Economistas apontam que indicador produzido pela FIPE não pode ser chamado de PIB

  • Sexta, 3 de Agosto de 2018

O Sindicato dos Economistas do Rio Grande do Sul (Sindecon-RS) entregou na tarde desta terça-feira (31) ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) Estilac Martins Rodrigues Xavier uma nota técnica a respeito do cálculo do PIB estadual produzido pela FIPE, empresa contratada pelo governo de José Ivo Sartori (MDB) após a extinção da Fundação de Economia e Estatística (FEE). A avaliação, assinada por professores de Economia de três universidades gaúchas, defende que o indicador apresentado pela FIPE não pode ser considerado como válido dentro da série histórica que era realizada pela FEE por não seguir a mesma metodologia. Estilac Xavier é o relator no TCE da representação do Ministério Público de Contas (MPC) sobre possíveis irregularidades na terceirização do cálculo.

A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 31-07-2018

O documento é assinado pelos professores de Contabilidade Social — disciplina que trata do PIB — Adalmir Marquetti (PUCRS), Carlos Henrique Horn (UFRGS) e Marcos Lelis (Unisinos), que destacam que a decisão de terceirizar o cálculo do PIB não tem precedentes na história do RS e de nenhum outro estado do País. O governo do Estado divulgou em 21 de junho o primeiro indicador produzido pela FIPE, mas o trabalho vem sendo alvo de críticas pelas mudanças na metodologia utilizada pela empresa na comparação com o que era produzido pela FEE.

O documento dos professores salienta que o Sistema de Contas Nacionais é fundamental para identificar os desafios econômicos a serem enfrentados e o acompanhamento de sua trajetória econômica e social, sendo que o PIB é o que permite a avaliação do desempenho da economia e a averiguação da atividade econômica ao longo do tempo.

Os professores destacam que a padronização do cálculo do PIB é uma orientação da ONU e do FMI e que o cálculo do indicador deveria respeitar quatro critérios metodológicos: “1) PIB é Valor Adicionado Bruto (VAB) mais impostos sobre produtos líquidos de subsídios, sendo o VAB o Valor de Produção (a preços básicos) menos o Consumo Intermediário (a preços do consumidor); 2) as Contas Nacionais, Regionais e Trimestrais são integradas metodologicamente, distinguindo-se a última por um conjunto incompleto de informações em suas estimativas iniciais; 3) as estimativas de PIB são decompostas em variações de preços e volume, sendo que, nas Contas Nacionais brasileiras, se adotam a base móvel anual e séries encadeadas no ano anterior para as Contas Trimestrais; 4) a correspondência e a integração das variáveis conjuntas de preços e volume é o que possibilita a consistência das estimativas trimestrais com as anuais”.

Eles argumentam que a metodologia utilizada pela FEE atendia a esses critérios, enquanto a FIPE, por outro lado, sequer apresentou um documento em que delimita a metodologia que adotou. Além disso, pontuam que a apresentação do PIB trimestral feita até agora e declaração de representantes da empresa e do governo levantam questionamentos a respeito do indicador já divulgado.

“A apresentação indica que o ponto de partida do cálculo foi o PIB Regional de 2015 do IBGE, que contempla 15 atividades. Foram compatibilizadas duas séries com metodologias diferentes, que o IBGE disponibiliza separadamente. As duas séries foram trimestralizadas pela FIPE a partir de uso de índices de volume considerados relevantes pela terceirizada, com vistas a ‘minimizar as diferenças do que consta na metodologia da conta trimestral’. As séries históricas utilizadas pela FIPE contaram com 400 variáveis. Um gráfico que mostra um comportamento distinto entre as séries da FEE e da FIPE foi apresentado. Foi divulgada pela FIPE uma agregação setorial de atividades diferente da usada pelo IBGE e pela FEE”.

Segundo o documento, o fato de a FIPE trabalhar com dados menos detalhados do que a FEE resulta em um indicador impreciso e, portanto, não confiáveis. Os professores apontam que, quando comparados com os números da FEE, os dados da FIPE em alguns casos subestimam o PIB Trimestral e, em outros, superestimam.

“O exame dos materiais divulgados pelo Governo esclarece que, a partir de agora, não existe mais cálculo do PIB do Estado do Rio Grande do Sul e que a sociedade gaúcha terá que aguardar dois anos (período de tempo no qual o IBGE efetua a estimativa do PIB dos Estados) para tomar conhecimento da situação da economia do Estado”, aponta o documento. “Impõe-se o dever de comunicar ao Governo do Estado do RS e à sociedade gaúcha que foi encerrada a produção de estimativas para o PIB do Estado e que a sua série deixou de existir no terceiro trimestre de 2017. O indicador contratado pelo Governo do Estado junto à sua terceirizada não se constitui, do ponto de vista metodológico e técnico, em estimativa do PIB estadual, ainda que, indevidamente, receba essa denominação. As estatísticas oficiais, sempre produzidas por órgãos públicos, não comportam o grau de arbitrariedades utilizadas pela FIPE. O trabalho da terceirizada trata-se apenas de indicador de nível de atividade, comparável a diversos indicadores similares elaborados por instituições, como bancos e entidades de classe”.

Posição do Sindicato dos Economistas

O documento foi entregue a Estilac pelo presidente do Sindecon-RS, Mark Kuschick, que esteve acompanhado na audiência pelo presidente Sindicato de Auditores Públicos Externos do TCE-RS (CEAPE) e pela diretora do Semapi Mara Feltes.

Em conversa com o Sul21 antes da audiência, Kuschick considerou que a terceirização do PIB para uma empresa que não tem experiência nesse tipo de cálculo é “um ato de violência e desconhecimento do governo”. Em virtude disso, nós resolvemos nos somar ao esforço que eles estão fazendo para tentar bloquear essa atitude de romper o contrato”, disse.

Para o economista, a contestação ao indicador produzido pela FIPE decorre do fato de que a empresa não tem base concreta para produzir o cálculo do PIB, uma vez que não utiliza os mesmos dados do IBGE que eram utilizados pela FEE, e acaba por realizar estimativas a partir de dados “que não portam confiabilidade”. “É uma lesão no sistema de cálculo do PIB regional do RS, que vai afetar as nossas séries econômicas, o que, do ponto de vista da categoria profissional dos economistas, é um prejuízo grande”.

Kuschick aponta ainda que, como consequência das mudanças no cálculo do indicador, o Estado acabará não tendo a real dimensão de sua atividade econômica. “A experiência que nos foi relatada é que, pelo sistema que a FIPE utilizou como base de cálculo, o resultado foi um PIB menor do que o que o RS tem efetivamente. Isso é muito ruim para todas as forças econômicas”, afirmou.

Confira o documento entregue ao TCE-RS.