A reforma litúrgica, que é realmente "irreversível", permite que louvemos melhor

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31 Agosto 2017

O Papa Francisco fez um importante pronunciamento na semana passada aos participantes da Semana Nacional Litúrgica em Roma. Não apenas o que o papa disse é importante, mas também o próprio assunto, por razões que explico a seguir.

O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 30-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Não sei quanto um pesquisador contratado pelo papa ganha por hora, mas o Santo Padre deveria dar um bônus à pessoa que encontrou a citação em que o Papa Pio X, o formidável inimigo do "modernismo", escreveu: "é preciso que passem muitos anos diante desse, por assim dizer, edifício litúrgico... [depois dos quais] reaparecerá novamente, resplandecente em sua dignidade e harmonia, uma vez purificado da miséria do envelhecimento". E lembrou o público, e a nós, que o Papa Pio XII, que não era nenhum liberal inflamado, também avançou a causa da reforma litúrgica em sua época. Assim, quando o Concílio Vaticano II se reuniu, fez todo o sentido os padres do concílio começarem o projeto de liturgia, que se tornaria a Sacrosanctum Concilium.

O parágrafo que parece ter causado a maior controvérsia é o seguinte:

"Hoje, ainda há trabalho a ser feito nesta direção [a reforma iniciada pelo Papa Paulo VI], particularmente redescobrindo os motivos das decisões tomadas com a reforma litúrgica, superando leituras infundadas e superficiais, a recepção parcial e práticas que a desconfiguram. Não se trata de repensar a reforma reavaliando as escolhas, mas de conhecer melhor os motivos subjacentes, também através da documentação histórica; além de internalizar os princípios inspiradores e observar a disciplina que a regula. Depois deste magistério e depois deste longo caminho, podemos afirmar com segurança e com autoridade magisterial que a reforma litúrgica é irreversível”.

Algumas pessoas da direita, como o canonista Ed Peters, afirmam que essa última frase não faz sentido. Ele acredita que é "confusa para os fiéis", porque o magistério pertence apenas ao que é divinamente revelado ou ao que é "necessário para salvaguardar o depósito da fé e, assim, mantê-lo de forma definitiva". E ouço alguns da esquerda dizendo "nós avisamos" e nadando nas águas mornas, e novas para eles, do ultramontanismo, como o Pe. Robert Imbelli explicou detalhadamente ao Crux.

Ele não compartilha a atitude da esquerda em relação à liturgia, e muito mais que isso, mas toca em algo importante. Cita o Papa Francisco, que disse, no pronunciamento: "A liturgia está 'viva' por causa da presença viva daquele que, morrendo, destruiu a morte e, ressuscitando, nos deu a vida". Sem a presença real do mistério de Cristo, não há vitalidade litúrgica. Assim como sem pulsação não há vida humana, sem o coração pulsante de Cristo não há ação litúrgica. O que define a liturgia é, de fato, a atuação, nos sinais sagrados, do sacerdócio de Jesus Cristo, ou seja, a oferta da Sua vida ao estender os braços sobre a cruz, um sacerdócio constantemente presente através dos ritos e orações, sobretudo em seu Corpo e Sangue, mas também na pessoa do sacerdote, na proclamação da Palavra de Deus, na assembleia reunida em oração em seu nome." Imbelli então pergunta: "Até que ponto as liturgias são cristologicamente vitais?".

Essa questão transcende quaisquer considerações ideológicas. Há liturgias vibrantes em paróquias progressistas, onde coros multiculturais entoam lindas canções de diferentes culturas. Há liturgias tradicionais e sofisticadas, em que a música de Palestrina comove a congregação. Há sermões bons e ruins, em todos os tipos de igreja. Há congregações mais ou menos amigáveis; novamente, sem correlação ideológica.

Mas o que torna uma liturgia cristologicamente vital? Até que ponto as paróquias conseguiram fazer o que defende o Papa Francisco, em relação a educar o povo sobre o simbolismo, por exemplo, do próprio altar? Quando a nova tradução foi introduzida, muitos aplaudiram e muitos reclamaram, mas quantos aproveitaram para explicar algumas questões cruciais do rito romano compartilhado?

Entendo que um dos principais propósitos da homilia é abrir a Palavra de Deus que acaba de ser proclamada. Mas há muitas leituras que permitiriam ao pastor ensinar ao rebanho por que fazemos o que fazemos quando chegamos à missa. Por que as pessoas rezam a Jesus: "Cordeiro de Deus, tirai os pecados do mundo" e "O céu e a terra proclamam a vossa glória", por exemplo, enquanto o sacerdote ora ao Pai: "Pai de misericórdia, a quem sobem nossos louvores, nós vos pedimos". Qual foi o papel das orações das pessoas para resolver a crise ariana? E por mais que algumas igrejas possam ter uma série de palestras sobre a liturgia, o momento em que o pastor consegue alcançar grande parte das pessoas é na missa.

Eu acrescentaria, embora não seja exatamente essa a questão, que os pastores também devem encontrar um momento para pregar sobre o significado do Credo.

O kerigma de que Jesus é o Messias é tão fantástico, exige uma conversão do coração e da mente, um processo contínuo de conversão, de esvaziamento e crescimento na consciência de que, pelo nosso batismo, Cristo vive em nós. A congregação reunida na missa é o Corpo de Cristo. Preparamos nossas liturgias para refletir isso? Quantas vezes a missa é "fantástica"? A música tem esse poder: será que preparamos as músicas da missa para transmitir algo fantástico? Não poderíamos prepará-las e distribuí-las antes, praticar antes do início da missa? Será que a celebração da nossa salvação eterna justifica dez ou quinze minutos a mais?

Um pouco de planejamento pode levar longe. Uma das minhas principais reclamações na minha antiga paróquia era que a segunda coleta acontecia após a Comunhão. Todos ainda estavam ajoelhados, o coro ainda estava cantando, o Santíssimo Sacramento ainda não havia sido colocado no tabernáculo, e os ministros já estavam com a cesta na cara das pessoas. Em uma das igrejas que frequento hoje, a segunda coleta vem logo após a primeira, o que já é uma melhoria. Exceto que ninguém tenha avisado para o organista cantar todos os quatro ou cinco versos dos cânticos do ofertório. Assim, enquanto o sacerdote começa a oração eucarística, dizendo "Orai, irmãos", as pessoas tateiam a carteira ou a bolsa procurando outra nota de vinte.

Aqui vai uma ideia: durante a coleta, seja uma ou mais, deixar a igreja em silêncio, pensando no que significa o sacrifício por algo maior, ou deixar somente o solista ou o órgão. Durante o cântico do ofertório, peça para que todos fiquem de pé e cantem. Certifique-se de que seja um bom cântico para transição, conectando a Liturgia da Palavra à Liturgia Eucarística. Em um velório, o cântico perfeito nesse momento seria "At that First Eucharist", mas apenas se cantar o quarto verso. Ainda não encontrei um hinário católico que inclua o quarto verso, então o problema da nossa liturgia é maior do que em qualquer outra paróquia!
Uma cristologia vibrante exige louvor, e nós, seres humanos, louvamos melhor cantando.

Um amigo sacerdote diz que sua paróquia elaborou o próprio hinário. Eu apoio essa ideia. No domingo passado, cantamos palavras novas e imemoráveis na melodia de cânticos "Nettleton", que há muito tempo vem com as palavras "God we praise you, God we bless you, God we name you sovereign Lord" ("Ó Deus, nós te louvamos, ó Deus, nós te bendizemos, ó Deus, nós te nomeamos Senhor Soberano", tradução livre). Difícil superar isso. Então por que mudar? Uma mudança semelhante foi feita na letra do venerável cântico "Cwm Rhondda" na última edição do hinário de adoração. Que luz brilhante achou que seria possível melhorar algo como Guia-me, ó grande Jeová, peregrino desta terra estéril, sou fraco, mas és poderoso, segura-me com a tua poderosa mão? A paróquia desse amigo canta a letra antiga e conhecida, não a nova letra banal. Uma cristologia vibrante exige louvor, e nós, seres humanos, louvamos melhor cantando.

Comparar o tempo gasto em questões da liturgia e ajudando os pobres é comparar maçã e laranja. Louvar a Deus é a única atividade na vida humana em que todos são verdadeiramente iguais e na qual os pobres estão em vantagem em relação aos outros porque os Evangelhos cristãos são uma boa nova para os pobres, e não são para a classe média, e muito menos para a classe média alta.

A doutrina do Concílio Vaticano II sobre a liturgia, a reforma que refletiu e continuou, é realmente "irreversível", como disse o papa. E ainda está sendo recebida por toda a Igreja. Receber uma doutrina, assim como receber a Sagrada Comunhão, não é um ato passivo. A beleza de Deus, tão evidente na Criação e nos atos de misericórdia e em grandes e pequenos atos de bondade, também deve iluminar nossas liturgias. Não há nada controverso em dizer isso.

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