Por: Jonas | 05 Abril 2015
“O que mais preocupa o eleitorado de Dilma é a absoluta inação do governo, que parece ter se resignado ao beco sem saída para onde foi empurrado ou se deixou empurrar”, escreve o jornalista e escritor Eric Nepomuceno, em artigo publicado por Página/12, 31-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
O Brasil vive uma experiência insólita. Tanto a Câmara de Deputados como o Senado são presididos por parlamentares do PMDB, principal partido da base aliada que garante maioria ao governo de Dilma Rousseff, do PT.
Acontece que ambos – o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros – estão em guerra aberta contra Dilma e seu governo. Resultado: determinam o que deve e o que não deve ser votado e quando. Em outras palavras, em suas mãos, reúnem o efetivo poder de governar. Sem sua aprovação, nenhuma medida considerada essencial pelo governo é colocada em votação. E, por sua vez, colocam em votação, para eufórica alegria da oposição minoritária, projetos e medidas francamente contrárias a todos os planos de Dilma. A verdade é que nenhum desses dois homens merecerá outro registro na história a não ser o relacionado aos seus hábitos, digamos de maneira delicada, pouco republicanos.
No entanto, no esdrúxulo sistema político brasileiro, pode ser que as consequências de seus atos – mesquinhos sempre, covardes sempre – terminem tendo consequências para além de nossas fronteiras. Porque se o governo brasileiro eleito no último mês de outubro é impedido de governar, a turbulência não ficará contida no mapa do país.
No encerramento do terceiro mês do segundo mandato de Dilma, que obteve a reeleição em uma árdua disputa, o país continua vivendo uma paralisação do Poder Executivo, que coincide com a clara rebelião dos caciques que controlam o Poder Legislativo. E assim se fortalece, inquietante, a imagem de um governo fragilizado, acuado e sem dar mostras de conseguir sair de sua catatonia.
As iniciativas, especialmente na Câmara de Deputados, são de franco e claro desafio. Pouco importa o cinismo e a ironia. Por exemplo: conhecido por seu desmesurado apetite pelos postos, cargos e orçamentos, e por seu instruído manejo de todas as ferramentas da chantagem, o PMDB agora propõe reduzir o número de ministérios e secretarias nacionais como forma de diminuir os gastos públicos. Se há dois meses os âmagos de rebelião se davam precisamente por causa da exigência de mais ministérios, agora os veteranos negocistas procuram aparecer como paladinos da contenção da defesa dos interesses republicanos. Ao mesmo tempo, ameaçam vetar as medidas de ajuste fiscal elaboradas pelo governo para tentar equilibrar suas contas.
No Senado se observa algo semelhante. O presidente da Casa, plenamente consciente de seu poder, se dá ao luxo de se negar a dialogar com Dilma Rousseff. Prefere negociar com o ministro da Fazenda, um tecnocrata neoliberal de conhecida rigidez e ausência total de noções elementares do universo da política.
Curiosamente, tanto Cunha como Calheiros estão sendo investigados no grande escândalo de corrupção da Petrobras. Para além da insatisfação provocada pela divisão dos ministérios e secretarias, no momento de formar o novo governo, ser investigados despertou sua sede de vingança pessoal, sem que se importem com as consequências. Os dois acreditam que entraram na lista como suspeitos de delinquir, dignos de ser investigados, por influência de Dilma Rousseff. Se tais manobras fossem possíveis, o mais óbvio é que nenhuma estrela do PT estaria nas mesmas condições...
Tudo isso ocorre enquanto o país enfrenta um complexo cenário econômico. Na última sexta-feira foi divulgado, oficialmente, o resultado da economia em 2014. A pífia expansão de 0,1% do PIB confirma que a economia está congelada. Dilma, em seus primeiros quatro anos de mandato, conseguiu uma média de crescimento anual de 2,1% do PIB, a metade dos 4% alcançados por Lula em seus dois mandatos, e inferior aos 2,3% de Fernando Henrique Cardoso, em seus oito anos.
Também os índices de popularidade de Dilma e seu governo caíram. Até o mais pessimista de seus achegados, e o mais otimista de seus adversários, certamente ficaram atônitos ao ver que os índices de aprovação superam apenas 10%. E, mais preocupante ainda, nas classes mais baixas, principal base eleitoral do PT de Lula da Silva e de Dilma, a figura da mandatária, neste segundo e brevíssimo mandato, desvaneceu-se.
Há, é verdade, uma imensa campanha midiática contra o governo e o PT. Além disso, a cada dia que passa se torna evidente que o Poder Judiciário e inclusive órgãos do Estado, como a Polícia Federal, deixaram-se alegremente seduzir pelos méis da fama e manipulam cuidadosamente as informações vazadas para os meios de comunicação. Com isso, conseguem consolidar a sensação de que o PT de Lula é o detentor exclusivo de tudo o que se refere a atos de corrupção ocorridos no país. Juízes, delegados de polícia e promotores se esmeram em vazar denúncias específicas, não importa se comprovadas ou não, sempre que o alvo seja o PT em primeiro lugar e depois seus aliados.
A soma de cenário econômico complexo, governo frágil, aliados desleais, escândalo de corrupção, campanha midiática e manifestações de rua meticulosamente programadas para parecer espontâneas obscurece o panorama brasileiro. Um fantasma esquecido há muito tempo, o do desemprego, voltou a assombrar trabalhadores de vários segmentos.
É tenso o ambiente. E o que mais preocupa o eleitorado de Dilma é a absoluta inação do governo, que parece ter se resignado ao beco sem saída para onde foi empurrado ou se deixou empurrar.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Política brasileira. Quando os aliados se tornam oposição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU