Reparos resolveriam os problemas do sistema previdenciário e dispensariam Reforma da Previdência. Entrevista especial com Mário Theodoro

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Por: Patricia Fachin | 28 Junho 2017

Alguns “reparos” precisam ser feitos no sistema previdenciário brasileiro, mas isso não justifica uma reestruturação, defende Mário Theodoro na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. “Aproveitou-se o momento político para se passar uma agenda de redução do Estado, do sistema previdenciário em detrimento do sistema público, para que houvesse um campo maior de atuação dos sistemas privados de previdência”, afirma.

Um dos autores do relatório “(Des)proteção social: impactos da reforma da Previdência no contexto urbano”, Theodoro diz que se o tempo de contribuição para receber a aposentadoria passar de 15 para 25 anos, uma parte significativa da população corre risco de não se aposentar. Com base nos dados da situação dos trabalhadores em 2014, ele calcula que “56,2% das mulheres não preencheriam o direito à aposentadoria e, portanto, não se aposentariam, e 26,6% dos homens também não”.

Theodoro sugere alternativas à Reforma, como rever “o próprio papel do Estado, que muitas vezes é omisso e usa o dinheiro da previdência - que não é dele, mas do trabalhador - para fazer política econômica, política de juros, política habitacional, como tem sido feito durante muitos anos”. Outra saída, frisa, é “recuperar a dívida ativa” das empresas que estão em débito com a previdência. “Empresas como a JBS, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil estão devendo fortunas à previdência, mas, apesar disso, continuam recebendo dinheiro do BNDES. Se atrelassem o recebimento de empréstimo do BNDES e a participação das licitações ao fato de as empresas estarem em dia com a previdência, se resolveria uma parte significativa do problema hoje”, avalia.


Mário Theodoro | Foto: Agência Senado

Mário Theodoro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília – UnB, mestre em Economia pela Universidade Fernando Pessoa – UFP, em Portugal, e doutor em Economia pela Sorbonne, na França. Atualmente é consultor legislativo do Senado Federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como você avalia a proposta da Reforma da Previdência? Há ou não razões para fazer uma reforma previdenciária no país?

Mário Theodoro – Não há necessidade porque ainda estamos colhendo os frutos das reformas feitas anteriormente, principalmente da PEC Paralela da Previdência [Proposta de Emenda à Constituição nº 227/2004], que começa a render frutos agora com a redução das despesas do governo, principalmente pelo menor valor das aposentadorias e pensões das pessoas que entraram no sistema a partir de 2003. Não se aguardou a maturação dessa medida. É evidente que alguns reparos precisam ser feitos, mas não era o caso de fazer uma reforma no sentido de uma reestruturação. Aproveitou-se o momento político para se passar uma agenda de redução do Estado, do sistema previdenciário em detrimento do sistema público, para que houvesse um campo maior de atuação dos sistemas privados de previdência.

IHU On-Line – Que reparos seriam necessários?

Mário Theodoro – Por exemplo, ir substituindo as fontes de financiamento dos empregadores que possuem maior receita e lucratividade do que propriamente daqueles que empregam mais. Este é um problema do sistema: hoje quem emprega mais, paga mais para a previdência, mas há uma modernização em alguns setores que empregam menos e têm uma lucratividade maior. Ora, a previdência é um pacto social entre empregadores, empregados e governo. Então, as empresas que estão lucrando mais deveriam participar mais do bolo, e não necessariamente aquelas que empregam mais. Esse é um ajuste que poderia ser feito. Outro ajuste seria rever algumas fontes de custeio da previdência e o próprio papel do Estado, que muitas vezes é omisso e usa o dinheiro da previdência - que não é dele, mas do trabalhador - para fazer política econômica, política de juros, política habitacional, como tem sido feito durante muitos anos. Esse tipo de coisa poderia mudar.

IHU On-Line - Por que o fim da modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição e a ampliação significativa, de 15 para 25 anos, do tempo mínimo de contribuição para o acesso ao benefício da aposentadoria são os aspectos centrais dessa reforma? Por que se optou especificamente por essas mudanças?

Mário Theodoro – A ideia é nivelar por baixo o sistema previdenciário, ou seja, ele vai passar a pagar menos, o mínimo de pensões e aposentadorias, justamente para que aquelas pessoas que têm maiores salários recorram aos sistemas privados. Trata-se de uma ideia minimalista do ponto de vista do papel do Estado. Qual é o problema disso? O problema é que o mercado de trabalho é heterogêneo no país, onde podemos considerar dois grupos de trabalhadores. Um grupo é aquele de classe média, que ingressa mais tarde no mercado de trabalho, que tem diploma, que vai exercer uma profissão dentro do sistema formal como empregado ou funcionário público e que vai se aposentar mais ou menos como se aposenta hoje. A diferença é que agora eles vão contribuir menos para a previdência e vão receber menos aposentadoria, tendo assim que buscar uma previdência privada. O outro grupo, que é majoritário, é aquele ligado ao trabalho informal, que entra e sai do mercado de trabalho, que tem uma vida mais difícil e que tem pouco tempo de contribuição.

Se juntássemos esses dois grupos e usássemos essa metodologia da previdência considerando os dados de 2014, por exemplo, 56,2% das mulheres não preencheriam o direito à aposentadoria e, portanto, não se aposentariam, e 26,6% dos homens também não. Portanto, essa é uma proposta excludente, que tende a tirar menos de quem pode mais, ou seja, os trabalhadores que têm maior renda e que poderiam contribuir mais com a previdência não vão ter interesse em pagar para receber a aposentadoria, enquanto os outros que não podem pagar terão que cumprir requisitos que eles não têm como cumprir, como os 25 anos de contribuição. Em média, os trabalhadores informais contribuem durante 15 anos, mas agora se cobra que eles contribuam durante 25, e, desse modo, a grande maioria dessas pessoas não vai se aposentar. Com isso, vai se pressionar o sistema assistencial do Benefício de Prestação Continuada – BPC, e não é à toa que o governo já fala em flexibilizar o valor assistencial do BPC para menos de um salário mínimo.

IHU On-Line - No relatório “(Des)proteção social: impactos da reforma da Previdência no contexto urbano”, você menciona que um dos riscos ou consequências da aprovação da reforma da previdência é a fuga do sistema público de aposentadoria por parte dos trabalhadores mais bem remunerados e a desproteção dos que são mais mal remunerados. Como você avalia essa proposta do governo de incentivar a aposentadoria privada?

Mário Theodoro – As pessoas que entraram no governo no último ano estão ligadas ao mercado. O projeto de país delas é um projeto no qual o Estado é mínimo, e o mercado é que vai atuar nas faixas de política social e vai lucrar com políticas sociais. Então, a despeito do que aconteceu no Chile, onde houve uma privatização da seguridade e depois o Estado entrou novamente e cobriu os rombos de um sistema que faliu, essas pessoas acham que o Estado tem que ser mínimo e que a fatia melhor da previdência tem que ir para a lucratividade da previdência privada. As pessoas que entraram neste governo têm uma proposta neoliberal.

IHU On-Line – O que seria um contraponto a esse modelo, pensando um sistema público forte e que garanta uma aposentadoria aceitável?

Mário Theodoro – É possível pensar outro modelo, porque até 2033 estamos na chamada idade de ouro da previdência, que é o bônus previdenciário, ou seja, ainda temos uma maioria de pessoas em idade de trabalho que podem fortalecer o sistema previdenciário, como a Europa fez nos anos 50 e 60. Até 2033, ainda há uma pressão menor em relação às despesas. O problema da previdência nunca foi a despesa com aposentadorias e pensões, e sim o fato de se tirar uma parcela significativa dos recursos da previdência, via Desvinculação das Receitas da União – DRU, para pagar outras atividades do governo, mas que se usa, de fato, para pagar juros.

Outro problema da previdência é em relação à omissão do governo federal em contribuir com a sua parcela previdenciária, e há ainda outras questões relativas à utilização dos recursos da previdência, como por exemplo, o fato de que a previdência social pagou a construção da ponte Rio-Niterói, pagou a construção de Brasília, pagou a política de habitação do governo. Tudo isso saiu do fundo da previdência sem uma contrapartida. Então, há uma cultura de utilização do dinheiro do trabalhador para fazer políticas que deveriam ser feitas com dinheiro público. Isso acontece desde os anos 30. Portanto, o déficit da previdência precisa ser revisto, inclusive existe uma CPI no Senado justamente para apontar essas questões. É preciso clarear também questões jurídicas: será que o governo tem o direito de utilizar o dinheiro que é do trabalhador para fazer política econômica ou para pagar juros? Essa é uma questão que não está colocada e que não está sendo discutida nesta reforma.

IHU On-Line - Quais os impactos específicos dessas medidas, especialmente em relação ao mercado de trabalho e às desigualdades sociais? Vislumbra algum tipo de mudança no mercado de trabalho se as medidas forem aprovadas? Se sim, como isso tende a agravar as desigualdades?

Mário Theodoro – O que vai acontecer é um aumento da informalidade não somente por conta das reformas da previdência, mas também pelas mudanças da reforma trabalhista, porque elas são almas gêmeas e fazem parte de um mesmo projeto, que visa à flexibilização dos direitos trabalhistas como forma de reduzir os custos de produção, quando na verdade o grande vilão dos custos de produção é o tamanho da dívida dos juros. Então, como no mercado não se mexe, se mexe no dinheiro do trabalhador.

Se essa medida for aprovada, vamos ter, de um lado, o aumento da informalidade e, com isso, a redução do número de pessoas vinculadas à previdência. O principal mecanismo de renda do trabalhador é o mercado de trabalho, mas ele terá um emprego menos remunerado ou menos formalizado. Então, a tendência é o aumento do emprego informal, o crescimento da pobreza e a pressão sobre os mecanismos de proteção social assistencial.

IHU On-Line – O impacto dessas mudanças para os trabalhadores rurais tende a ser o mesmo?

Mário Theodoro – Nós analisamos a situação do trabalhador urbano, porque se determina que ele tem que ter 25 anos de contribuição. Mas quando se olha a média do trabalhador no Brasil, é possível perceber que o mercado de trabalho é bastante rotativo. No ano de 2013, que foi um grande ano, onde se teve 21 milhões de novos empregos, houve também 19,8 milhões de desempregos, ou seja, há uma rotatividade incrível mesmo quando ocorre crescimento no emprego.

Na média, a cada quatro anos o trabalhador fica cerca de nove meses desempregado, ou seja, para conseguir 25 anos de contribuição, em média tem que trabalhar 33 anos. Quer dizer, não estamos falando em 25 anos de trabalho, e sim 33 anos. Essa é uma questão que não está sendo considerada.

IHU On-Line - O que seria uma alternativa a essas medidas?

Mário Theodoro – Primeiro, manter o sistema do jeito que está, porque o atual modelo de contribuição atende tanto os que estão na informalidade como os que estão na precariedade, pois o trabalhador consegue se aposentar por idade ou por tempo de contribuição. Então, existem essas duas entradas que são compatíveis com o mercado de trabalho.

É preciso melhorar a gestão, retirar as fontes previdenciárias da gula governamental de fazer políticas públicas com o dinheiro do trabalhador, e recuperar a dívida ativa, que é muito grande, porque empresas como a JBS, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil estão devendo fortunas à previdência, mas, apesar disso, continuam recebendo dinheiro do BNDES. Se atrelassem o recebimento de empréstimo do BNDES e a participação das licitações ao fato de as empresas estarem em dia com a previdência, se resolveria uma parte significativa do problema hoje. Então, há várias questões que podem ser encaminhadas sem precisar fazer uma reforma que divide a sociedade e não pensa no país do ponto de vista social, inclusive divide a sociedade entre pobres e ricos, entre maus e bons cidadãos.

IHU On-Line – Além dessas duas medidas, há outras questões que não estão sendo debatidas e que mereceriam mais atenção da sociedade?

Mário Theodoro – Sim, em relação aos trabalhadores rurais, porque grande parte deles, que estão vinculados ao sistema como regime especial, não pagam em espécie porque não manipulam recursos em espécie para pagar a previdência. Agora eles vão virar um tipo de trabalhador que precisa pagar a previdência e para isso vão precisar ter dinheiro na mão, mas eles não têm. Então, na área rural existem sérios problemas em relação à previdência, talvez a realidade rural seja ainda pior do que a do trabalhador urbano, e certamente vai haver uma pressão para que essas pessoas saiam do sistema.

IHU On-Line - Em termos gerais, o que seria um regime público de previdência social brasileiro adequado à realidade brasileira? O estabelecimento de um teto para a aposentadoria não gera, consequentemente, uma busca pela aposentadoria privada?

Mário Theodoro – Isso já está posto desde as emendas 41 e 49, as quais estabelecem um teto, e as pessoas terão que recorrer à previdência privada ou não, mas farão um tipo de poupança. Podemos até admitir que isso aconteça, embora não acho que seja o ideal. O ideal seria ter uma previdência como a que havia no desenho da Constituição: um sistema previdenciário atrelado ao sistema de seguridade social, em que se tinha um orçamento da seguridade com recursos para previdência e saúde que se compensavam; ou seja, se tivesse mais dinheiro na saúde, ele poderia ser repassado para a previdência e vice-versa. Com a lei de responsabilidade fiscal isso acabou, e agora se tira dinheiro da saúde para pagar outras coisas.

O ideal seria voltar à ideia de seguridade com recursos e uma boa gestão, fazendo com que os devedores paguem e que o governo não ponha mais a mão no dinheiro da previdência. Com isso poderia se esboçar um sistema com muita saúde financeira.

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