18 Novembro 2015
A alta dos juros, somada ao ajuste, produz um desastre nas contas públicas, avaliam Gabriel Galípolo e Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital 18-11-2015.
Pedindo licença a I. Kant, os economistas, citam, um excerto do celebrado O Que É o Iluminismo?: "Dogmas e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma minoridade perpétua",
E concluem:
"Apesar do ceticismo dos economistas contemporâneos e até mesmo dos extemporâneos quanto à pertinência de ideias do século XVIII, a passagem kantiana é um alerta destinado a prevenir os riscos de se enclausurar a razão nos grilhões do formalismo basbaque, contorcionismos para chegar à conclusão de que a conta de juros é de apenas 70 bilhões de reais (1,2% do PIB). A economia torna-se a filha bastarda do Iluminismo".
Eis o artigo.
Em 23 de julho, um relatório sentenciava: “A previsão do governo de estabilizar a dívida bruta em 66% do PIB a partir de 2016, tendo em vista as novas metas de superávit primário, é uma piada de mau gosto. Nós já estávamos céticos de que as antigas metas entregariam uma relação dívida bruta/PIB estável (estimamos que para isso seria preciso um superávit de mais de 3,5% do PIB, em 2016). A menos que as taxas de juro sejam cortadas severamente, não há simplesmente jeito nenhum de entregar esse resultado”.
Desde a sua publicação, a advertência tem sido insistentemente confirmada pelos resultados. Senão vejamos: a dívida pública atingiu em setembro de 2015 o valor de 3,789 trilhões de reais, equivalente a 66% do PIB. As despesas com juros nominais entre outubro de 2014 e setembro de 2015 foram de 510 bilhões (8,89% do PIB). Logo, dizem as fórmulas, o equilíbrio da relação entre dívida e PIB exige que o PIB nominal também cresça à mesma taxa (8,89%) no mesmo período.
Para evitar a majoração da razão fatal, ensina a aritmética, é preciso quitar a diferença entre o crescimento do numerador (dívida) e denominador (PIB nominal). Esse cometimento exige que a arrecadação do governo supere suas despesas em montante proporcional ao serviço da dívida (superávit primário). Caso o crescimento nominal da economia fosse de 5%, por hipótese, seria necessário um superávit primário de 3,89% para a manutenção da relação dívida/PIB.
Em outubro o governo divulgou previsão de déficit primário de 51,8 bilhões de reais, sem considerar a dívida de 57 bilhões com os bancos públicos e o FGTS, as chamadas pedaladas fiscais. Dado que o PIB dos 12 meses anteriores a setembro de 2015 foi de 5,740 trilhões, o resultado primário será em torno de -0,9% do PIB.
A esse déficit primário se junta o efeito dos juros sobre a dívida pública, indicando um acréscimo do estoque da dívida próximo a 10% do PIB em 2015. As previsões para 2016 apontam para uma dívida bruta superior a 70%. Mantida a taxa de juros básica em 14,25%, será necessário um esforço fiscal próximo a 600 bilhões de reais, apenas para quitar o serviço da dívida.
Caso a inflação esteja próxima do teto da meta em 2016 e as previsões de recessão de 1% se confirmem, a expansão do PIB nominal será da ordem de 5%. Em tais circunstâncias, em grandes números, com a dívida bruta a alcançar o valor de 4 trilhões e os juros a incrementar o estoque da dívida em 10% do PIB, será necessário um esforço fiscal de 5% do PIB para garantir que dívida bruta e PIB nominal cresçam à mesma velocidade. Proeza a ser alcançada em uma situação de queda da receita fiscal.
Ainda que a retração econômica não se confirme ou que a inflação implícita financie parte da majoração do PIB nominal, o irrealismo do resultado primário sugerido é de tal monta que o esforço da política fiscal será insuficiente para evitar uma trajetória exponencial da relação dívida/PIB.
Curiosamente, em 4 de novembro, pouco mais de três meses após a veiculação do supracitado relatório, o autor publica um peculiar raciocínio que nega a relação de causalidade entre a evolução dos juros e da relação dívida/PIB. Apesar de inicialmente reconhecer as despesas com juros nominais de 510 bilhões de reais (outubro de 2014 a setembro de 2015), o especialista propõe deduções: a exclusão das perdas derivadas da intervenção do BC no mercado de câmbio futuro (swap) e o desconto da inflação sobre os juros nominais.
Deflacionar exclusivamente parte do resultado nominal, especificamente os juros, e estabelecer a comparação com as demais despesas e com o próprio PIB em valores nominais tem o propósito de (des)informar os incautos pagadores de impostos e agradar aos clientes que engordam sua contas bancárias com os juros da dívida pública.
Para justificar o truque, o especialista recorre ao conceito de resultado operacional, utilizado nos anos 80, período de alta inflação, e abandonado em 2009 por sua inadequação como medida do déficit nas inflações moderadas. Isso tudo para maquiar o papel dos juros na evolução da razão dívida/PIB (nominal), que saiu de 53% no fim de 2013 e atingiu 66% ainda em setembro de 2015. Nesse mesmo período a taxa básica de juros foi majorada em 96,55% (de 7,25% para 14,25%). “Fenómeno”, diriam nossos vizinhos argentinos.
Pedimos licença a Immanuel Kant para tomar de empréstimo, sem juros e nenhuma indexação, um excerto do celebrado O Que É o Iluminismo?: Dogmas e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma minoridade perpétua.
Apesar do ceticismo dos economistas contemporâneos e até mesmo dos extemporâneos quanto à pertinência de ideias do século XVIII, a passagem kantiana é um alerta destinado a prevenir os riscos de se enclausurar a razão nos grilhões do formalismo basbaque, contorcionismos para chegar à conclusão de que a conta de juros é de apenas 70 bilhões de reais (1,2% do PIB). A economia torna-se a filha bastarda do Iluminismo.
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