As raízes milenares do clericalismo

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19 Junho 2020

Em um ensaio incisivo, Loïc de Kerimel volta a tratar do surgimento do clericalismo. Segundo ele, as dificuldades não estão relacionadas a disfunções conjunturais, mas ao sistema baseado no papel sagrado dos ministérios ordenados.

A reportagem é de Christophe Henning, em artigo publicado por La Croix, 18-06-2020. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.

En finir avec le cléricalisme
de Loic de Kerimel

Loïc de Kerimel, En finir avec le cléricalisme (Acabar com o clericalismo), Seuil. "E o véu do templo foi rasgado." A imagem é forte: não há mais separação entre o santuário e o mundo. Com Jesus, não há mais espaço sagrado, exceto no coração do homem. Por outro lado, destaca Loïc de Kerimel, "no primeiro século, não existe uma função sacerdotal independente nem um sacerdócio específico". É por isso que Marcel Cauchet fala do cristianismo como "a religião da saída da religião".

Então, de onde vem o clericalismo, dado que não aparece no Evangelho? Para entender esse tópico de ardente atualidade, o autor revisa vinte séculos da história da Igreja. Denunciando um mal profundo: "O clericalismo não deriva de uma forma de desvio, como o Papa dá a entender (na Carta ao Povo de Deus, 2018), mas do sistema clerical como tal".

Ausente desde o início do cristianismo, a organização clerical se estabeleceu entre o segundo e o terceiro séculos, algo que Loïc de Kerimel designa como a primeira contrarreforma: “Como entender que, apenas dois séculos após a morte de Jesus, a Igreja tenha se empenhado a refazer o que ele dedicara a vida inteira a desfazer: um sistema clerical”.

Uma organização para o melhor, considerando o percurso da Igreja na história ... e até para o pior, é o Papa Francisco que o diz: "O clericalismo gera uma divisão no corpo eclesial que encoraja e ajuda a perpetuar muitos males que hoje denunciamos".

E Loïc de Kerimel insiste: "Os leigos se tornam membros passivos de uma vida comunitária cujas alavancas estão em outras mãos". É verdade que o Concílio Vaticano II restaura um lugar ao "povo dos batizados", mas não enfrenta a dimensão clerical: "Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo” (Lumen Gentium).

Dessa maneira, o véu do Templo é recomposto, o que separa o puro do impuro, o profano do sagrado, aquele sagrado que está nas mãos dos ministérios ordenados. Bispos, padres e diáconos são "distintos da multidão", separados dos leigos e ainda mais das mulheres. Professor associado de filosofia e engajado na Amizade judaico-cristã, Loïc de Kerimel dedica grande parte de suas reflexões ao antijudaísmo cristão que se insere como a rejeição das origens. Paradoxalmente, enquanto a Igreja nascente retoma a estrutura levítica, a religião judaica se vê "dessacralizada e dessacerdotizada" após a destruição do templo em 70. A Eucaristia se torna o ápice com "o desvio sacrificial e sacerdotal da última ceia de Jesus".

Denunciando os laços entre a violência e o sagrado a partir dos estudos de René Girard, o autor revisita a Reforma de Lutero e o Concílio de Trento, que fortaleceu ainda mais o status do padre. Trabalhando em particular com a Conférence catholique des baptisé-e-s francophones, Loïc de Kerimel revela sua intensa irritação e suas convicções em relação à "reclericalização galopante" e defende o acesso das mulheres às funções de governo, de ensino e de culto e a supressão da ordenação.

Falecido em março antes da chegada de seu livro às livrarias, Loïc de Kerimel oferece um olhar convicto, comprometido e solidamente documentado para entender melhor o clericalismo, não em suas disfunções, mas em sua própria natureza. Um livro que pode perturbar e despertar o debate, propondo um questionamento copernicano que felizmente não carece de esperança: “O espírito do cristianismo está hoje totalmente envolvido: não nas formas religiosas obsoletas, estranhas ao mundo e culpadas de crimes e abusos, mas no humanismo cristão".

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