''Salvemos a fé no Ocidente'': assim nasce a ideia de um Jubileu extraordinário

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16 Março 2015

O medicamento da "misericordina", o remédio-rosário aconselhado aos fiéis, repousa em uma gaveta do seu quarto na Casa Santa Marta. Do lado de fora, o brasão pontifício com o lema "Miserando atque eligendo", tirado das homilias de São Beda, o Venerável ("olhou-o com um sentimento de amor e o escolheu"). O Papa Francisco refletiu longamente nos últimos meses do ano passado, assim como faz nos raros momentos em que, de madrugada, no "Quarto 201", escreve as suas homilias antes da missa matinal e, depois, decidiu: o próximo Jubileu Extraordinário será sob o nome da misericórdia.

A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 14-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

E justamente essa palavra, mais do que outras, esse "sentimento de amor", é um dos termos-chave do pontificado de Francisco. A outra é "harmonia", como acertadamente indicou o padre Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, homem que, talvez mais do que outros, também pela comum pertença jesuítica, é capaz de explicar e decifrar o pensamento de Jorge Mario Bergoglio.

E de "harmonia" o papa falou longamente em dezembro, na viagem realizada ao Sri Lanka e às Filipinas. Outras latitudes. Mas, tendo voltado para Roma, concentrando-se nos eventos de um ano que se apresenta como decisivo entre visitas previstas para a África e a América, na Itália (três) e a conclusão em outubro do importante Sínodo sobre a família, Bergoglio inseriu várias vezes a palavra "misericórdia" nos seus discursos.

Primeiro, no consistório de fevereiro, quando falou aos 20 novos cardeais recém-criados. Depois, apenas algumas semanas atrás, na carta enviada ao seu sucessor na diocese de Buenos Aires, aquele Mario Poli pescado nos pampas argentinos, que foi trazido para a capital e criado cardeal. Também ali, naquelas linhas, a exortação à misericórdia assumia tons vibrantes e a meditar. Dentro de si, um pensamento fixo: a crise da fé no Ocidente.

Há quem diga, no círculo não muito amplo dos amigos de Francisco no Vaticano, que a palavra "misericórdia" é está bem esculpida nele desde que se tornou bispo, no longínquo 20 de maio de 1992, de acordo com a vontade de Karol Wojtyla. E que esse conceito atravessou toda a sua vida sacerdotal, primeiro como arcebispo da sua cidade, depois como cardeal, até a eleição ao sólio pontifício. Uma constante tão longa quanto um arco.

Na realidade, se relermos apenas os discursos dos últimos meses, essa palavra se repete insistentemente, comparando-se com outra frase central sua. Esta: "O medo de perder os salvos e o desejo de salvar os perdidos". Conceito que aqueles que lerem o próximo livro do papa La logica dell’amore [A lógica do amor] (a ser lançado no dia 19 de março pela editora Rizzoli), com introdução do padre Antonio Spadaro, vai reencontrar em capítulos que, como estações da Via Sacra, marcam todo o texto. Uma "misericórdia", portanto, que se solda com o momento de penitência para a Páscoa.

Mas por que as datas do dia 8 de dezembro e do dia 20 de novembro, escolhidas como abertura e encerramento de um evento que, antigamente, a Igreja estabelecia a cada 25 anos e, hoje, o pontífice anuncia como Ano Extraordinário a apenas 15 anos de distância do último Jubileu, aquele convocado no ano 2000 por João Paulo II?

O dia da Imaculada Conceição indica claramente para Francisco a importância de Maria, figura sobre a qual o papa muitas vezes voltou com exemplos capazes de amplificar o afeto e o respeito alimentado pela mãe de Jesus. Outra recordação desejada: a abertura ocorrerá no 50º aniversário do encerramento do Vaticano II e, assim, adquire significado impulsionando a Igreja a continuar a obra iniciada em um Concílio ao qual este papa se refere muitas vezes.

Já a data de encerramento é o dia de Cristo Rei, quando os jesuítas pronunciam os votos. Um lembrete muito forte para a Companhia, que considera esse dia como o momento em que Cristo julga, o dia da penitência (o Rei Eterno, segundo a definição do fundador Santo Inácio). Não falta mais um sentido simbólico: Bergoglio decidiu convocar o Ano Santo no dia do segundo aniversário da sua eleição como pontífice da Santa Igreja Romana, naquele dia 13 de março de 2013 em que anunciou ao mundo aceitar a nomeação com o surpreendente nome de Francisco.

"Ninguém pode ser excluído da misericórdia", disse ele durante a sua primeira viagem ao exterior, a do Brasil, com o recorde (hoje já batido) de seis milhões de pessoas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Um conceito que foi crescendo, com uma insistência evidente nos últimos meses.

"A misericórdia – lembra ainda o padre Spadaro – é uma constante sua. Eu diria que é justamente a chave do seu pontificado. Francisco não está fazendo a reforma da Cúria, mas está enfrentando a crise da fé no Ocidente. Ponto". Uma frase que pode surpreender. Que faz pensar. Nela, por Ocidente, entende-se o Hemisfério Norte, a área secularizada que conhecemos. Na qual, precisamente, a imagem de Deus parece estar em crise, não comparável com regiões do mundo onde a fé, ao contrário, está crescendo, Ásia e África.

A crise é aqui. É agora. E é aqui que precisamos não só de "harmonia" ou de "compaixão". Mas, diz o papa, especialmente de um sentimento de amor. De "misericórdia".

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