Tornar-se mãe na adolescência: Trajetórias de vida e itinerâncias na rede de saúde do município de Sapucaia do Sul

  • Sexta, 16 de Março de 2018

Ampliar a análise e o debate sobre as realidades do Vale do Rio dos Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre por meio de sistematizações de pesquisas e/ou experiências de intervenção é o objetivo do edital de publicação de trabalhos. Desde 2015, o Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, promove o edital a fim de dar espaço para  trabalhos que analisaram realidades a partir de diferentes perspectivas.

O primeiro artigo é “Tornar-se mãe na adolescência: Trajetórias de vida e itinerâncias na rede de saúde do município de Sapucaia do Sul”, de Cíntia Mueller.

Cíntia Mueller é graduada no curso de  Serviço Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e é assessora na Secretaria Municipal de Saúde de Sapucaia do Sul.

Eis o artigo.

As questões pertinentes à integralidade no atendimento de adolescentes – principalmente em relação à saúde sexual e reprodutiva, com foco para a gravidez precoce – abarcam lacunas, dificuldades e contradições de diferentes ordens. Parte delas se relaciona à própria fase peculiar de desenvolvimento da adolescência, que desafia o mundo adulto a compreendê-la e dela participar de forma respeitosa e ética. Por outro lado, os temas que tangem à adolescência e à sexualidade sempre se mantiveram como tabus na sociedade e, apesar dos muitos avanços, é possível perceber o velamento ao diálogo aberto sobre o assunto nas relações familiares e sociais.

Diante desse contexto, este trabalho apresenta os resultados da pesquisa que objetivou, na ótica do Serviço Social, conhecer como as adolescentes vivenciam a gravidez em suas trajetórias de vida e no acesso à rede de saúde. Os resultados abrangeram o mapeamento do perfil sociodemográfico das adolescentes gestantes; o desvelamento do entendimento acerca da gravidez e da maternidade; as necessidades presentes e as projeções para o futuro; e a análise da trajetória das adolescentes na rede, durante a gravidez, parto e puerpério, verificando a abordagem das equipes quanto aos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se de Estudo de Caso, realizado no município de Sapucaia do Sul, de caráter exploratório e de abordagem qualiquantitativa. A coleta de dados abrangeu pesquisa documental e entrevista individual do tipo semiestruturada.

A primeira contemplou o perfil de adolescentes gestantes entre 10 e 19 anos, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), registradas no Sistema de Acompanhamento da Gestante (SISPRENATAL) entre novembro de 2015 e outubro de 2016. As entrevistas abrangeram amostra intencional de quatro adolescentes, selecionadas pelos critérios de faixa etária e de idade gestacional. Aplicaram-se duas entrevistas com cada participante, uma durante a gestação e uma após o nascimento do bebê. Os dados qualitativos foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo. Todos os cuidados éticos foram respeitados, obtendo-se aprovação da Pesquisa junto ao Comitê de Ética da Unisinos, assim como da instituição e participantes. 

No período de estudo foram registradas no Sistema 1.226 gestantes, das quais 222 (15%) eram adolescentes. O perfil sociodemográfico retratou a seguinte realidade: 80% eram adolescentes entre 17 e 19 anos, com Ensino Fundamental incompleto (43%), predominantemente de cor/raça branca (72%), naturais do município de Sapucaia do Sul (54%) e convivendo com seus companheiros em 49% dos casos. Destaca-se que apenas 4,5% das adolescentes realizaram exames até a 20ª semana gestacional, 22% das adolescentes realizaram seis consultas ou mais durante o seu pré-natal, 55% o iniciaram até a 12ª semana gestacional e, ainda, 31% das jovens foram acompanhadas pela rede de atenção em saúde até a sua 40ª semana gestacional. Esses resultados são preocupantes, pois revelam baixa adesão e permanência no tempo oportuno ao pré-natal, bem como na realização de exames preventivos. Entretanto, também foram identificados nas gestantes adultas.

A abordagem qualitativa acompanhou a gravidez, parto e puerpério de quatro adolescentes de idades entre 13 e 17 anos. Da análise das experiências e trajetórias emergiram três categorias: educação em saúde, apoio familiar e da paternidade e acolhimento e vínculo no cuidado da saúde. Nas histórias de vida acompanhadas, a gravidez não representou uma situação crítica de negação pessoal e familiar, ou ainda, de revolta, mas um momento de impacto com a notícia, que se ameniza pelo apoio familiar e paterno, com a compreensão gradual de que suas vidas tomarão novos rumos – antes, não cogitados ou pensados – e com o apoio das equipes de saúde. Nesse sentido, foi possível compreender que a prevenção não se limita ao fornecimento de informações sobre os riscos, mas envolve a participação ativa do adolescente e o vínculo com os serviços, na busca do desenvolvimento, da autonomia e da responsabilidade para com suas escolhas e história. Quando a gravidez se torna realidade, o amadurecimento, o senso crítico e as preocupações – que são inerentes e surgem no processo de nascimento do bebê – florescem de igual forma entre as adolescentes; o que muda são as condições e as influências externas que as jovens possuem ou conseguem acessar, durante e após a gestação, e que irão acompanhá-las em seu cotidiano. 

Nesse contexto, inserem-se os achados a respeito da forma como as adolescentes foram tratadas na rede de saúde. Acolhimento e vínculo foram externados pelas adolescentes no contato com as equipes de saúde da família, ao passo que a exposição e julgamento foram percebidos no atendimento hospitalar, sobretudo com a adolescente mais jovem (13 anos). Nesse sentido, problematiza-se a influência dos aspectos culturais e morais da sociedade sobre a adolescência, com ênfase nos papéis de gênero; o despreparo dos profissionais e dos serviços da área da saúde para atuar junto à adolescência e para implementar a política de atenção integral à saúde de adolescentes; e a peculiaridade da gravidez na adolescência sob os aspectos clínicos, psicológicos (amadurecimento abrupto e mudanças radicais) e sociais nas diferentes perspectivas e projeções relacionadas à inserção dos jovens na sociedade.

Os resultados apontam para a importância de a temática que tange à sexualidade ser tratada de forma menos velada em todos os ambientes da sociedade. Nos casos acompanhados, a porta aberta ao diálogo entre os familiares e a busca de informações na rede de saúde se deu apenas após a ocorrência da gravidez indesejada para o momento. A promoção da saúde precisa avançar, na difusão e no livre esclarecimento das práticas sexuais e reprodutivas de forma saudável, responsável e prazerosa nessa fase da vida. Nessa constante tensão entre direitos conquistados e sua efetivação, a saúde sexual e a saúde reprodutiva de adolescentes continuam configurando foco de debates e de questionamentos, não sendo contempladas como uma questão de direitos humanos. (BRASIL, 2013b²). Ao refletir sobre essas trajetórias e contradições, cabe perguntar que concepções e significados da adolescência estão implicados na área da saúde e em sua atuação, uma vez que na atualidade o grupo totaliza 17,9%, ou mais de 34 milhões da população total brasileira (IBGE, 2010)³, com isso tornando-se um dos maiores segmentos populacionais do país, que ainda encontra iniquidades na realização e na efetivação de seus direitos e de suas necessidades, como dificuldades de acesso e de uso nos campos da educação, do trabalho, da cultura e dos serviços de saúde. (SILVA; ANDRADE, 2009 apud BRASIL, 2013).

Referências:

[1] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pré-Natal, Parto, Puerpério e Criança. SISPRENATAL. Relatórios: RS: Sapucaia do Sul: período: nov. 2015 a out. 2016: raça/cor todas: idade: 10 e 14 anos. Brasília, DF, 2015-2016a. Disponível aqui. Acesso em: 06 abr. 2017.

[2] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. 1. ed. Brasília, DF, 2013b. (Cadernos de atenção básica, n. 26). Disponível aqui. Acesso em: 30 maio 2017.

[3] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Resultados do universo do Censo Demográfico 2010: tabela 1.3.1 - população residente, por cor ou raça, segundo o sexo e os grupos de idade - Brasil – 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível aqui. Acesso em: 18 out. 2016.