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20 Fevereiro 2020

O Nobel de Economia Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times, está na Espanha apresentando seu livro Contra los zombis. Economía, política y lucha por un futuro mejor (Editora Crítica), uma coletânea de dezenas de artigos em que desenvolve suas posições políticas e econômicas, mas, acima de tudo, faz furiosas críticas às ideias devoradoras de cérebros que, em sua opinião, são emitidas pelos conservadores nos Estados Unidos, apoiados por meios de comunicação “mentirosos” como o canal Fox News.

Krugman segue renegando o euro, embora admita que subestimou “o compromisso político das elites europeias com o euro e não esperava que permitissem que os países sofressem a dor e o sacrifício que a Grécia e a Espanha tiveram”. Nesse sentido, destaca que “a ideia de Bruxelas de que a Espanha precisa se concentrar na austeridade fiscal é realmente ruim” e não tem dúvidas na hora de escolher o que é o pior para os cidadãos: “da troika da Comissão Europeia, BCE e FMI, a Comissão é o pior”.

Em sua visão de economia, o colunista defende o papel do Estado em determinados setores frente aos ataques dos neoliberais: “A realidade é que quando o Governo se responsabiliza pela atenção à saúde, é mais barata e tão boa como a atenção médica privada. Por outro lado, as pensões do Governo são mais estáveis e têm custos operacionais menores que as pensões privadas”. Neste sentido, defende um banco público para os serviços básicos, como o Banco Postal japonês.

A entrevista é de Rodrigo Ponce de León, publicada por El Diario, 18-02-2020. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

A mensagem de que o capitalismo está falhando é redundante, escuta-se repetidamente. Desde os anos 1990, foram apontados os buracos de um sistema que empobrece as pessoas. Algo mudou substancialmente desde então? Aprendemos alguma coisa dos anos 1990?

Bom, quando as pessoas falam sobre se o capitalismo está falhando ... De qual tipo de capitalismo estamos falando, porque existem diferentes tipos. Durante 50 anos após a Segunda Guerra Mundial, tivemos um capitalismo limitado: era uma social-democracia com sindicatos, que possuía uma rede de seguridade governamental e com impostos para os ricos... E esse sistema funcionava claramente. O problema é que ele foi parcialmente desmantelado nos Estados Unidos, embora em alguns outros países ainda exista. A ideia de que existe uma só coisa chamada capitalismo não está correta. A Dinamarca é capitalista e os Estados Unidos são capitalistas, mas são muito diferentes.

A Dinamarca é um claro Estado social-democrata. Nos Estados Unidos, ainda que não temos atenção médica universal, metade de nossos gastos com saúde vem do governo. De fato, ainda temos uma aposentadoria estatal nos Estados Unidos. A maioria das pessoas depende do governo, da Seguridade Social, para a sua aposentadoria. Estamos muito longe de ser uma sociedade completamente capitalista, embora possamos ir além [ri com ironia]. Não acredito que a questão seja: capitalismo, sim ou não? A questão é qual o tipo de capitalismo. Ninguém encontrou nada melhor que a economia de mercado, ainda que sem restrições produza uma desigualdade extrema e muito sofrimento.

Você escreve em seu livro que os conservadores perderam o respeito pelos fatos e os dados. Quando se assumiu que a desonestidade era apenas outra tática política?

Bom, isso sempre aconteceu. Ninguém é perfeitamente honesto, mas o descarado mar de mentiras que sofremos agora é algo novo. Tem sido difícil de ser assimilado pela sociedade e os meios de comunicação. Um dos artigos mais antigos do meu livro é sobre as eleições de 2000, quando George Bush mentiu durante aquela campanha. O jornal The New York Times não me deixou usar a palavra mentira porque achava inconcebível dizer que um político de um grande partido estava mentindo. Tive que usar eufemismos. Fiz a piada de que, se um candidato dizia que a Terra era plana, a manchete iria dizer que as opiniões diferem sobre a forma do planeta.

No entanto, agora está claro. Trump mentiu aproximadamente 15.000 vezes desde que assumiu o cargo, sendo assim, já assumimos e sabemos que as pessoas mentem com total liberdade.

Por que suas mentiras fazem sucesso?

Muitas pessoas se informam pelas redes de propaganda nos Estados Unidos: a Fox News é muito importante, já que uma grande fração da população não assiste outra coisa e mentem o tempo todo. Então, as pessoas não sabem o que é a verdade. Tem outra coisa, as pessoas estão ocupadas, têm vidas, filhos, trabalhos... Não passam muito tempo sentadas verificando, cuidadosamente, os dados e os fatos.

As pessoas seguem as fontes de informação em que confiam porque sentem certa afinidade. Na Economia também temos um termo que explica essa questão das fraudes financeiras conhecido como fraude por afinidade [affinity fraud: fraude de investimento, em que o fraudador tira proveito dos membros de grupos identificáveis, como comunidades religiosas ou étnicas, minorias linguísticas, idosos ou grupos profissionais]. Existem pessoas que parecem ser o seu tipo de pessoa, que agem como você, que têm seus mesmos gostos e valores e por isso você confia no que elas dizem. Foi assim que Bernie Madoff foi capaz de fraudar tantas pessoas.

No plano político, as fontes de notícias que mentem conseguem se tornar o ‘tipo de pessoa’ com quem seus telespectadores têm afinidade. A Fox News é uma rede de televisão que atrai homens mais velhos brancos fartos, que quando a assistem podem dizer que Fox News é uma fonte para eles e acreditam em tudo o que ela diz, mesmo que seja falso.

Considera que o discurso de certa parte da esquerda, que antepõe a luta contra a discriminação de identidade (LGTBI, raça, mulher, ...), esteja fazendo o jogo dos conservadores? O debate sobre outros problemas, como a desigualdade econômica, está sendo desviado?

Sim, há um pouco disso. Nos Estados Unidos, que eu conheço melhor, temas como os direitos dos gays são divisores, não tendem a ser tão centrais. O mais importante é a raça e ocorre a circunstância de que, ao defender a igualdade racial, a centro-esquerda nos Estados Unidos perde votos da classe trabalhadora branca. A questão é que não há alternativa. Houve um tempo em que o Partido Democrata podia assumir algumas posições que agradaram os racistas, mas não pode mais agir assim sem perder sua própria alma.

É preocupante que os partidos de centro-esquerda tenham se convertido nos partidos dos cidadãos mais instruídos e que as pessoas com menos formação votem nos partidos de direita. Essa situação é reflexo de que as formações de centro-esquerda priorizaram temas que para determinados grupos da população com menos renda não interessam.

Por exemplo, uma das poucas discussões que tive com a Administração do presidente Obama foi sobre os tratados comerciais. O Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica era algo que atraía muito as elites corporativas, mas que não agradava os trabalhadores. Às vezes, é necessário levar mais em conta o que é importante para as pessoas cujos votos você precisa para vencer.

Agora, os partidos nacional-populares estão abraçando a ecologia – o amor à terra, a vida rural, as raízes - como parte de sua estratégia política, embora a maioria tenha uma visão pouco realista da mudança climática. Acredita que eles podem distorcer o problema de mudança climática?

O fato de que nos Estados Unidos o Partido Republicano seja o partido da poluição é um presente para a esquerda, porque as pessoas são, em sua maioria, a favor de cuidar e respeitar o meio ambiente, embora não tenhamos claro qual é o peso político.

Se Trump fizesse algo que não fosse destrutivo para o meio ambiente, seria mais difícil vencer nas urnas. Nos Estados Unidos isso não acontece, mas não me parece ilógico que existam pessoas racistas e anti-intelectuais que defendam o meio ambiente.

Poderia explicar brevemente por que a redução dos impostos para os ricos não distribui riqueza, nem traz mais investimento, nem é benéfica para a economia e a maioria dos cidadãos?

Há duas questões: uma é os impostos para os ricos e a outra os impostos para as grandes empresas.

Em relação aos impostos para os ricos: o argumento sempre foi que se fossem reduzidos os impostos para os ricos, eles trabalhariam mais duro, investiriam, gastariam mais e a economia se beneficiaria enormemente. Não é assim, não há evidências de que esses impostos tenham muito impacto na forma de atuar dessas pessoas. Se alguém tem um bilhão de dólares, mudará seu modo de vida por ter cem milhões de dólares a mais? Além disso, nos Estados, em cada Estado e em algumas cidades, existe um imposto de renda diferente. Na cidade de Nova York, que é onde vivo, a taxa efetiva de impostos é de cerca de 55%, que é muito mais alta que os impostos em outros lugares. As pessoas são menos produtivas ou há menos gastos em Nova York? Parece que não.

Em relação às corporações, pode-se argumentar que se um país tem baixos impostos sobre as empresas, estas investirão e criarão postos de trabalho e aumentarão os salários. No entanto, o efeito é muito mais fraco do que as pessoas pensam, uma vez que as empresas investem apenas no papel. Sabemos de um relatório do FMI que cerca de 40% do investimento internacional é, na realidade, fictício, pois manipulam os registros para manter os impostos baixos.

Há alguns anos, a Irlanda afirmou que teve um crescimento econômico anual de 26%. Obviamente, isso não ocorreu. Eu o denominei economia do duende (leprechaun economics). O motivo foi que as grandes empresas começaram a reportar seus lucros para a Irlanda, e não para outro lugar. De fato, acabo de ler uma nova pesquisa que diz que em grande parte foi por causa de apenas uma companhia: a Apple. O PIB irlandês aumentou, mas a Irlanda aproveitou algo? Nada. A ideia de que os baixos impostos corporativos são uma ferramenta importante para atrair negócios não é corroborada pelas evidências.

Na Espanha, assim como nos Estados Unidos, um dos principais objetivos dos ‘think tanks’ neoliberais é reduzir ao mínimo a Seguridade Social, abrindo passagem para as previdências privadas e à saúde privada, mesmo quando estamos vendo que o sistema privado não funciona no Chile. Considera que é muito mais uma questão ideológica ou só de negócios?

Os neoliberais afirmam que o setor privado sempre funciona melhor que o público, mas a realidade é que quando o Governo se encarrega da atenção à saúde é mais barata e tão boa como a atenção médica privada. Por outro lado, as pensões do Governo são mais estáveis e têm custos operacionais menores que as privadas.

Há 15 anos, nos Estados Unidos, o discurso conservador era que precisávamos privatizar nosso sistema de aposentadoria com os olhos no Chile. Hoje, ocorre que os próprios chilenos odeiam seu sistema e o substituem por um sistema que se assemelha ao dos Estados Unidos, com uma pensão garantida.

Quando se tentou privatizar a Seguridade Social nos Estados Unidos, houve alguns neoliberais que foram muito sinceros. Chegaram a dizer que era o ponto fraco do Estado de Bem-Estar Social e, se era possível atacá-lo e feri-lo, seria possível acabar com o Estado de Bem-Estar Social.

Trata-se de um assunto ideológico. Os conservadores querem reduzir o papel da Administração pública, convencidos de que o setor privado funciona melhor. Odeiam que o Governo tenha êxito na gestão de um serviço porque abre as portas para que outros programas do governo sejam bem recebidos pelos cidadãos. Se o Governo pode garantir a atenção à saúde, então, as pessoas podem pensar: por que o Governo também não pode fazer algo contra a pobreza?

Na Espanha, debatemos se deveria existir um banco público. Você é a favor da implantação de um banco público?

Sim, para serviços bancários básicos. Existe o exemplo do banco postal japonês, que é muito popular e funciona bem. Existem muitas funções bancárias que são bastante rotineiras, portanto, não vejo nenhum problema em que haja um banco público.

Minha conta bancária pessoal é com o Santander. São muito incômodos e o atendimento ao cliente é terrível, então, preferiria antes um banco público.

Parece que há um círculo que se repete e não pode ser parado: os conservadores reduzem os impostos, o déficit aumenta, o investimento público diminui, os benefícios sociais são cortados, a austeridade aumenta. Os progressistas chegam ao poder, mas não se atrevem a aumentar impostos e são pressionados pelos conservadores a não aumentar o déficit quando necessitam de políticas sociais para ajudar as pessoas.

Sob a presidência de Obama, que muitas pessoas consideram que não foi um radical em absoluto, os impostos foram aumentados em vários pontos percentuais para o 1% mais rico da população e os benefícios sociais foram ampliados, o que mostra que isso pode acontecer. Agora, eu gostaria de ver algo muito mais ambicioso, gostaria de um sistema de saúde verdadeiramente universal e impostos mais altos para os ricos. Se um democrata vencer a presidência e os democratas tomam o Senado, isso é o que realmente acontecerá nos Estados Unidos.

Agora que as negociações sobre os impostos que as grandes empresas de tecnologia devem pagar estão ocorrendo em instituições como a OCDE, acredita que as grandes empresas de tecnologia pagarão os impostos que devem?

Em relação aos impostos sobre as empresas de tecnologia, precisamos de uma ação combinada. Os governos precisam atuar em conjunto e fazer um esforço conjunto das principais economias para adotar medidas enérgicas contra os paraísos fiscais. É preciso evitar que as corporações registrem seus lucros nas Bahamas. A OCDE é um bom fórum para adotar tais acordos, é uma instituição que não tem poder direto, só pode fazer recomendações, mas tem sido efetiva em muitos temas. Graças à OCDE, algumas das estratégias mais escandalosas de evasão fiscal foram limitadas.

É uma ideia zumbi que, com uma taxa de desemprego de 14% na Espanha, a Comissão Europeia destaque como principais objetivos reduzir a dívida e o déficit?

Bruxelas agiu muito mal em vários aspectos. A ideia de que a Espanha precisa se concentrar na austeridade fiscal é realmente muito ruim, embora o desemprego tenha caído de 25% para 14%. A Comissão Europeia foi uma fonte de ideias ruins na última década. Na Europa, existe a troika da Comissão Europeia, o BCE e o FMI. Desses três, a Comissão é a pior para os cidadãos.

Continua considerando que o euro foi um grande erro para países como a Espanha?

Pensei que a crise do euro de 2011-2012 seria pior do que realmente foi, mas se acalmou um pouco depois que o então presidente do BCE, Mario Draghi, disse que faria o que fosse necessário para sustentar o euro. Acredito que subestimei o compromisso político das elites europeias com o euro e não esperava que permitissem que os países sofressem a dor e o sacrifício que a Grécia e a Espanha tiveram, mas, ao contrário, que impulsionariam uma saída da moeda, mas suportou.

Eu já expliquei que se você tem uma moeda única e acontece um choque assimétrico, será ajustado com um prolongado período de desemprego extremamente alto. E foi o que aconteceu com a Espanha, que sofreu durante anos um desemprego muito alto, o que fez com que os preços e os salários baixassem para que a Espanha voltasse a ser competitiva. Agora, está em recuperação, mas é preciso pensar em todos os anos perdidos, que foram necessários, para chegar a esse ponto.

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