18 Novembro 2015
"Irregularidades em Terras Indígenas e desmatamento ilegal são práticas sem conformidade alguma com critérios e aspectos legais de sustentabilidade, inadmissíveis sob normas internacionais para certificação, financiamentos ou comércio", escreve Beatriz Carvalho Diniz, consultora de Comunicação e Sustentabilidade, em artigo publicado por EcoDebate, 17-11-2015.
Eis o artigo.
A campanha de boicote ao agronegócio de Mato Grosso do Sul, motivada pela violência crescente aos Guarani Kaiowá por parte de produtores rurais em situação irregular em Terras Indígenas, é uma pressão legítima em defesa da vida e de direitos. Resposta da sociedade à omissão do governo federal que permite o que se caracteriza como genocídio, é também uma ação de mobilização social propositiva de mudança que colabora para expansão da agropecuária sustentável no Brasil. Soja plantada em Terra Indígena invadida não é sustentável, carne de boi que pasta em Terra Indígena desmatada não é sustentável. Essa classificação não é inventada, resulta das decisões de gestão que carregam a responsabilidade por métodos socioambientalmente insustentáveis e com riscos econômicos e jurídicos.
Da Anistia Internacional ao Ibase do Betinho, mais de 90 organizações já apoiam a iniciativa. Lançada em outubro pelo Conselho Terena e o Aty Guassú do Povo Guarani Kaiowá, a campanha de boicote ao agronegócio de Mato Grosso do Sul esclarece como irregularidades em Terras Indígenas sujam a imagem do Brasil no mercado internacional, que exige certificação de práticas em conformidade com aspectos ambientais e sociais, e representam uma ameaça à reputação do setor em avaliações de risco. Ataques a bala, assassinatos de lideranças, estupros, sumiços de jovens, tortura a crianças e idosos indígenas, incêndios, saraivadas de tiros para o alto são agravantes que marcam a produção agropecuária sul-mato-grossense em situação irregular, da qual empresários que investem na gestão de sustentabilidade no estado deveria se dissociar.
Quem prefere fazer gestão de problemas, e não de soluções, transforma a dependência das decisões do poder público em justificativa para insistir em irregularidades e para impor condições favoráveis a conflitos e violências condenáveis na justiça e na moral. O empresário que monta sua equipe com capangas e dá a ordem para atirar em índios já decidiu que seus produtos não podem ser classificados como sustentáveis, muito menos certificados, para serem vendidos para Europa, Estados Unidos, Ásia. É o preço a pagar que ele mesmo bota nos métodos arcaicos e tacanhos de gestão do seu negócio, e essa responsabilidade por sujar o made in Brazil é intransferível.
O caminho para um agronegócio sustentável no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, requer diagnósticos e adequações a critérios objetivos para as materialidades da cadeia produtiva, o que beneficia a economia, o meio ambiente e a sociedade. Como vendemos para o mercado externo, não é desconhecido, especialmente para os grandes produtores rurais, o conjunto de normas internacionais para as práticas ambientais, trabalhistas, sociais, de bem-estar animal e de gestão. A certificação exigida para exportação de produtos agropecuários brasileiros têm impactos positivos no mercado interno, então, também não são desconhecidas do setor as conformidades de sustentabilidade já adotadas por bancos e compradores.
Irregularidades em Terras Indígenas e desmatamento ilegal são práticas sem conformidade alguma com critérios e aspectos legais de sustentabilidade, inadmissíveis sob normas internacionais para certificação, financiamentos ou comércio. O empresário do agronegócio que mantém situação irregular em Terra Indígena cria e assume o risco de afetar negativamente a imagem da sua produção, do seu estado e do país, de arcar com possíveis prejuízos decorrentes dessa associação e até de comprometer o avanço de um modelo de economia que pressupõe ética e respeito, ou seja, é uma prerrogativa de gestão.
Não tem desavisado nessa história secular de bala contra flecha e árvore. Tanto que no capítulo Gestão do Guia de Práticas para Pecuária Sustentável do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável [GTPS] é recomendado que o “empresário precisa ficar atento à presença de terras indígenas” e informado que qualquer “irregularidade envolvendo estas terras podem impactar diretamente as operações da propriedade“. A pressão sobre bancos e frigoríficos é reconhecida como forma de combater irregularidades, com o alerta de que são evitados negócios com propriedades rurais em que ocorrem problemas ou com problemas associados a elas ou até próximos, tanto em relação a Terras Indígenas quanto ao desmatamento ilegal. Isso quer dizer que um único produtor fora dos conformes é capaz de prejudicar os outros e dar má fama à vizinhança que optou pela gestão sustentável de seus negócios.
Sustentabilidade no agronegócio brasileiro faz diferença daqui para fora. Por isso, aliás, a aprovação da PEC215 deveria ser avaliada pelo setor como uma grave ameaça aos negócios internacionais em conformidade com práticas sustentáveis. Com a transferência da soberania do Estado sobre a demarcação de Terras Indígenas do executivo para o legislativo, o Brasil vai ser posicionado como um mercado em que sequer a Constituição é respeitada e no qual se oficializa o desrespeito a direitos para legalizar a produção fora de conformidade, o que é incertificável. A proposta é tão surreal que não mensura o tamanho da insegurança jurídica e o potencial de instigação e aumento de conflitos, ignorando que as consequências podem ser dramáticas [estamos falando de gente e perdas de vidas] e institucionalmente danosas ao país. Afinal, quem vai certificar a sustentabilidade de qual produto num lugar desses?
Só lembrando: Todas as Terras Indígenas deveriam estar demarcadas e homologadas no Brasil desde 1993, conforme a Constituição Federal.
Já entendeu e quer se engajar?
Segue o link para a página da iniciativa de mobilização no facebook.
Acesse os banneres da campanha com legendas em 3 idiomas em Eco Lógico Sustentabilidade.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A intransferível responsabilidade por sujar o #madeinbrazil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU