhecidos e que foram homologados pela assinatura do presidente da República, mas nem isso importa mais. O interesse desses setores se sobrepõem a tudo, mas não é justo que se sobreponha ao direito desses povos de existirem.
O que se discute é o direito do desenvolvimento, do agronegócio. E esses povos não têm direitos? Não se pode alimentar o desenvolvimento com vidas humanas; as vidas humanas estão em primeiro lugar. Não podemos ficar nessa dicotomia de que é impossível se desenvolver enquanto existirem florestas, que é impossível se desenvolver enquanto houver povos indígenas; essa é uma dicotomia falsa. É óbvio que é possível desenvolver a Amazônia com toda a sua diversidade de povos. A Amazônia não pode continuar sendo vista como uma fronteira agropecuária, como uma província mineral ou energética. A região é muito mais que isso e tem um papel para muito além disso, como na regulação climática do globo, na conservação da biodiversidade, que será, no século XXI, importante para o desenvolvimento de uma outra economia.
Não podemos, em nome de uma economia predatória do ponto de vista ambiental e excludente do ponto de vista da renda, aceitar que povos indígenas sejam destruídos e que a floresta seja destruída. O Estado brasileiro tem que colocar civilidade nessa discussão: a economia brasileira não é civilizada e a economia da Amazônia é colonial, porque se comporta como se estivéssemos no século XVII. É preciso que o Estado brasileiro dê civilidade ao processo econômico da Amazônia: o Estado precisa regrar, organizar, ordenar a economia na região.
Não estou defendendo que o Estado deve decidir tudo isso sozinho, mas é a sociedade que tem que discutir e dizer que basta de desmatamento, de exploração aos povos indígenas, de trabalho escravo. É preciso uma nova lógica que nos permita construir uma sociedade com outras bases, com civilidade, e não com essa loucura que se estabeleceu no Brasil de afirmar que índios, quilombolas e extrativistas não prestam. O que está errado é essa lógica colonial que permanece sobre a Amazônia.
IHU On-Line - Que tipo de desenvolvimento é possível e desejável para a Amazônia, considerando que existem várias propostas diferentes para a região? O que seria fundamental quando se trata de desenvolver a Amazônia? O que seria civilizar a Amazônia, como você sugere?
Danicley de Aguiar – Quando falo em civilizar a Amazônia me refiro à economia, porque tenho clareza de que o caminho está para ser construído. Não posso dizer que é esse ou aquele caminho, mas ele precisa ser construído em debate com a sociedade amazônica. Qualquer tentativa de se produzir um processo de desenvolvimento para a Amazônia que não seja dialogado com a sociedade local e regional, não vai funcionar, como nunca funcionou. Temos visto uma série de planos econômicos que deram errado porque a sociedade amazônica nunca foi incluída no debate. O processo tem que ser construído dentro das cidades amazônicas, em busca de uma economia diferente, porque a economia que destrói floresta para plantar pasto e commodities não vai funcionar na Amazônia.
Temos a maior zona de biodiversidade do mundo e precisamos ter uma economia pautada na biodiversidade. Se a maior riqueza da Amazônia é a sua biodiversidade, por que a sua economia tem que ser predatória da biodiversidade? Por que a economia da Amazônia tem que ser assentada em produção de grão, energia, minério ou petróleo, se a sua riqueza é a biodiversidade? O resto do mundo tem energia, tem ferro, tem petróleo, tem soja, mas não tem a biodiversidade que o Brasil tem. Nós temos os maiores recursos naturais do mundo e somos incapazes de construir uma economia pautada nessa biodiversidade. Este é o desafio: como construímos uma economia baseada na biodiversidade? Ao passo que isso ocorre, a floresta deixa de ser um passivo para ser um ativo.
O Brasil precisa repactuar o papel da Amazônia: tirá-la desse papel de província mineral e energética e de fronteira agropecuária e dar a ela um papel importante na economia do século XXI. Do contrário, não vamos a lugar algum e vamos continuar presos a essa economia colonial que está na Amazônia desde o século XVII. Este é nosso desafio: como libertamos a Amazônia dessa economia colonial que a aprisiona há mais de 400 anos? Não adianta trazer para a região um modelo econômico que concentra renda, porque agronegócio, hidrelétrica, pecuária concentram renda.
Estamos vivendo hoje uma favelização da Amazônia. Quem vem a Belém e a Manaus percebe que a pobreza explodiu na Amazônia. Os índices de qualidade de vida são os piores do país e com esse modelo econômico isso não vai mudar. Sempre tivemos esses problemas na Amazônia desde a época da colonização. Eu nasci no meio da Amazônia, em Santarém e convivo há 43 anos com essa farsa que o Estado brasileiro montou de que um dia o desenvolvimento chegará à região. Sempre digo que, primeiro, nós amazônidas devemos fazer a tarefa de nos libertar desta síndrome que vivemos, que é a síndrome da eterna espera pelo desenvolvimento. Precisamos entender que o desenvolvimento não vai chegar de fora para dentro, mas se constituir de dentro para fora. Assim vamos criar um novo papel para a região. Até lá temos que continuar combatendo essa economia colonial que está sendo imposta à região.
IHU On-Line – Você acompanha a situação de Altamira? Durante a construção de Belo Monte muitos especialistas alertavam para o aumento da pobreza e da violência na cidade e hoje fala-se que a situação piorou bastante depois da construção de Belo Monte. Qual é o cenário atual?
Danicley de Aguiar – Faz tempo que não vou lá, mas sempre converso com as lideranças da região. Os problemas de violência continuam, inclusive os índices de violência são alarmantes tais quais os de Belém: aumentou o tráfico de drogas, a prostituição continua, e a pobreza se espalhou de uma maneira que não se tem mais controle. De outro lado, todo o boom do progresso que a construção da hidrelétrica de Belo Monte traria já zerou e entramos na curva de declínio, ou seja, daqui para frente é “ladeira abaixo” até que o Estado consiga superar os impactos que foram criados. Não vejo, no curto prazo, nenhuma esperança de reverter esse quadro.
Está se discutindo novamente a construção de hidrelétricas na região, mas se tivermos mais uma hidrelétrica no Tapajós, vamos transformar aquela região num inferno. É tão evidente o impacto sobre Altamira, que Santarém, a partir do impacto que Belo Monte trouxe para a região, rejeita a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. A hidrelétrica na cidade gera empregos temporários durante a construção, mas a energia vai para São Paulo e o ICMS gerado é do destino e não da origem, e o rio será mutilado. Santarém tem uma economia muito forte no ecoturismo e o Tapajós é um elemento central nessa economia. Nesse sentido, Santarém quer investir mais em ecoturismo e não em hidrelétricas. As hidrelétricas interessam às indústrias de São Paulo e Minas Gerais, mas não a nós que vivemos na região.
Belo Monte não foi uma derrota, mas uma vitória do ponto de vista do debate, porque foi a primeira vez que conseguimos colocar em evidência um debate hidrelétrico no âmbito nacional. Belo Monte expôs esse modelo colonial e esse jeito de olhar a Amazônia como uma província e uma colônia. A sociedade local começou a se questionar sobre o futuro, sobre o que nos trará o desenvolvimento. Hoje a maioria das pessoas que vive em Altamira se arrepende da construção de Belo Monte, porque percebem que a obra só trouxe problemas. Além disso, tem coisas que não se mitigam: não se consegue compensar a perda de cultura de um povo indígena. Se um índio pesca, depois da hidrelétrica ele não consegue mais pescar e isso não tem compensação. Outra coisa que não tem compensação é o fato de a filha do moto-taxista ter se prostituído ou ter sido violentada. Isso não tem como compensar e não está na conta do plano de mitigação das hidrelétricas.
O custo social é muito grande e o ônus que a sociedade local paga é muito grande também. É injusto que a sociedade de Altamira pague esse preço todo para gerar quatro mil megawatts de energia para São Paulo. É disso que estou falando quando digo que temos de ressignificar o papel da Amazônia. É injusto pedir para uma cidade inteira pagar o preço porque precisa gerar energia para uma empresa que produz um produto obsoleto. O que a nossa economia tem produzido? O Iphone, o Samsung e o Motorola que usamos são produzidos aqui? Não, são produzidos na China. Os produtos com altos índices de uso de energia são produzidos aqui. Isto é, somos uma economia que é energointensiva e enquanto essa economia também não mudar no Centro-Sul — região de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro —, não haverá uma mudança significativa. Não estou falando só das empresas que produzem alumínio, estou falando da indústria brasileira em geral, que tem alto índice de intensidade energética se comparado ao da Europa. Ou seja, precisamos de uma indústria mais moderna, uma indústria que use menos energia, que produza parte da sua energia, e o empresário tem que pagar este custo. Não é a sociedade, não é o povo de Altamira que tem que pagar esse custo para que um empresário não pague o custo de inovação tecnológica.
A inovação tecnológica é um debate que precisamos fazer. Enquanto não houver inovação tecnológica, continuaremos demandando energia em uma conta infinita que nunca vai terminar. O Brasil, em vez de ficar discutindo se vai ou não continuar construindo hidrelétricas, precisa investir em energias eólica e solar, em ciência para construir alternativas de armazenamento de energias eólica e solar, tem que fazer a discussão sobre o uso de baterias, que vem sendo feita no mundo inteiro, discutir o uso do carro solar para armazenar bateria, como faz a Alemanha. Todos estão num debate que nós não fizemos e não queremos fazer porque não é interesse do empresariado brasileiro ficar gastando dinheiro com inovação tecnológica. Ter energia barata, é isso o que importa para eles, ter mão de obra barata, é isso que importa.
IHU On-Line — Além do modelo de desenvolvimento existente na Amazônia, existe uma política regional que tem dificultado outro tipo de desenvolvimento na região como um todo?
Danicley de Aguiar – Eu não diria nem que o Brasil se desenvolveu. Digo isso com tanta tranquilidade baseado na pauta de exportação, que tem, entre seus dez produtos principais, nove commodities e um manufaturado. Isso não é um país que se desenvolveu, isso não é um país que saiu da economia colonial. Não é possível um país ter nove commodities entre seus dez primeiros produtos de exportação. Que modelo de desenvolvimento é esse? Que desenvolvimento é esse, que gera pobreza aos milhões? Que gera desempregados aos milhões?
Se o Brasil não se desenvolveu, imagina a Amazônia, que sempre esteve na periferia do debate econômico nacional. O Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia, essa é a verdade; ele é muito constrangido a não destruí-la, porque sofre uma pressão da comunidade internacional, dada a importância da Amazônia para regulação do clima global. Por isso fica com essa crise de adolescente que não sabe se sai ou se fica em casa. O Estado brasileiro, nos últimos anos, se associou ao agronegócio, e o agronegócio sabe o que quer da Amazônia: ele quer terra, porque quer incorporar mais terra ao processo de produção.
A crise dos assassinatos dos defensores da terra e do meio ambiente a que assistimos no país é só a ponta do iceberg, porque quando se fala em Amazônia, milhares de lideranças sociais são criminalizadas, como aconteceu com o padre Amaro, em Anapu, e as pessoas são presas e escrachadas em praça pública. A morte é o cúmulo dessas coisas todas, mas antes da morte as lideranças estão sendo execradas diante da sociedade regional, colocadas como opositoras ao desenvolvimento. Isso porque o Estado brasileiro se associou à lógica de construção de hidrelétricas, à mineração. O Estado virou sócio da mineração, das hidrelétricas e do agronegócio na Amazônia, porque é o Estado brasileiro quem vai abrindo caminho para esses projetos chegarem.
A resiliência que essa região e seu povo têm é impressionante, porque se formos na Amazônia veremos centenas de comunidades lutando, brigando e resistindo para sobreviver, sejam elas urbanas ou rurais. Se alguém vier a Belém, onde moro hoje, verá a pobreza da cidade e uma pressão social enorme: as pessoas às vezes te assaltam com chave de fenda. A violência chegou a níveis exorbitantes: 77 assassinatos por 100 mil habitantes; é um número que nem o Rio de Janeiro tem. A violência se estabeleceu no Norte do Brasil.
Enquanto o Estado não sabe o que fazer com a Amazônia, o criminoso sabe. O PCC e o Comando Vermelho estão disputando Belém no tiro, estão disputando Manaus e Rio Branco. O tráfico de drogas viu na Amazônia um lugar possível de se desenvolver porque o Estado é frágil e a sociedade é carente. Os níveis de violência em Rio Branco, em Manaus e em Belém são quase intoleráveis. O que temos visto é a incapacidade do Estado brasileiro de entender a Amazônia, de saber o que fazer com ela, o que tem colocado a região em um processo de empobrecimento ainda maior. Por outro lado, o capital privado tem muito claro o que ele quer da Amazônia: ele está se preparando, vem aí toda a discussão de projeto de infraestrutura na Amazônia — que não é para a Amazônia, mas é na Amazônia. Trata-se de infraestrutura portuária, rodoviária, ferroviária e hidroviária, que deverá levar a um processo de hiper-exploração da Amazônia, que vai aprofundar todos esses conflitos que já vivemos hoje e todo esse processo de destruição do território.
O Estado brasileiro se resume a combater o desmatamento na Amazônia, mas isso não resolve os problemas. Combater o desmatamento é fundamental, mas a discussão para a Amazônia também é uma questão econômica: precisamos fazer um debate econômico sobre a Amazônia, não só um debate de comando e controle. Nós vamos mudar a economia da região? Proporemos uma economia biodiversa? O Dr. Carlos Nobre tem falado muito nisso nas suas palestras: é preciso discutir uma nova economia para a Amazônia, porque, do contrário, essa economia que ali está levará a região a um colapso. Mesmo os cientistas dizendo que é da Amazônia que saem as chuvas que irrigam o centro-sul brasileiro, isso não é motivo para que essa economia poupe a região ou, pelo menos, para que se mude a economia dessa região.
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A favelização da Amazônia e a necessidade de repactuar o papel da floresta na economia do século XXI. Entrevista especial com Danicley de Aguiar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU