Rumo a uma Igreja sem padres? Um só povo de Deus, muitos ministérios. Um debate

Capa do ofício divino das comunidades, ed. Paulus

06 Julho 2021

 

No Ocidente, está caindo o número de presbíteros, mas não está diminuindo o clericalismo. Enquanto nas paróquias tudo continua girando em torno da figura do padre, o Papa Francisco se concentra nos ministérios instituídos reconhecendo o papel dos catequistas e abrindo às mulheres o leitorado e o acolitado.

Estamos indo rumo a uma Igreja em que o único povo sacerdotal exercerá diversos ministérios, ordenados e instituídos? Será um tema do próximo Sínodo? Debatemos sobre isso nestas páginas com quatro pastores e estudiosos.

Há um paradoxo na Igreja italiana e, em geral, na ocidental: os padres estão em queda constante e os que estão em serviço se tornam cada vez mais idosos. No entanto, não diminui a taxa de “clericalismo” com o qual a vida eclesial está organizada.

Os números, por outro lado, falam por si sós: os sacerdotes diocesanos na península são cerca de 32.000; em 1990, eram 6.000 a mais. Mas o que preocupa é sobretudo a idade: hoje, um terço do clero tem mais de 70 anos, outro quinto tem mais de 80 e apenas um padre em cada 10 tem menos de 40 anos.

No entanto, tudo continua girando em torno da figura do presbítero, verdadeiro dominus tanto da gestão administrativa quanto da pastoral, salvo raras e tímidas experimentações em que os leigos e as religiosas também assumem cargos institucionais. No entanto, esta última parece ser a direção em que o Papa Francisco está se movendo, que, com o motu proprio Spiritus Domini (10 de janeiro de 2021), admitiu as mulheres ao ministério do acolitado e do leitorado, e, com o Antiquum ministerium (10 de maio de 2021), introduziu o ministério instituído do catequista.

São figuras com cargos pastorais reconhecidos, que se somam ao do sacerdote, quase delineando um novo rosto da paróquia, em que um colégio de batizados se ocupa conjuntamente da condução da comunidade.

Será que o rosto futuro das paróquias poderia ser, portanto, “pluriministerial”, não mais centrado completamente na imagem tridentina do sacerdote? Por que há tantas resistências em ir nessa direção? E quais cenários se abrem?

Falamos sobre isso neste debate em que reunimos em torno de uma mesa virtual algumas vozes autorizadas de protagonistas e especialistas. Convidados pela redação da revista Jesus, intervieram em videochamada Dom Erio Castellucci, 60 anos, arcebispo de Modena-Nonantola, bispo de Carpi e novo vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI); Paola Lazzarini Orrù, 45, presidente do movimento Donne per la Chiesa [Mulheres pela Igreja] e autora do livro “Non tacciano le donne in assemblea. Agire da protagoniste nella Chiesa” [Não calem as mulheres na assembleia. Agir como protagonistas na Igreja, em tradução livre] (Ed. Effatà, 2021); Marco Marzano, 58 anos, professor de Sociologia da Universidade de Bérgamo, especialista em processos organizacionais e estudioso dos aspectos sociológicos do catolicismo, autor do livro “La casta dei casti. I preti, il sesso e l’amore” [A casta dos castos. Os padres, o sexo e o amor, em tradução livre] (Ed. Bompiani, 2021); e, por fim, o Pe. Dario Vitali, 65 anos, diretor do Departamento de Teologia Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana e estudioso de eclesiologia e ministérios, autor do livro “Diaconi: che fare?” [Diáconos: o que fazer?, em tradução livre] (Ed. San Paolo 2019).

A reportagem é de Giovanni Ferrò e Paola Rappellino, publicada por Jesus, de julho de 2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Os padres são cada vez menos e cada vez mais velhos, mas até agora a principal resposta ao fenômeno tem sido de tipo organizacional: as paróquias foram reunidas de várias maneiras em “comunidades” ou em “unidades pastorais”, nas quais quase sempre a paróquia não é suprimida ou fundida com outra, mas simplesmente várias igrejas são confiadas a um único presbítero. É possível ir em outra direção?

 

Erio Castellucci – A diminuição dos presbíteros, especialmente no Ocidente, certamente é muito forte, e não se esperam mudanças de rota, pelo menos em breve. Uma resposta inadequada seria manter a estrutura pastoral das nossas comunidades cristãs como ela é e buscar respostas em outros lugares. Isto é, não se trata de encontrar “substitutos”, sejam eles padres imigrantes ou outras figuras que, mesmo não sendo presbíteros, continuam fazendo a comunidade depender de uma única pessoa. O caminho – que várias dioceses estão tomando – é imaginar uma experiência diferente de Igreja, que seja mais dinâmica, menos ligada a lugares individuais, menos dependente dos padres, mais animada por pessoas que desempenham ministérios diferentes – não apenas ministérios instituídos, mas também outros serviços –, mais confiada aos leigos. E eu diria também dotada de estruturas mais funcionais, porque aquelas que nós temos – não só estruturas materiais, mas também as pastorais e espirituais – foram pensadas para um número de presbíteros muito maior, o triplo ou o quádruplo do atual e, sobretudo, apenas de presbíteros, isto é, foram sistematizadas de um modo bastante clerical. Para as Igrejas locais de hoje, algumas estruturas são uma herança muito pesada: devemos ter a coragem – até mesmo correndo o risco de sermos impopulares – de reestruturar os bens que podem verdadeiramente estar a serviço do Evangelho e das pessoas, especialmente dos mais desfavorecidos, mas não devemos perder tempo e energias demais tentando conservar aquilo que, pelo contrário, não serve mais.

 

Marco Marzano – Tenho uma opinião um pouco diferente: isto é, creio que a crise do recrutamento do clero existe sobretudo no Sul do mundo (onde o número de católicos cresceu muito nas últimas décadas) e não no Ocidente, onde a secularização avançou de forma clara e a diminuição do clero andou de mãos dadas com a dos fiéis. Na Itália, em particular, o número de padres ainda é muito alto: 32.000 diocesanos e 20.000 religiosos, um padre a cada 1.000 habitantes. E o número total gira em torno de 13% do clero mundial. Em comparação com 30 anos atrás, os padres diocesanos caíram apenas 16%. É claro, eles são menos e mais idosos, mas diminuíram em uma medida superior aquelas coisas que os padres devem fazer, a sua carga de trabalho, por assim dizer: basta pensar que os matrimônios religiosos em 1991 eram 257.000 e que, no ano passado, foram apenas 97.000. E, também por causa do declínio demográfico, diminuíram os batismos, as crismas, as presenças na igreja... Portanto, como diz o bispo Castellucci, o problema no Ocidente é sobretudo o das estruturas e, para ser ainda mais claro, do número de paróquias que são mantidas abertas quando quase não há mais quem as frequente. Bastaria fechá-las para resolver boa parte do problema, ou seja, para evitar que se empregue no vácuo boa parte do pessoal eclesiástico. A secularização esvaziou os lugares sagrados e tornou necessária uma quantidade de padres inferior do que no passado: este é o ponto. Se eu comparar, por exemplo, Modena com Nairóbi, devo constatar que, na primeira, o clero diminuiu ligeiramente; na segunda, a população decuplicou, uma população que não só não é secularizada, mas que se converteu ao catolicismo. No Sul do mundo, há muitas vocações, mas há limites na capacidade de formar o clero. Portanto, no Ocidente, não existe a urgência objetiva de remediar o déficit de sacerdotes. Se se quer reformar o sacerdócio, é preciso querer isso. As coisas não vão mudar pela presença de um elemento objetivo que torna uma reforma inevitável, mas só se houver uma vontade reformadora suficientemente forte.

 

Paola Lazzarini Orrù – Eu vejo o futuro da Igreja com uma presença do clero mais minoritária como uma enorme oportunidade. O problema não é o número de padres, mas o grande espaço que eles ocupam dentro das comunidades. Então, imagino uma Igreja que finalmente supere o modelo feudal, que não tenha mais na paróquia o único eixo em torno do qual se constrói toda a sua presença. Mas diria mais: uma Igreja que deve manter em mente o fato de que a presença física e territorial não é a única com a qual é preciso lidar. No lockdown, todos experimentamos uma vida comunitária e formas de ritos que foram vividos fora das paróquias, que nos colocaram em comunicação e criaram comunidades sem ter o seu eixo no pertencimento territorial. É claro que os sacramentos são os nossos “pés no chão”, que nos fazem ficar fisicamente no território. Mas existe toda uma outra dimensão da partilha, da oração, do apoio recíproco que é cada vez mais – e provavelmente em parte sempre foi – extraterritorial e também vive fora das paróquias. Se eu penso na minha experiência, a comunidade em que eu vivo, com a qual sinto que cresço mais, com a qual compartilhei os momentos de oração nas datas mais importantes do ano litúrgico, é uma comunidade de mulheres espalhada pelos cinco continentes. Pois bem, tudo isso, em alguns aspectos, nos desvincula da necessidade de ter o padre como nó de todas as redes e, por outro lado, devolve aos sacerdotes a sua função primária, não necessariamente a de serem animadores em todos os níveis, em todos os contextos, da comunidade. Parece-me que existe um laicato pronto e preparado, masculino e feminino, que vem de percursos importantes de formação, que em parte já está comprometido e em parte ainda precisa ter o espaço que merece. É preciso uma Igrejacaçadora de talentos”, que permita que os talentos venham à tona, que permita que quem tem o carisma – não no sentido deletério – dê um passo à frente. Parece-me que este último motu proprio, que ampliou às mulheres a possibilidade de acesso ao leitorado e ao acolitado, também delineia uma comunidade que reconhece que há mulheres e homens que têm o carisma do serviço ao altar, da proclamação da Palavra, da catequese... A comunidade identifica essas pessoas, apresenta-as ao bispo, e o bispo as institui no seu papel. Neste círculo de corresponsabilidade, pode-se pensar em uma Igreja na qual os padres verdadeiramente sejam apenas padres.

 

Dario Vitali – Parece-me que não se refletiu o suficiente sobre a relação entre ministério e Igreja. De fato, existe um vínculo fundamental, uma circularidade – virtuosa ou viciosa – entre o modelo de ministério e o modelo de Igreja: um determina o outro e vice-versa. A falta de implementação de um se reflete pesadamente também sobre o outro. É totalmente evidente que a fadiga na recepção do modelo conciliar da Igreja, com todas as oscilações e as tensões do pós-Concílio, privou o modelo de ministério do seu necessário termo de comparação. Não é por acaso que, até hoje, se tentou reiterar o modelo tridentino de ministério. Por isso, a estrutura ou a concepção clerical do ministério ainda é dominante. A última ratio, “O dom da vocação presbiteral” (2016), no fundo, também é um ajuste de enfoque que não faz uma mudança de horizonte, nem uma mudança de compreensão, acima de tudo da Igreja e, em relação à eclesiologia, também do ministério. Na ratio, falta totalmente uma eclesiologia de referência, determinando que o ministério se torne autorreferencial e, portanto, problemático.

 

O Concílio foi o evento que mais contribuiu para a mudança da Igreja Católica no último século e meio, mas o Presbyterorum ordinis, isto é, o documento conciliar sobre a figura do sacerdote e sobre o ministério, é considerado, segundo vários especialistas, um dos textos mais frágeis e menos incisivos do Concílio. É por esse motivo, na opinião de vocês, que permanecemos ancorados no único modelo que conhecíamos, ou seja, o modelo tridentino de sacerdote e de organização? Ou há algo mais?

 

Erio Castellucci – Eu me permito discordar da pergunta, porque não acho que o Presbyterorum ordinis seja tão fraco como se disse. Em vez disso, a recepção é que foi bastante fraca – como mencionava o Pe. Dario antes –, porque esse decreto, na realidade, havia introduzido algumas perspectivas – relendo a fundo os dados bíblicos e a tradição antiga, e não apenas a tradição pós-tridentina – que eram uma virada em relação à tradição recente. Por exemplo, chegou ao Concílio um conceito sacral e cultual de ministério: dizia-se que o sacerdote está habilitado a celebrar a Eucaristia e a absolver os pecados – esta era a teologia de Trento, pelo menos a recebida –, e o Concílio disse que os presbíteros – muda também a terminologia, em vez de sacerdotes – são enviados primeiro para a pregação e o anúncio do Evangelho, depois para celebrar e para guiar na vida pastoral. Assim, paradoxalmente, se poderia dizer que, quanto menos cristãos houver, mais é preciso “fazer” um padre, porque ele deveria recomeçar a partir do anúncio e da aproximação com as pessoas que vivem onde ele está. E depois, segunda virada, o Concílio retirou a figura dos presbíteros de um certo individualismo. Antes, falava-se sempre no singular, “o sacerdote”. Até nos seminários se insistia muito na formação individual. O Concílio Vaticano II diz que existe “o presbitério”, dentro do qual estão os presbíteros, e quase sempre fala dos presbíteros no plural, ou seja, redescobriu o fato de que eles são um “corpo”. Em suma, o Presbyterorum ordinis tinha moldado uma imagem dos presbíteros de tipo missionário, dentro da missão da Igreja, porque primeiro fala da missão de toda a Igreja e depois, aí dentro, fala da missão dos presbíteros, e não vice-versa. Porém, a recepção foi imediatamente bastante controversa: no fim dos anos 1960 já havia novamente ambas as polarizações: por um lado, havia quem tivesse voltado para a visão de antes, uma visão muito vertical e sacral – o sacerdos alter Christus, o sacerdote dedicado à Eucaristia –, por outro, em reação, havia quem já dizia: “Amanhã teremos uma Igreja sem padres”. O título mais ou menos do nosso encontro está em um livro de 1968 de Jacques Duquesne, que se intitula exatamente assim: “Uma igreja sem clero?”... A impressão é que a recepção do Presbyterorum ordinis foi canalizada em dois lados contrapostos. A crise de identidade, a crise numérica certamente não favoreceu uma recepção global.

 

Dario Vitali – Concordo com Dom Castellucci sobre a questão da recepção do Presbyterorum ordinis. É um documento de reforma, de renovação, como foi o decreto De reformatione para o Concílio de Trento, que instituía os seminários e tentava renovar a vida sacerdotal. Fez-se um longo caminho com o Presbyterorum ordinis. Basta lembrar em sequência os títulos dos esquemas para o debate na sala do Concílio: De clericis, o primeiro; De sacerdotibus, o segundo; Presbyterorum ordinis, o terceiro. Mas, se focamos a atenção no Presbyterorum ordinis, não pensamos no ministério ordenado, mas em uma das ordens em que ele se articula. O risco é fazer a transposição do modelo tridentino, que ordenava uma escala de sete ordens, quatro menores e três maiores, com o sacerdócio no vértice, dignificado com a potestas ordinis, com o presbiterado que o Concílio recuperou. Na realidade, o Presbyterorum ordinis deve ser interpretado à luz do quadro do ministério desenhado pela Lumen gentium a partir da sacramentalidade do episcopado. Tendo colocado a plenitude do sacramento da Ordem no bispo (cf. Lumen gentium, n. 21), o Concílio restabeleceu a estrutura hierárquica dos primeiros séculos, articulada em bispos, presbíteros e diáconos. A busca destes últimos foi retomada como “grau próprio e permanente da Igreja” (LG, n. 29) depois de séculos de diaconato transitório. Além disso, o Concílio sublinha o ministério como forma de serviço radical ao povo de Deus, que é povo sacerdotal. Uma verdadeira atenção ao sacerdócio comum do Povo de Deus, na participação dos batizados na função profética, sacerdotal e real de Cristo, permitiria uma verdadeira redescoberta de vocações, carismas, ministérios que não só realizariam uma Igreja totalmente misteriosa, mas também teriam a vantagem de desestruturar uma Igreja clerical demais, circunscrevendo os ministros ordenados no âmbito da sua função específica.

 

Relancemos a questão de uma forma um pouco rude: a teoria é perfeita, é estupenda, mas a prática foi em outra direção. O termo “presbítero” tem sido um sinônimo um pouco mais culto, que entrou pouco no uso comum, para dizer exatamente a mesma coisa que antes. No máximo, a figura do presbítero, precisamente por ter sido pressionado a sair do âmbito unicamente litúrgico, sacramental, celebrativo, viu-se lidando com ainda mais coisas do que no passado. Assim, recaiu-se em uma situação que é impossível de imaginar mais clerical?

 

Marco Marzano – Em síntese extrema, como estudioso, eu vejo assim: uma grande estrutura como a Igreja Católica, a mais importante, impressionante, extraordinária organização da história humana, com 2.000 anos de história, com um enraizamento enorme, não muda pelas mãos dos teólogos. A Igreja é uma estrutura de poder – do modo como nos foi transmitida até hoje – baseada em três pilares: o poder dos homens sobre as mulheres; o do clero sobre os leigos; e o de Roma sobre o resto do mundo. Essas três características são o núcleo duro que se cristalizou ao longo do tempo. A cristalização é a consequência de uma inércia estrutural que diz respeito a todas as organizações e certamente não apenas à Igreja Católica. A inércia se manifesta também na permanência de uma atitude conservadora enraizada na classe dirigente, mas também no povo. Além disso, deve-se levar em conta que a mudança seria muito custosa, a ponto de produzir um cenário altamente incerto. Em outras palavras, se sairmos do velho modelo, para onde iremos? Quem deveria promover uma mudança, portanto, deveria ser uma classe dirigente eclesiástica que decidisse que as reformas devem ser feitas de forma absoluta, a todo o custo. Mas também seriam necessárias pressões populares reformadoras, que não me parecem existir ou que, no mínimo, não são suficientes hoje.

 

Paola Lazzarini Orrù – A Igreja Católica é uma das poucas instituições que consegue conter multidões em seu interior: dentro dela podem caber desde os Legionários de Cristo até nós, Mulheres pela Igreja. Isso me impede de olhá-la do mesmo modo como outros tipos de organizações podem ser estudados: é verdade que é uma estrutura muito rígida, mas, sendo um corpo vivo, em seu interior, ela é muito mais dinâmica do que pode parecer. Dito isso, a inércia é clara e evidente. Além disso, se eu olhar para as questões que mais me são caras, ou seja, a situação das mulheres na Igreja, não é apenas inércia; há realmente um obstáculo muito alto que nos impede de entrar como iguais, de forma corresponsável e de fazer com que à igual dignidade que teoricamente nos é reconhecida correspondam direitos iguais. Além disso, pensando precisamente no fato de que existe um povo sacerdotal que é o principal sujeito da missão da Igreja, do qual os presbíteros são servos, eu vejo uma profunda contradição no fato de os presbíteros se autocandidatarem a identificar as pessoas certas para o serviço dentro das comunidades. E que a sua única – digamos assim – relação de prestação de contas seja sempre voltada para cima e nunca para a comunidade. Explico-me: teoricamente (por sorte, a realidade é um pouco diferente) um padre, desde que não descontente o seu bispo, pode fazer o que quiser na paróquia. E ele também depende do bispo para o seu sustento. Ele responde ao bispo até mesmo quando comete ações aberrantes. Tudo isso nos colocou na condição de pensar o padre e a paróquia como um centro de serviços: no fundo, eu não tenho a possibilidade de dizer nada sobre o trabalho do meu pároco, mas ao mesmo tempo tenho o direito de exigir uma série de serviços assim como eu poderia exigir de um cartório. É um curto-circuito, porque na realidade haveria um laicato pronto, preparado, responsável. Então, para mudar algo, eu vetaria as autocandidaturas. Ao invés disso, na seleção dos aspirantes às Ordens, não só são aceitas as autocandidaturas, mas até, por ânsia de vazios a serem preenchidos, acolhem-se pessoas extremamente problemáticas. É necessário devolver à comunidade a centralidade na missão do anúncio e também na seleção dos próprios pastores.

 

Erio Castellucci – Certamente, a recepção do Vaticano II, em certos aspectos, recém-começou. O Concílio não desposou uma Igreja democrática, mas tentou lançar as bases para superar a ideia de uma Igreja monocrática. Agora, a palavra em voga com o Papa Francisco é “Igreja sinodal”. Para chegar lá, será preciso caminhar muito ainda. Para o nosso debate, lembro algumas coisas. A primeira: está em curso uma discussão sobre a reforma dos seminários. Não se trataria – pelo menos esta é a esperança de alguns, inclusive a minha – simplesmente de uma reforma cosmética, mas estrutural. É preciso imaginar modalidades diferentes de preparação para o ministério, por exemplo, mais inseridas nas comunidades cristãs, em contato com as famílias. É muito interessante também a proposta de Lazzarini de formas de discernimento por parte de toda a comunidade cristã: hoje, no momento da ordenação, o bispo, por meio do reitor do seminário, verifica o candidato. A fórmula diz: “Pelas informações recebidas do povo cristão e daqueles que cuidaram da sua formação, posso atestar que ele é digno”. Porém, enquanto aqueles que cuidaram da formação são bem definidos, as informações coletadas junto ao povo cristão são um tanto genéricas. No meio disso, há ainda o celibato, pelo qual se torna um pouco difícil na prática que seja a comunidade que apresente uma pessoa ao presbiterado, porque, na forma do ministério atual no Ocidente, primeiro deveria haver a escolha celibatária e depois a disponibilidade ao ministério. As modalidades – o professor Marzano nos falava disso justamente – não são um apanágio da teologia, que certamente não pode fazer reformas sozinha, mas creio que algumas ideias virão pouco a pouco de baixo. Talvez a redução numérica – e me permito dizer também os escândalos tão detestáveis – também ajudará a purificar os critérios de escolha. Entre outras coisas, hoje cada vez mais quem amadurece a vocação ao ministério já viveu uma parte importante da sua experiência de jovem – e às vezes de adulto –, e isso poderá ir no sentido de um ministério mais inserido na comunidade ou até que a comunidade possa ajudar a discernir as vocações.

 

Dario Vitali – Lembro-me de uma pequena anedota de algum tempo atrás, quando três estudantes das Igrejas orientais se apresentaram no meu gabinete da universidade para verificar a sua posição no curso de licenciatura em Teologia. Para um dos três, havia a urgência de terminar até junho, porque ele tinha que se casar antes de ter acesso à ordenação presbiteral. Então, eu interroguei os outros dois sobre os seus projetos. Um queria se casar, o outro havia decidido pelo celibato. Em relação a essa situação aberta, a Igreja latina prefere manter a lei eclesiástica do celibato para todos. Esse vínculo, de fato, condiciona toda a tentativa de repensar o ministério ordenado, afligido hoje por uma crise profunda. Não é estranho à crise o fato de que a “fome” de padres para garantir um sistema clerical leva muitas vezes a abaixar o limiar de acesso às Ordens e, em todo o caso, a manter a idade de ordenação aos 24 anos, confiando imediatamente responsabilidades de governo quando um homem ainda não está pronto para funções desse tipo. Estou convencido de que é necessário deslocar a ordenação para mais adiante, quando as pessoas estiverem mais maduras. Eu diria, em termos de provocação, que a questão mais decisiva não está no celibato, mas na maturidade da pessoa. Se os candidatos ao ministério – jovens e menos jovens – não forem pessoas maduras (e não por culpa deles, mas por não se respeitar os tempos do amadurecimento), eles serão incapazes de um serviço de verdade. Mas quem discerne se um candidato é maduro? Apenas o seminário? Apenas o bispo, muitas vezes contra o parecer da equipe de formação? Onde está a parte da comunidade, do Povo santo de Deus? Um estudante meu, um presbítero luterano da Finlândia, me contava que, na sua formação, as comunidades em que ele desenvolveu o serviço expressaram uma avaliação que, para o bispo, era determinante admiti-lo à ordenação. Por que não introduzir uma escuta do sensus fidei para a ordenação dos presbíteros? Por que não implementar o sistema de consulta do Povo de Deus também sobre esse ponto, já que se tornou uma norma para o processo sinodal, como fica evidente na constituição apostólica Episcopalis communio sobre o Sínodo dos Bispos?

 

Na opinião de vocês, a questão da obrigação do celibato é realmente um dos problemas?

 

Dario Vitali – Eu acho que se trata de uma questão incontornável. Não se pode deixar de abordá-la, porque muitas vezes – com ou sem razão – ela foi indicada como resolutiva. Eu não creio que ela o seja, mas, se falta um pronunciamento preciso, o risco é de que ela sempre seja apontada como a causa da crise atual.

 

Erio Castellucci – Concordo com o Pe. Dario Vitali sobre ambas as avaliações. Creio que ela deverá ser abordada de forma ampla e com critérios eclesiais, não somente psicológicos ou sociológicos. E não na chave da queda dos presbíteros, porque não sabemos qual é o número ideal de presbíteros no mundo. Certamente, o número ideal não é o de que precisamos para fazer funcionar as nossas estruturas, mas aquele que o Espírito suscita para a evangelização. Sobre o celibato, porém, não se pode falar apenas como de um obstáculo ao ministério. O celibato, da forma como é pensado – e acredito que ele é vivido assim por muitos – é, antes, abraçar como a própria família as pessoas às quais se é enviado, sem paternalismos, mas de modo fraterno, de modo também afetivamente importante. Não é só uma questão de ter ou não ter tempo. Mas nada impede que, do ponto de vista doutrinal, no futuro, a Igreja Católica do Ocidente, assim como a Igreja Católica oriental, continuando a escolher os bispos entre os celibatários, possa escolher os presbíteros entre os celibatários e os casados. Além disso, há também o precedente dos anglicanos que passaram para a Igreja Católica com o Papa Bento XVI. Mas, se o debate se configurasse como uma “solução” para a redução numérica dos presbíteros, a meu ver ele começaria com o pé errado. É preciso pôr-se à escuta do Espírito.

 

Marco Marzano – Para mim, o celibato é a questão número um. É o tijolo sobre o qual se assenta todo o pilar do clericalismo, de um certo modo de funcionamento da Igreja Católica. É a pedra que, se removida, poderia provocar o início de uma mudança gigantesca. Porque o padre celibatário e casto acaba coincidindo com uma figura sacral, inevitavelmente diferente daquela dos pobres leigos, vítimas de necessidades e desejos, afetivos e sexuais, que o padre, nesse esquema, não teria ou que seria capaz, com sucesso (e heroísmo), de manter sob controle. Em última análise, o sacerdote casto e celibatário parece ser mais semelhante a Jesus Cristo do que aos reles mortais: ele vive uma vida de constante sacrifício pela salvação de todos. E todas as fantasias que são associadas à sacralidade do padre são claramente deletérias para a afirmação daquela Igreja da qual me parece que todos vocês estão falando, como católicos, isto é, daquela Igreja que prevê a partilha e a corresponsabilidade. Seria interessante ver que tipo de relação se estabeleceria entre o clero e os fiéis se o clero não fosse mais celibatário. Por fim, gostaria de assinalar um problema: se a disciplina do celibato fosse mudada, seria preciso enfrentar também o tema da homossexualidade. Porque, se nos limitássemos a tornar o celibato opcional, correríamos o risco de gerar, na fantasia popular, a ideia de que se um padre se casa é hétero, enquanto se escolhe o celibato é gay. Vocês podem me dizer que obviamente a vocação ao celibato não coincide com uma condição de homossexualidade, e eu concordo. Porém, se essa questão não for abordada, corre-se o risco de ver o problema que saiu pela janela entrar novamente pela porta.

 

Paola Lazzarini Orrù – É bem verdade que as pessoas custariam a entender, mas também é verdade – pelo menos por aquilo que eu posso registrar, no sentido de que essa vida de padre, em alguns aspectos, já fala pouco a um homem de 50 anos que tem que pensar na hipoteca, corre o risco de perder o emprego, se preocupa em educar os filhos... Ele tem outro homem na sua frente que só tem que pensar em unir a catequese com os funerais. Eu não acho que a sua “oferta de vida” seja ainda percebida como um testemunho. Além disso, também será necessário abordar a questão da ordenação das mulheres. O fim do celibato obrigatório e as mulheres padres não vai frear a secularização, não vão servir para manter os fiéis na igreja, mas a ordenação das mulheres é uma questão de justiça. Uma daquelas coisas que se fazem porque são justas, e não por questões de táticas. Afinal, temos a função apostólica das mulheres diante dos nossos olhos em todas as representações do dia da Páscoa. Não podemos mais continuar fingindo que isso não existe, até porque as mulheres, nesta fase, são as que estão indo embora mais rapidamente, e vão para onde? Para outras Igrejas, nas quais o fato de serem mulheres não é um elemento de discriminação, ou constroem suas próprias experiências.

 

É possível chegar a uma efetiva “pluriministerialidade”, libertando a figura do padre e levando-a de volta àquilo que é próprio desse ministério? E, na opinião de vocês, tudo isso poderá ser discutido no próximo Sínodo?

 

Erio Castellucci – Certamente surge a necessidade de abordar aquilo que é essencial na Igreja italiana e universal de hoje, à luz da experiência da pandemia, não só em sentido sanitário, mas também religioso, cultural, social, econômico... Acho que, no Sínodo, se se fizesse a pergunta sobre o que é realmente essencial, tentando precisamente discernir entre o que é verdadeiramente evangélico e aquilo que é superestrutural, já seria bastante.

 

Dario Vitali – Penso, porém, que será decisivo abordar as questões referentes à sinodalidade. Parece-me que esse é o único caminho verdadeiro, que está realizando uma recepção do Vaticano II, inserindo um debate de verdade que pode levar a uma reavaliação das posições. Deve ser posto em prática aquele processo sinodal desenhado pela constituição apostólica Episcopalis communio (2018) de Francisco, que infelizmente passou em silêncio. Fazendo o Sínodo passar de evento a processo, o papa indica três fases de um processo que realiza a participação de todos na Igreja: a consulta ao povo de Deus, o discernimento sobre as realidades que surgiram do povo de Deus e a implementação daquilo que foi decidido com base em uma escuta e em um diálogo contínuo. Portanto, acho que é possível começar a fazer perguntas de grande importância como o direito de palavra, o direito de decisão com base na corresponsabilidade, dar importância ao consenso – aquilo que na Igreja antiga era conhecido como conspiratio – para se chegar a um pensamento compartilhado e a uma prática compartilhada. Quando sou interpelado sobre questões como o sacerdócio para as mulheres ou o celibato, eu digo: de um ponto de vista doutrinal, o consenso da Igreja é dirimente. Consenso que não deve ser identificado com uma espécie de opinião pública eclesial: trata-se de uma realidade que provém do Espírito, quando nos colocamos à escuta uns dos outros. Em um discurso histórico sobre a Igreja sinodal (17 de outubro de 2015), o papa descreveu a Igreja sinodal como “uma Igreja da escuta”, na qual, quando todos se escutam – Povo de Deus, bispos, bispo de Roma –, escuta-se verdadeiramente aquilo que o Espírito diz à Igreja. Por outro lado, creio que os objetivos não podem ser alcançados reivindicando-os, porque o efeito seria apenas o encastelamento por parte de quem detém o poder. A única possibilidade é a do debate, do diálogo, da escuta: isso promete uma Igreja sinodal. O próximo Sínodo dos Bispos poderá ser uma grande, grandíssima oportunidade nesse sentido. Também por causa do protagonismo do Povo de Deus. Aqui tomo a liberdade de dizer que seria bom insistir no Povo de Deus, e não nos leigos, como ouço em muitos lados. Por quê? Na relação padres-leigos, jogada inevitavelmente no registro do poder, o risco é de que os leigos acabem sempre em uma posição subordinada. Prefiro insistir no Povo de Deus, em relação ao qual o ministro é sempre aquele que serve. Na minha opinião, é uma questão de grande importância, que permite introduzir o tema do sacerdócio comum como fundamento dos carismas, ministérios, vocações, uma realidade multiplicada na ordem do Espírito que pode fazer uma Igreja verdadeira e totalmente ministerial.

 

Marco Marzano – Existem dois obstáculos à pluriministerialidade: um é que a pressão pela mudança, interna e externamente, é insuficiente. Ela existe em setores limitados da opinião pública daquela parte do mundo, o Ocidente, na qual a religião está desaparecendo ou se marginalizando. Na África e na Ásia, predomina uma atitude oposta. Como você pode falar nesses países sobre a mudança da disciplina sobre a homossexualidade? Como você pode falar sobre um papel diferente para as mulheres? O segundo obstáculo consiste no fato de que uma elite em geral não se suicida propondo uma mudança que não a coloque mais no centro, que a empurre para as margens, para longe do poder. Custo a encontrar um precedente histórico de um gesto tão incompreensível e louco. É mais fácil encontrar casos de grandes mudanças ocorridas como resultado de revoluções, ou de “grandes reformas” introduzidas para evitar o colapso do sistema, mas, neste caso, o fato é que o “sistema Igreja Católica” não está colapsando. Ele está bem longe de estar perto do fim.

 

Neste momento, certamente não é o protesto interno que gera massa crítica, mas é precisamente a hemorragia de fiéis. Um problema que é percebido com uma forte lucidez pelo Papa Francisco...

 

Marco Marzano – O problema é que a hemorragia não depende dessas reformas não realizadas. Lazzarini também disse isto: se a Igreja fizesse as reformas, certamente não haveria mais gente na missa. Os anglicanos fizeram essas reformas, e ninguém voltou à igreja... A hemorragia é determinada pelo fato de que, no nosso tempo, as pessoas não acreditam mais em Deus. Esse me parece ser o problema.

 

O problema é obviamente tornar o Evangelho de Jesus Cristo mais transparente e mais compreensível para os homens e as mulheres de hoje. Mas o debate está aberto sobre quais passagens e qual caminho isso acarreta...

 

Paola Lazzarini Orrù – Neste momento, está em curso um “experimento”, o Sínodo da Igreja alemã, no qual existe uma propensão generalizada à mudança. Eu tenho contatos diários com as minhas amigas do Maria 2.0 (o movimento de mulheres alemãs que reivindica a igualdade de gênero na Igreja) que me falam de velhinhas que lhes dizem: “Isso que vocês estão fazendo, façam também por nós”. É claro que nós não somos a Alemanha, mas eu acho que – pelo menos no Ocidente – esse provavelmente será um caminho que muitos países acabarão trilhando. Outro ponto: as nossas – chamemo-las assim – reivindicações não são um privilégio das mulheres brancas e ocidentais. Aquilo que nós afirmamos, nós o compartilhamos com mulheres indianas, sul-africanas, filipinas... Ou, melhor, para elas há uma urgência maior. Quando eu ouço uma amiga da Uganda falando sobre o “estupro corretivo” que ocorre no seu país contra as mulheres lésbicas, com o aval e o silêncio cúmplice da Igreja local, então a ação que nós podemos fazer aqui tem ainda mais sentido para o Sul do mundo. A religiosidade ocidental está em declínio, mas eu gostaria que ela desempenhasse uma missão de, pelo menos, tornar esta Igreja um lugar mais habitável para todos, também para o restante do mundo que certamente será a Igreja do futuro.

 

Erio Castellucci – Nós, com razão, olhamos para alguns elementos que emergem e falamos do poder. Falemos dos bens e das estruturas. Sou eu quem introduzo esse assunto porque acho que ele é muito importante. Falemos das reivindicações. Mas existe uma ação pastoral cotidiana que não está muito preocupada com essas categorias. Se eu pensar nos encontros de hoje, por exemplo: falei com uma freira, com três párocos e com um casal, todas pessoas muito comprometidas, e esses temas nunca vieram à tona. Em vez disso, estavam preocupados em como ajudar os adolescentes que não conseguem se conectar com o EaD, em como ajudar algumas famílias em graves dificuldades econômicos devido à perda do emprego, em como reestruturar a catequese para que seja mais aderente às perguntas que os jovens têm... Eu acho que a ação do Espírito vai além de todas as nossas capacidades de leitura e perfura esse muro, às vezes tão duro, das estruturas das quais, com justiça, pedimos uma profunda reforma. E talvez seja precisamente essa base, esse trabalho cotidiano, essa atenção aos últimos, a quem efetivamente expressa necessidades profundas, materiais, afetivas, espirituais que representa a dimensão mais bela da Igreja.

 

Dario Vitali – Dos três blocos que condicionam a vida da Igreja, evocados pelo professor Marzano – do homem sobre a mulher, do clero sobre os leigos e de Roma sobre o restante do mundo –, eu creio que o mais facilmente modificável seja o terceiro. Tomo a liberdade de insistir no Episcopalis communio, que inova sobre o Sínodo de uma maneira tão importante a ponto de possibilitar o envolvimento de toda a Igreja e de todas as Igrejas no processo sinodal. Por outro lado, um sinal de grande novidade vem precisamente do Sínodo: se um dos dois subsecretários é uma mulher, aliás com direito a voto, só esse fato obriga a buscar outras soluções que não as tradicionais. Em suma, há um processo em curso, certamente lento, até mesmo hostilizado, dentro do qual os elementos para uma verdadeira reforma da Igreja já estão lá. A temporada que está se abrindo sob a insígnia da sinodalidade pode ser verdadeiramente decisiva para a vida e o caminho da Igreja.

 

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