A crise e a busca de um projeto alternativo

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28 Abril 2018

Novas pesquisas eleitorais confirmam: bloco golpista patina e terá enormes dificuldades em 2018. Mas falta, à esquerda, uma proposta clara de país.

"Para além dos assuntos de natureza política e da avaliação do governo Temer, o debate eleitoral deve colocar com mais ênfase a questão das alternativas para a economia de nosso país", escreve Paulo Kliass, doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, em artigo publicado por Outras Palavras, 26-04-2018.

Eis o artigo.

A única certeza que se pode ter a respeito do quadro eleitoral de outubro próximo é uma profunda incerteza que paira a seu respeito. Longe de ser mero trocadilho com propósito retórico, o fato é que o cenário segue bastante indefinido e as alternativas possíveis que se colocam como desdobramentos da situação atual são inúmeras.

O primeiro elemento a se considerar refere-se à realização mesma das eleições daqui a seis meses. Afinal não é de todo desprovida de sentido a indagação a respeito das razões que levaram ao golpeachment para depois eventualmente devolver o poder às forças políticas que estavam envolvidas com aquele projeto de País que foi abortado. A estratégia de retirar Dilma do Palácio do Planalto para depois resolver os problemas do Brasil fracassou a olhos nus. Cabe ficarmos alertas e atentos para evitar esse novo golpe no golpe.

O governo Temer não consegue articular sua base parlamentar e vê seus índices de desaprovação aumentarem a cada dia que passa. O estrago provocado pelo aprofundamento do austericídio apresenta-se como irreversível do ponto de vista eleitoral. Como se diz no popular: o estrago está feito. Desemprego monumental, falências generalizadas, piora no quadro fiscal, políticas públicas implodidas pela obsessão em promover cortes orçamentários a todo e qualquer custo.

Um dos aspectos mais impressionantes é que parcelas consideráveis das classes dominantes acreditaram piamente no conto da fadinha das expectativas. Foi a tal ilusão fantasiosa de que bastaria colocar dois legítimos representantes dos banqueiros para tomar conta da economia e, na sequência, receber um país arrumado à moda deles. Não! E a ortodoxia não conseguiu entregar nem mesmo aquilo que haviam prometido. O núcleo duro do governo bem que tentou implementar a estratégia do desmonte completo. Mas a resistência do movimento popular, de um lado, e as divergências entre eles, de outro lado, impediram que a operação de terra arrasada fosse completada.

A realidade é que os índices de popularidade de Temer e seu governo beiram o rés do chão. Ora, diante de um desastre eleitoral previamente anunciado como esse, as forças do bloco conservador também começam a se movimentar. E os anúncios de eventuais candidaturas se multiplicam pelo campo da direita. Para além do polo radicalizado de Bolsonaro na extrema direita, os representantes do grande capital e dos grandes meios de comunicação começam a emitir sinais de desespero pela ausência de candidatos com capacidade de vencerem as eleições. Estão por aí o próprio Temer, Henrique Meirelles (que se demitiu do cargo de Ministro da Fazenda com esse fim), Rodrigo Maia, Geraldo Alckmin, Joaquim Barbosa, a aventura de Luciano Huck, Álvaro Dias, além dos grandes empresários João Amoedo e Flávio Rocha. Mas nenhum deles empolga o eleitor e consegue se apresentar como carta viável para o segundo turno.

E Marina? – perguntam-me alguns leitores. Bom, ela continua onde sempre esteve, desde que saiu do governo de Lula em 2008 e do PT em 2009. Há quase uma década ela segue tentando se apresentar como uma alternativa confiável e domesticada perante as classes dominantes. Para tanto, rompeu com sua história pessoal e passou a fazer o jogo do establishment. Mudou de lado e resolveu apoiar a política econômica da ortodoxia, em especial depois que se cercou de conselheiros oriundos do financismo e do tucanato. Além disso, apoiou de forma explícita Aécio no segundo turno em 2014 e depois emprestou seu nome e o da Rede para a operação do impedimento de Dilma. Vive de um eterno “recall” nas pesquisas e aposta todas as suas fichas nesse percentual para se firmar como alternativa para algum tipo de voto útil da direita, caso seja necessário.

Do lado do campo popular e progressista, Lula segue isolado como candidato aparentemente imbatível. De acordo com a maioria das pesquisas, ele sai na frente no primeiro turno e derrota todos os possíveis oponentes num eventual segundo turno. Exatamente por isso é que tradição jurídica brasileira foi jogada na lata do lixo e o preferido da população está sendo injustamente condenado e preso. Restam ainda dúvidas a respeito das possibilidades de que seu nome esteja presente nas urnas eletrônicas em outubro próximo. Alguns juristas ainda mantêm a esperança nesse cenário otimista. Só a evolução da conjuntura dirá algo a esse respeito.

Como o prazo para o registro oficial de candidaturas só terá início no mês de agosto, nada mais correto do que a intenção do PT em continuar a campanha de seu pré-candidato até lá. O sentimento de que uma grande injustiça está sendo cometida só tem aumentado na população e isso aumenta a própria simpatia eleitoral por Lula. Os analistas políticos parecem concordar em que o tempo só joga a favor dele, inclusive com a exploração da imagem de vítima de uma ilegalidade seletiva.

Além dele, apresentam-se também Ciro Gomes, Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos. Todos condenam o viés autoritário que o Brasil atravessa desde a consumação do golpeachment, criticam o fortalecimento das corporações não sujeitas a controle do mundo da Justiça e não perdoaram a solução do austericídio levada a cabo pelo governo Temer. Apesar de sua incrível capacidade de encontrar divergências onde elas nem imaginam se apresentar, é necessário que as forças progressistas privilegiem seus pontos de concordância e se unam nas críticas aos diversos candidatos do modelo conservador. Isso não significa que devam abandonar suas postulações legítimas. Mas apenas que concentrem suas críticas nos verdadeiros adversários na disputa e que mantenham pontes de diálogo abertas para eventual apoio recíproco no segundo turno.

Para além dos assuntos de natureza política e da avaliação do governo Temer, o debate eleitoral deve colocar com mais ênfase a questão das alternativas para a economia de nosso país. Esse é o espaço por excelência para se discutir um projeto diferente para nosso futuro. Isso significa propor a recuperação de um modelo que promova inclusão, que seja capaz de reduzir as desigualdades sociais e econômicas, que ofereça os instrumentos para recuperar o protagonismo do Brasil no cenário internacional.

O primeiro passo exige a revogação de um conjunto de medidas adotadas pelo governo Temer e que operam como verdadeiro entrave para qualquer projeto político e econômico do campo progressista. Assim, coloca-se a necessidade de um Referendo Revogatório para retirar as amarras da Emenda Constitucional 95, que congela as despesas públicas não-financeiras por longos vinte anos. Essa medida foi tão draconiana para as atividades econômicas que até mesmo setores que estavam entusiasmados com ela, em dezembro de 2016, agora acham que deve ser flexibilizada. Afinal, a verdade é que nenhum governo eleito será capaz de conduzir seu projeto tendo essa verdadeira espada de Dâmocles sobre seu pescoço, com a ameaça permanente de cometer algum crime de responsabilidade.

Além disso, há que se revogar as maldades e as trapalhadas provocadas pelas alterações na legislação trabalhista, sob a velha lengalenga de se promover a redução do chamado “custo Brasil”. Outras medidas se fazem necessárias quanto a reavaliar as privatizações promovidas na área de infraestrutura — como portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. A chamada política de “desinvestimento” da Petrobrás exige uma séria revisão, uma vez que nada mais significou senão a venda de subsidiárias do grupo para o capital privado. O mesmo deve ocorrer com restabelecimento da prioridade conferida à Petrobrás como empresa a explorar as reservas do Pré Sal.

O programa econômico do campo popular e democrático precisa recuperar o protagonismo do Estado para a promoção do desenvolvimento em nosso País. Isso significa restabelecer o papel do BNDES como organismo financiador de recursos para projetos estratégicos e de longo prazo, com juros e condições mais favorecidas. Da mesma forma, é essencial que os bancos estatais federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia) passem a atuar enquanto instituições financeiras do setor público e não pautem seu comportamento como meros concorrentes da banca privada. Isso significa promover uma mudança radical de sua presença na sociedade e no mercado, reduzindo de forma efetiva seus “spreads” e forçando uma queda nessa prática espoliativa que sempre caracterizou as empresas do nosso mundo financista.

Existe ainda uma série de outras medidas importantes que espero desenvolver em outros artigos. Refiro-me à volta da exigência do chamado “conteúdo nacional” para setores estratégicos, como fazia a Petrobrás antes da chegada de Pedro Parente. Além disso, creio que o processo de definição da política monetária necessidade uma reformulação. A definição da taxa oficial de juros (SELIC) apenas tendo em vista o controle da inflação não tem se revelado um bom modelo. Talvez seja interessante incorporar o exemplo norte-americano, que os nossos representantes do financismo tanto bajulam. O FED, banco central dos Estados Unidos, define sua taxa tendo em vista evitar uma inflação considerada elevada, mas também mantém um olho na taxa de desemprego.

Enfim, o mais relevante no momento atual é lançar esse debate de forma mais ampla e mostrar à população que existem alternativas ao descalabro levado a efeito por Temer e pelos representantes do grande capital financeiro. No entanto, cabe uma certa prudência para evitar manifestações e compromissos que possam retirar o necessário conteúdo progressista do programa a ser implementado. A famosa “Carta aos Brasileiros”, por exemplo, representou uma guinada na política econômica que se imaginava do primeiro governo Lula. Ainda mais porque veio acompanhada da nomeação de Antonio Palocci para o Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles para o Banco Central. Com isso, a ortodoxia e o financismo se instalaram no núcleo duro da equipe. Ou ainda verdadeiro e desastrado estelionato eleitoral cometido por Dilma no início de 2015, quando nomeou Joaquim Levy para o comando da economia e adotou como seu o programa econômico ortodoxo que havia sido derrotado nas eleições.

Enfim, uma coisa é não se apresentar de forma sectária e doutrinária perante o eleitorado, buscando ampliar politicamente o leque de apoios no processo eleitoral. Mas isso não pode implicar no abandono da essência das teses do desenvolvimento, da busca pela redução das desigualdades e da transformação estrutural em áreas estratégicas de nossa sociedade.

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