O que dizem as estatísticas educacionais sobre relações de gênero, remuneração e a função de direção escolar?

  • Sexta, 17 de Novembro de 2017

Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos é um programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU que tem como objetivo sistematizar, analisar e publicizar indicadores socioeconômicos do Vale do Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre

Através de suas análises, se propõe a promover o debate sobre as realidades dos municípios que englobam as duas regiões, em vista da implementação, qualificação e controle social das políticas públicas afirmadoras da sociedade includente e sustentável. 

Nesse sentido, uma de suas áreas de pesquisa e análise é a educação. Para aprofundar a temática, o ObservaSinos promoveu a oficina “Dados Educacionais: Educação e Políticas Públicas” e trouxe o trabalho de uma das palestrantes da oficina, a doutora em Educação, Alenis Cleusa de Andrade. O artigo faz uma análise sobre as relações de gênero na função de direção escolar e o seu reflexo nas estatísticas educacionais.

Eis o texto

As questões de gênero compreendem um tema recorrente na Educação Básica. Dificilmente, entretanto, encontra-se pesquisas que considerem políticas públicas e direção escolar, problematizando a remuneração recebida por homens e mulheres que estão exercendo a função de direção na educação básica.

Esse estudo tem por finalidade, problematizar a questão dos dados estatísticos como fonte para a compreensão ampliada, de um outro ponto de vista que não o do dia-a-dia da escola, da situação educacional do país, em especial focalizando as relações de gênero no provimento da função de diretor. Ou seja, propõe-se discutir dados disponíveis em bases de dados públicas sobre a educação básica, na forma de uma oficina intitulada Oficina sobre dados educacionais - educação e políticas públicas.

Qual o motivo de tal proposta? Ocorre que muitas vezes os índices e taxas escolares são vistas como dados produzidos pela hierarquia do sistema educacional e, como tal, algo alheio às escolas, ao cotidiano da sala de aula e das comunidades. Isto é, de forma geral, os dados estatísticos, taxas e índices são vistos como elementos produzidos nas instâncias governamentais, decorrentes de um trabalho técnico e a partir de grandes bancos de dados, distanciados da realidade cotidiana da educação escolar. É preciso ressaltar que, embora as bases de dados governamentais contenham informação importante, elas, em geral, não são conhecidas nem exploradas por professores de educação básica, devido ao grande volume de dados. O professor que não tem formação mais aprofundada em estatística, processos de tecnologia da informação ou em matemática tem dificuldades em interpretar tais dados pois a extração de conhecimento em grandes repositórios de dados é um processo “não trivial”. É muito difícil para o cidadão comum identificar informações em tais bases de dados, informações que lhes sejam úteis e compreensíveis. O manejo de bancos de dados sobre estatísticas educacionais exige conhecimentos muito especializados para seleção e manejo de diferentes fontes e o domínio de técnicas estatísticas e de inteligência computacional sofisticadas.

A metodologia do estudo apresentado na Oficina, compreende a análise de “Micro dados da Prova Brasil”. Dentre eles foram analisados uma parte das questões que compõem o questionário do diretor (cujo total soma 111 questões), os resultados estatísticos referentes as respostas dos diretores dispostas na base de dados do QEDU, e os dados da Prova Brasil disponíveis pelo Inep.

Analisando as respostas dadas por diretores ao questionário de contexto respondido por ocasião da aplicação da Prova Brasil 2015, pode-se problematizar o perfil dos diretores das escolas públicas municipais do Brasil e de qualquer estado da federação. O estudo tem por objetivo compreender as influências das relações de gênero na composição da distribuição da remuneração e do acesso ao cargo de diretor nas escolas do RS (ou em escolas de diferentes condições administrativas no Brasil).

A estatística pode ser tomada como um elemento para a realização de pesquisas acadêmicas no campo da educação, no entanto a compreensão e a utilização de dados estatísticos requer certos cuidados naquilo que corresponde a interpretação e tratamento. Conhecimentos prévios da área da educação contribuem efetivamente para uma análise consistente quando atrelados a um raciocínio lógico coerente com a base de dados a qual se propõe o estudo. 

A consistência entre os conhecimentos do campo educacional, a análise estatística e o tratamento lógico é que formam construtos coerentes para a obtenção de resultados significativos.

Atualmente estão sendo produzidos dados estatísticos em grande quantidade e escala. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), constitui-se em um produtor eficiente de informações sobre a Educação Básica e o Ensino Superior através da coesão de diversas políticas públicas e a promoção dos sistemas de avaliação em larga escala. Neste estudo toma-se o âmbito da educação básica, cujas informações são provenientes do sistema de avaliação denominado Anresc, Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – Prova Brasil.

Retomando a discussão sobre as relações de gênero e a função de diretor de escola, sabe-se que prevalece, numericamente, o gênero feminino no provimento ao cargo. Há que se problematizar: são equivalentes os salários de mulheres e homens no exercício da função de diretor(a) na área da educação? Indagando de outra maneira: as mulheres que exercem a função de direção escolar, independente da dependência administrativa das instituições educacionais em que atuam, recebem salários tão altos quanto os homens? Ou há diferenciação salarial entre homens e mulheres que exercem, em instituições de educação básica, a função de direção escolar?

Souza (2009, p. 87), situa que, anteriormente a 1980, não existiam questionamentos neste sentido, e que ainda atualmente as relações de gênero na educação não fazem parte do interesse mais aprofundado dos pesquisadores:

Os dirigentes das escolas públicas no país são majoritariamente mulheres (78%). Destaca-se o fato de que os estudos dos períodos anteriores a 1980 sequer mencionem as questões de gênero, mesmo considerando que a educação já era um campo de atuação predominantemente feminino. Os autores clássicos poderiam se escusar por este esquecimento sob o pretexto de que em seu tempo as discussões referentes à desigualdade de gênero eram de menor monta e não tão centrais. Os autores do período seguinte, mesmo produzindo uma crítica forte às bases teóricas e às concepções daqueles outros, também não mencionam a temática e o contexto político e cultural em que viviam poderia lhes dar a devida desculpa. Já nos Estudos Atuais, temos pouquíssimos estudos, como destacado anteriormente, tratando das questões de gênero. Ao que parece, é possível que a gestão em qualquer um dos três períodos sendo reconhecida como ação técnica ou como ação política ou como ação pedagógica, não reconhece, ou não se preocupa com quem são os sujeitos que dirigem as escolas e a educação e, menos ainda, quem são dirigidos por essas pessoas. Os aspectos técnicos, pedagógicos, políticos da gestão escolar parecem reproduzir as formas masculinas do mundo social e, consequentemente, as desigualdades de gênero.¹

Afinal o que nos dizem os dados?

Tendo em vista a dependência administrativa das escolas em que atuavam os diretores e diretoras da educação básica em 2015, no Brasil temos uma predominância de mulheres nas redes municipais e estaduais, 83% e 75% respectivamente. Quanto a faixa etária verifica-se que predominam profissionais com mais idade nas instituições federais. Ou seja, com 40 anos ou mais temos 97% dos diretores(as) de escolas federais, 84% de escolas estaduais e 71% de escolas municipais. Constata-se, portanto, que em redes municipais, a direção escolar tende a ser, predominantemente, ocupada por mulheres e que estar em início de carreira, sendo muito jovem, não é empecilho maior para o exercício de tal função. Ou seja, identifica-se que nas redes municipais os profissionais podem desempenhar, com menos idade, a função de direção escolar, pois 29% das direções de escolas desta dependência administrativa tinham 39 anos ou menos, o que ocorria com apenas um diretor (3%) em escola de rede federal do país.

Considerando o nível salarial, pelos dados obtidos no questionário de contexto dos diretores de escolas de educação básica, identifica-se uma diferenciação marcante entre as redes de diferentes dependências administrativas. Identifica-se que, 35% dos diretores de redes municipais no Brasil ganhavam, em 2015, mais do que R$3.391,00, enquanto que chegava a 60% o total de diretores de redes estaduais nesta faixa de salários. Considerando diretores de escolas de rede federal, a diferença de salários é bastante grande. Encontra-se 94% das direções de escolas de educação básica no Brasil com esta faixa de salário em escolas da rede federal.

Assim, considerando apenas três questões do questionário de contexto respondido no ano de 2015 por profissionais que estavam no exercício da direção escolar, pode-se dizer que nas redes municipais e estaduais predominam mulheres nessa função, enquanto que, na rede federal predominam homens, o que pode ser explicado, dentre outros fatores, pelo nível salarial, idade dos mesmos, e, possivelmente, pela estrutura da carreira profissional. 

Um questionamento importante que não pode ser esquecido quando se está trabalhando com %. Qual o tamanho do grupo a que a % está se referindo? No caso em análise constata-se que 3% no grupo de diretores de escolas federais refere-se a uma pessoa, enquanto 3% dos diretores de escolas estaduais refere-se a 506 pessoas e dentre os diretores de escolas municipais, 3% refere-se a 1010 pessoas.



Arte: Alenis Andrade

Referências:

¹SOUZA, Ângelo Ricardo. A pesquisa no campo da Gestão da Educação: Algumas reflexões sobre as relações entre produção do conhecimento e a prática da gestão educacional. Revista Retratos da Escola, Brasília, v.3, n.4, p. 81-94, jan./jun. 2009.