Dois encontros com o Papa no Vaticano. Entrevista com Roberto Carlés

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Por: André | 25 Março 2015

O candidato do Governo para a Suprema Corte da Argentina, Roberto Carlés, encontrou-se duas vezes com o Papa na semana passada no Vaticano: a primeira, em nível estritamente pessoal; a segunda, como membro da Rede Mundial de Acadêmicos pela Abolição da Pena de Morte, junto com o espanhol Federico Mayor Zaragoza, presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte. Durante o encontro com os juristas, na biblioteca do pontífice no Palácio Apostólico, o Papa Francisco entregou-lhes uma carta na qual, com palavras contundentes, luta pela abolição da pena de morte.

“O resultado desta audiência foi mais que positivo e, como sempre, o Papa nos prepara mais de uma surpresa. Hoje, a surpresa foi uma carta de quatro páginas na qual fixa sua posição sobre o tema e faz referência a outros pronunciamentos seus, como a carta que dirigiu à Associação Internacional de Direito Penal e à Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia no dia 30 de maio do ano passado, e ao encontro que tivemos por ocasião de um congresso que reuniu importantes entidades internacionais de Direito Penal e que organizei em Roma em outubro do ano passado”, disse Carlés ao jornal Página/12 pouco depois da audiência no Vaticano.

A entrevista é de Elena Llorente e publicada no jornal argentino Página/12, 21-03-2015. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Você se encontrou, na quinta-feira 19 de março, com o Papa Francisco. O que pode dizer sobre esse encontro?

Posso dizer apenas que fui recebido na Residência de Santa Marta, onde mora o Papa. Foi uma visita estritamente privada. Foi, para mim, uma grande alegria poder visitá-lo quando, na Itália, se celebrava o Dia do Pai, o dia de São José. Era feriado no Vaticano e isso, talvez, permitiu que pudéssemos conversar um pouco mais. Mas não é a primeira vez; tivemos vários encontros no ano passado.

E na audiência com os juristas, quais foram os temas que abordaram com Francisco?

Falamos do nosso trabalho e dos nossos objetivos, o que fizemos até agora. A verdade é que o recente anúncio de um Jubileu da Misericórdia, um novo Ano Santo, é uma oportunidade extraordinária para que o Papa faça um apelo aos líderes do mundo, sobretudo àqueles países onde ainda existe a pena de morte, para sua abolição quando for politicamente possível, ou, pelo menos, para conseguir moratórias o mais extensas possível. Conseguiu-se a moratória em alguns Estados dos Estados Unidos, como a Pensilvânia.

Trataram de temas argentinos nesta audiência?

Não houve temas argentinos na audiência. Falou-se apenas da pena de morte, mas em uma perspectiva ampla, entendendo-a não apenas como a execução da pena que se aplica depois de um processo penal, mas referindo-se também aos Estados que matam ou que executam sem processo, extrajudicialmente.

Qual foi a coisa mais contundente que o Papa disse na carta que lhes entregou, segundo você?

Uma das frases mais claras é a que diz: “Atualmente, a pena de morte é inadmissível, por mais grave que tenha sido o crime do condenado”. O Papa foi inclusive mais longe dizendo que os Estados são senhores da vida e da morte das pessoas quando não provêm, por exemplo, à satisfação das necessidades básicas, moradia, saúde, alimentação, e isso também é condenar à morte as populações por mais que não seja uma pena de morte formal. Francisco escreveu textualmente: “Os Estados podem matar por ação quando aplicam a pena de morte, quando levam os seus povos à guerra ou quando realizam execuções extrajudiciais ou sumárias. Podem matar também por omissão, quando não garantem aos seus povos o acesso aos meios fundamentais para a vida”. E acrescentou: “A pena capital é, além disso, um recurso frequente do qual lançam mão alguns regimes totalitários e grupos de fanáticos, para o extermínio de dissidentes políticos, de minorias, e de qualquer sujeito etiquetado como ‘perigoso’ ou que pode ser percebido como uma ameaça para o seu poder ou para a consecução de seus fins”.

Na Argentina, publicou-se que a Igreja estaria incomodada com certas versões que garantem que sua indicação como candidato à Suprema Corte conte com o apoio do Papa Francisco... O que responde?

Quando se fala de mal-estar na Igreja por uma suposta utilização do Papa para a minha candidatura à Corte, a primeira coisa que me vem à mente é que eu também sou a Igreja, faço parte dela. Mal-estar na Igreja: de quem? Se há alguém dentro da Igreja, dentro da hierarquia eclesiástica ou dentro do povo católico que tem algo para dizer, deveria dizê-lo de forma institucional e clara. Não sabemos quem fez essas declarações.

Em segundo lugar, eu nunca utilizei o Papa em nenhum tema e menos a partir da minha candidatura à Corte. As entrevistas e reuniões que tive com o Papa foram muito antes de ser postulado à Corte, com exceção desta, que estava agendada anteriormente à minha indicação, mas que aconteceu depois e que teve um objetivo que não tem nada a ver com a política argentina, como é a abolição da pena de morte. Eu tenho uma excelente relação com o Papa. Mais que utilização há uma colaboração mútua para tratar de impulsionar algumas causas como a que tratamos ontem sobre a pena de morte.

Vamos supor que você chegue à Suprema Corte: seria o membro mais jovem. Qual é a primeira coisa que gostaria de implantar?

Gostaria de implementar uma Corte ativa e muito mais aberta ao diálogo com a sociedade em geral. O centro de informação judicial, por exemplo, é um instrumento extraordinário pelo que faz ao acesso à informação. Mas também quisera promover as audiências públicas e os “amigos do tribunal” para que as pessoas proporcionem material para os juízes. Hoje se fala muito da cultura do encontro, da necessidade de diálogo, do consenso. Eu gostaria de avançar nesse sentido criando uma Justiça mais participativa.

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