27 Outubro 2014
Não houve acordo no Sínodo sobre a homossexualidade e o divórcio, mas no fim será o papa quem vai decidir. E ele já tem em mente as mudanças que quer introduzir – na verdade, já está colocando-as em prática.
O comentário é de Sandro Magister, publicada no blog chiesa.it, 24-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Não é verdade que o Papa Francisco ficou em silêncio durante as duas semanas do Sínodo dos Bispos. Nas homilias matinais na Casa Santa Marta, ele falou diariamente sobre os fanáticos pela tradição, aqueles que criam fardos insuportáveis para os homens, aqueles que só têm certezas e nenhuma dúvida, os mesmos que ele atacou em seu discurso final no Sínodo.
Este papa é tudo, menos imparcial. Ele quis que o Sínodo orientasse a hierarquia católica na direção de uma nova visão sobre o divórcio e a homossexualidade, e teve sucesso, apesar do número escasso de votos a favor da mudança de curso, após duas semanas de intensos debates.
Em todo caso, é ele quem, em última instância, decidirá – e isto foi lembrado aos cardeais e bispos por ele próprio, aqueles que poderiam ter alguma dúvida. Para refrescar a memória deles sobre este poder “supremo, pleno, imediato e universal”, o pontífice trouxe à tona não um punhado de passagens refinadas da constituição dogmática “Lumen Gentium”, mas os cânones sólidos como uma rocha do Código de Direito Canônico.
Sobre a comunhão para os católicos divorciados e casados novamente no civil, já se sabe como o papa pensa. Como arcebispo de Buenos Aires, ele autorizou os “curas villeros”, padres enviados às periferias, a dar a comunhão a todos e todas nestes locais, embora quatro quintos dos pares não eram nem mesmo casados. E, como papa, por telefone ou carta ele não teme encorajar alguns dos fiéis que se recasaram a receber a comunhão sem se preocuparem com o caso, até mesmo sem percorrer os “caminhos penitenciais sob a orientação do bispo diocesano” projetados por alguns no Sínodo, e sem vir a público negar estas posturas quando o noticiário expôs estas mesmas ações.
Esta é uma das formas nas quais Jorge Mario Bergoglio exercita os seus poderes absolutos como chefe da Igreja. E quando instiga o todo da hierarquia católica a segui-lo em sua caminhada, ele sabe muito bem que a comunhão para os divorciados e recasados, numericamente insignificantes, é a brecha para uma mudança mais geral e radical, no sentido daquela “segunda possibilidade de casamento”, com a dissolução consequente do primeiro, que se admite nas igrejas ortodoxas orientais e que ele, Francisco, logo após a sua eleição como papa disse que “deve ser estudado” na Igreja Católica também, “no contexto do acompanhamento pastoral para o matrimônio”.
Foi em julho de 2013 que papa tornou públicas estas intenções. Mas nesta mesma entrevista, concedida no voo de volta do Brasil a Roma, ele abriu terreno para a questão da homossexualidade também, com o dizer memorável: “Quem sou eu para julgar?”, universalmente interpretado como uma absolvição dos atos que sempre haviam sido condenados pela Igreja, mas que não mais os são, se eles forem cometidos por alguém que “esteja procurando o Senhor e tem boa reputação”.
Este assunto não teve uma passagem fácil neste Sínodo dos Bispos. Ele foi invocado na assembleia por nada menos do que três padres: o cardeal Christoph Schönborn, o jesuíta Antonio Spadaro (diretor da La Civiltà Cattolica”) e o arcebispo malaio John Ha Tiong Hock.
Hock apoiou-se num paralelo traçado pelo Papa Francisco entre o juízo da Igreja sobre a escravidão e o juízo sobre a contracepção, que o homem de hoje tem de si mesmo, para dizer que, assim como o primeiro mudou, da mesma forma também o segundo juízo pode sofrer mudanças.
Por sua vez, o Pe. Spadaro trouxe o exemplo do papa de uma menina adotada por duas mulheres para sustentar que situações como estas devem ser tratadas de uma forma nova e positiva.
Em seguida, por ter inserido no documento de trabalho intermédio três parágrafos incentivando o “crescimento afetivo” entre dois homens ou duas mulheres “integrando a dimensão sexual”, Dom Bruno Forte, secretário especial do Sínodo a pedido do papa, foi publicamente repudiado pelo cardeal relator, o húngaro Péter Erdö. O debate subsequente entre os padres sinodais tirou os três parágrafos do texto, os quais no “Relatio” final foram reduzidos a apenas um sem nada de novidade, nem mesmo atingindo o quórum de aprovação.
Mas aqui também Francisco e seus tenentes, desde Forte a Spadaro e a Dom Víctor Manuel Fernández, acertaram o alvo, que era colocar esta questão polêmica na ordem do dia. Resta saber o resultado ainda.
Porque é assim como a revolução de Bergoglio procede: “longo prazo, sem a obsessão dos resultados imediatos”. Pois “o importante é iniciar processos, e não ocupar os espaços”. São as palavras da exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, o programa deste pontificado.
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A revolução paciente do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU