Depreciação interna à vista?

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

28 Mai 2015

"Diante do quadro de perda de confiança, a presidente Dilma decidiu, corajosamente, adotar um ajuste fiscal rígido para recuperá-la. Mas, aproveitando-se da fraqueza do governo, o Banco Central adotou uma política absurda de elevação de juros, e a Câmara aprovou a lei da terceirização, cujo objetivo é a precarização do trabalho", constata Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito de economia, teoria política e teoria social da FGV, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 24-05-2015. 

Eis o artigo.

Em 2008, os economistas liberais perderam a batalha ideológica ao levarem a economia mundial a uma grande depressão. Agora são os economistas desenvolvimentistas brasileiros que a perderam devido aos erros cometidos pelo governo do PT. O custo a ser pago pode ser alto.

Foram dois os erros fundamentais: nos oito anos do governo Lula, a taxa de câmbio se apreciou de forma brutal. A preços de hoje, caiu de R$ 5,20 para R$ 2 por dólar, quando a taxa de câmbio "de equilíbrio industrial", que torna competitivas as empresas competentes do país, deve estar em torno de R$ 3,30 por dólar.

Essa apreciação, ao mesmo tempo que os salários cresciam um pouco acima da produtividade, atingiu a indústria de maneira violenta.

A presidente Dilma assumiu o governo enfrentando uma tarefa impossível: depreciar em mais de 50% a moeda! Naturalmente não o logrou (o real depreciou-se só 20%) e, em consequência, a indústria não reagiu. Diante disso, o governo decidiu compensar a indústria com uma política industrial agressiva, baseada em desonerações fiscais, que levou o país ao deficit primário

Mais uma vez, o governo não teve sucesso. Indústrias e empresas de serviços sofisticados não se tornaram competitivas devido à depreciação cambial. Política industrial é algo que todos os países precisam adotar, mas jamais para compensar uma taxa de câmbio apreciada. 

Além de não ter sido bem-sucedido em fazer as empresas voltarem a investir, o governo perdeu confiança. Não devido à política cambial, mas devido à política fiscal. No Brasil, as pessoas não admitem mais irresponsabilidade fiscal.

Diante desse quadro de perda de confiança, a presidente Dilma decidiu, corajosamente, adotar um ajuste fiscal rígido para recuperá-la. Mas, aproveitando-se da fraqueza do governo, o Banco Central adotou uma política absurda de elevação de juros, e a Câmara aprovou a lei da terceirização, cujo objetivo é a precarização do trabalho.

Está acontecendo no Brasil algo que ocorreu na zona do euro --isso porque lá a depreciação dos euros nacionais é impossível de ocorrer e porque aqui não houve apoio político para fazê-la. Em vez de fazermos a depreciação normal, fazemos a depreciação interna, cujos custos são infinitamente maiores.

A depreciação normal implica custos para todas as classes: para os que recebem salários, pensões, juros, aluguéis e dividendos. Todos passam a receber um pouco menos em termos reais. Já a depreciação interna é, por definição, a baixa dos salários obtida por meio da recessão e do desemprego. Tem alto custo para os assalariados e nenhum para os pensionistas e rentistas.

Dado que a depreciação é inevitável, temos, assim, uma troca absurda --de depreciação normal por depreciação interna, esta baseada numa política fiscal inevitável, numa política de taxa de juros irracional (porque desnecessária e contraditória com o ajuste fiscal) e numa política de precarização salarial.

As elites rentistas sempre foram a favor dessa troca, mas agora também as elites industriais começam a apoiá-la, ainda que saibam que é irracional. Para elas uma taxa de câmbio flutuando em torno de R$ 3,30 lhes devolve a perspectiva de lucro e as leva a investir. Como parece impossível uma política cambial responsável, começam a se contentar com a depreciação interna.

Evidentemente é possível para o Brasil voltar a ter uma taxa de câmbio competitiva. Para que isso ocorra é preciso que, 1) suas elites se convençam da sua necessidade; 2) o governo tire a política cambial do Banco Central e crie um Conselho Cambial Nacional; e 3) seja neutralizada a doença holandesa por meio de um imposto variável sobre as exportações de commodities.

Mas não bastaria agora o Banco Central deixasse de rolar os "swaps" e voltasse a vender dólares para tornar a taxa de câmbio competitiva? Isso é a coisa imediata a fazer, mas não basta. É preciso que o governo neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica (de longo prazo) da taxa de câmbio, que já se reapreciou depois da crise e que deverá se apreciar ainda mais.

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Depreciação interna à vista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU