Um Sínodo conciliar. Artigo de Enzo Bianchi

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06 Outubro 2015

O Sínodo não é um parlamento, nem um congresso científico, nem uma assembleia de partido. É um evento eclesial, onde os bispos, cum Petro et sub Petro, exercem colegialmente o seu ministério a serviço da comunhão eclesial, onde explicitam o cuidado das pessoas que lhes foram confiadas e assumem a "corrida da Palavra", do anúncio do Evangelho a toda criatura.

A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 04-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Nesse domingo, abriu-se um Sínodo que – da forma como foi pensado e desejado pelo Papa Francisco – se assemelha muito a um Concílio: duas sessões-assembleias à distância de um ano, dedicadas ao mesmo tema da família, amplo envolvimento das Igrejas locais, discussão aberta no nível de teólogos e de pastores, parrésia no debate desejada e favorecida pelas modalidades de trabalho...

Assim, o Sínodo se apresenta, apesar de todas as inevitáveis forçações midiáticas, essencialmente como evento eclesial, posto sob o primado do Evangelho e guiado pelo Espírito Santo, invocado na liturgia que abre não só os trabalhos da assembleia, mas, antes ainda, os corações e as mentes dos Padres sinodais.

É ao Espírito que a Igreja inteira é chamada a se tornar dócil, e é para tentar "escutar o que o Espírito diz à Igreja" que os bispos se reuniram em torno do bispo de Roma, o servidor da comunhão, o sucessor de Pedro, "servo dos servos de Deus". Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é, então, a principal razão dessa cúpula celebrada em uma temporada marcada por uma mudança antropológica rápido e complexa, inesperada até por aquela Igreja que, há 50 anos, terminava o longo, cansativo, mas fervoroso e fecundo trabalho do Concílio Vaticano II, um trabalho de "atualização" e de reforma de si mesma, da sua vida no mundo e do seu ensinamento doutrinal e moral.

Certamente, a infeliz "saída do armário" de um presbítero que declara viver relações homossexuais e compartilhar a própria vida com um companheiro pode ser uma provocação a um debate sereno nos trabalhos sinodais: dificilmente tal operação midiática programada ajudará o debate, nem acho que beneficiará as pessoas que vivem a difícil situação de crentes com relações afetivas de tipo homofílico.

Para além dos inegáveis preconceitos de um certo mundo eclesiástico em relação às pessoas com orientação homossexual, de fato, há irresponsabilidade por parte de quem, como presbítero, é obrigado ao celibato e reivindica, depois, o direito de viver uma união com outra pessoa, de qualquer sexo que seja: é uma escolha em clara contradição com o compromisso assumido livremente diante do Senhor e da comunidade cristã.

No entanto, este Sínodo "conciliar" – o grego, aliás, conhece apenas o termo synodos – mantém intacta a sua característica peculiar, ligada não tanto ao tema em discussão, mas ao método adotado por insistência do Papa Francisco: liberdade de intervenções, discussão franca, confronto fraterno, escuta recíproca.

Os Padres sinodais deveriam fazer com que conflua no Sínodo o seu pensamento de bispos e de pastores, mas, justamente para isso, também ser o eco dos trabalhos e da fermentação suscitados nas Igrejas locais, no povo de Deus, através da palavra dada aos fiéis leigos, a homens e mulheres que cotidianamente tecem a trama do seguimento de Jesus nas estradas do mundo.

Na Itália, esse trabalho preparatório pareceu ser menos convicto e generalizado do que o realizado em outras áreas geográficas e culturais até mesmo não muito distantes do nosso país – pense-se na França, na Alemanha, na Bélgica... –, mas o apelo premente do papa visava justamente a fazer com que os bispos que participariam do Sínodo fossem capazes de tornar eloquentes diante do Evangelho as diversas situações vividas concreta e cotidianamente por pessoas que conhecem as alegrias, as promessas, mas também os fracassos e os sofrimentos da família.

O ponto decisivo é este: narrar a imutável boa notícia da mensagem cristã com palavras, gestos, atitudes, isto é, com uma "linguagem" capaz de falar ao coração e à mente dos homens e das mulheres de hoje, de reaquecer esses corações e de esclarecer essas mentes.

"Tradição, de fato, é a salvaguarda do fogo, não a adotação das cinzas": esse aforismo de Gustav Mahler nos indica como é estéril o recurso a enunciados abstratos, a uma doutrina pensada como imutável nas suas formulações, a um encurvamento sobre "sempre se fez assim", onde o "sempre" indica às vezes apenas algumas gerações de crentes e nunca vai ao encontro da Igreja indivisa dos primeiros séculos, nem à diversidade colorida das comunidades eclesiais que surgiram do cadinho do Mediterrâneo e que se espalharam aos confins da terra, muito menos o falar e o agir de Jesus de Nazaré...

Ao contrário, é preciso olhar para as pessoas com o olhar que Jesus tinha, ele que se interessava primeiro pelo seu sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo nome, anunciava ao pecador o perdão e a misericórdia de Deus, daquele "Pai seu" que não quer a condenação do pecador, mas que este se converta e viva em plenitude.

Nesse olhar, conforme ao olhar do Filho de Deus, está a capacidade da Igreja de ser "perita em humanidade": ela não está isenta da história nem do pecado cometido pelos seus membros, mas, justamente por ser partícipe das vicissitudes e da condição humana, pode, à luz do Evangelho, fazer-se próxima e iluminar situações que parecem ser marcadas apenas pelo mal.

Haverá tempo nestas três semanas de trabalhos sinodais para entrar novamente no mérito das questões tratadas. Hoje, parece-me bastante decisivo insistir no método: o Sínodo não é um parlamento, nem um congresso científico, nem uma assembleia de partido. Em vez disso, é um evento eclesial, onde os bispos, cum Petro et sub Petro, exercem colegialmente o seu ministério a serviço da comunhão eclesial, onde explicitam o cuidado das pessoas que lhes foram confiadas e assumem a "corrida da Palavra", do anúncio do Evangelho a toda criatura.

Para reiterar o que já foi fixado no Código de Direito Canônico, não há a necessidade de um Sínodo: o Sínodo serve para que nos conscientizemos juntos – bispos e povo de Deus – de que, como dizia o Papa João XXIII falando do Concílio, "não é o Evangelho que muda, somos nós que o entendemos melhor".

Portanto, trata-se não de contradizer a palavra de Deus sobre o matrimônio e sobre a radicalidade exigida a cada discípulo seu, mas de afirmar a misericórdia e o perdão de Deus que quer reinar quando a lei foi rompida, lá onde quem pecou está consciente da responsabilidade, do amor autêntico, da reciprocidade do dom, das exigências do seguimento cristão.

Como não desejar que, em certos casos, dos quais os juízes são a Igreja e a consciência das pessoas envolvidas, encontrem-se modalidades para garantir uma vida eclesial plena, na qual os sacramentos seja autêntico bálsamo para as feridas, viático rumo ao reino de Deus, penhor de um novo céu e de uma nova terra?

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