Talvez Francisco não esteja em busca de uma guinada à esquerda, mas de um novo equilíbrio

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29 Setembro 2014

Especialmente na esteira dos rumores segundo os quais o Papa Francisco estaria prestes a rebaixar o cardeal americano Raymond Burke a uma função cerimonial no Vaticano, a escolha de Dom Blase Cupich, feita semana passada para arcebispo de Chicago, cimentou as impressões generalizadas de estar havendo uma guinada à esquerda no catolicismo.

No Twitter, uma reação descontente chamou este golpe duplo de o início da “anglicanização macia e fofa” da Igreja Católica.

A reportagem é de John A. Allen, publicada por Crux, 23-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Burke é um herói para os conservadores e uma voz especialmente forte a favor das causas pró-vida, enquanto Cupich é basicamente o que os europeus chamariam de “centro-esquerda”, ou seja, um moderado que é mais benquisto pelos progressistas. Juntos, estes dois movimentos parecem traçar uma imagem política bem clara.

Há aqui, no entanto, um problema.

A impressão de uma virada recente à esquerda depende de mantivermos estes dois movimentos em foco – um dos quais não está confirmado ainda, embora Francisco já tenha tirado Burke da Congregação para os Bispos em dezembro – e de deixarmos algumas outras partes importantes fora da análise.

Por exemplo, há a nomeação feita na última quinta-feira de Anthony Fisher como o novo arcebispo de Sydney, Austrália. “Protégé” do cardeal George Pell, quem atualmente supervisiona a reforma financeira da Cúria Romana, Fisher é um teólogo dominicano que, quase universalmente, seria considerado conservador.

Ao escrever para a Australian Broadcasting Corporation [rede pública australiana de televisão], o Pe. Richard Umbers disse recentemente que Fisher é “um exemplo daquilo que George Weigel chama de catolicismo evangélico”, que sempre esteve corajosamente comprometido com a ortodoxia católica, sendo impaciente com as novidades teológicas.

No nível pessoal, Fisher é muito educado e erudito, e não se encaixa no ideal de progressista que geralmente se tem.

No momento, temos a nova lista anunciada para compor a Comissão Teológica Internacional – CTI, organismo consultivo de teólogos de todo o mundo para a ultrapoderosa Congregação para a Doutrina da Fé.

Ao longo dos anos, a CTI atuou como uma espécie de sistema de alerta precoce. Quando eles se interessam sobre algum assunto, temos indícios de que, em seguida, a Congregação poderá dar início a investigações sobre alguns escritos de teólogos que estiverem produzindo naquele campo.

O que é novidade nesta composição da CTI é o aumento de número de mulheres – desta vez são cinco ao total, diferentemente das duas apenas que faziam parte do grupo no período anterior.

Uma vez percorridos os 30 nomes, no entanto, algo que salta aos olhos é a preponderância de figuras consideradas pela maioria dos católicos como bastante conservadoras.

O Pe. Thomas Weinandy, por exemplo, é um franciscano capuchinho que trabalhou de 2005 a 2013 como chefe de gabinete para a Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA. Ele foi essencial no veredicto negativo conferido pelos bispos sobre os escritos da Irmã Elizabeth Johnson, teóloga feminista da Universidade de Fordham. Weinandy foi também um apoiador da investigação do Vaticano a respeito da Conferência de Liderança das Religiosas – LCWR (Leadership Conference of Women Religious, no original), a organização mais progressista das irmãs americanas.

A Irmã Prudence Allen, também dos Estados Unidos, é membro das Irmãs da Misericórdia, na cidade de Alma, Michigan. Ela é do tipo de religiosa que não sente remorso em usar hábito, e em 2010 publicamente criticou as irmãs católicas progressistas que romperam com os bispos ao apoiarem a reforma no sistema de saúde proposto pelo governo Obama, apesar das questões envolvendo o financiamento do aborto.

Da Alemanha, o Pe. Karl-Heinz Menke é membro do Schulerkreis, ou “círculo de alunos”, em torno do Papa Bento XVI. Menke dedicou um de seus livros a Ratzinger, e foi citado pelo papa emérito num de seus próprios volumes sobre Jesus. Recentemente, este padre foi escolhido para ser o principal orador num encontro de ex-alunos de Ratzinger devotado à teologia da Cruz.

Tracey Rowland, da Austrália, mantém laços estreitos tanto com Pell quanto com Fisher, e pode ser considerada como estando entre as principais luzes intelectuais do movimento de “catolicismo evangélico” a que Umbers se referiu. Ela frequentemente escreve para publicações com inclinação conservadora, e é vista como uma defensora da doutrina tradicional católica.

O Pe. Piero Coda é um dos teólogos mais conhecidos da Itália e membro do movimento Focolares. Não é nenhum ideólogo, mas em 2008 defendeu os papas João Paulo II e Bento XVI contra acusações feita pelo decano progressista Hans Küng de que eles tinham traído o espírito reformista do Concílio Vaticano II.

Poderíamos continuar esta lista, mas estes cinco exemplos já são o suficiente para mostrar a presença conservadora na Comissão Teológica.

Para não restar dúvida, todas estas pessoas são pensadores realizados, estão mais que qualificados a assessorar o Vaticano em questões doutrinais. É difícil não se surpreender, entretanto, com o fato de que eles parecem vir, esmagadoramente, de apenas um lado da rua...

Então, qual o problema? Será que o Papa Francisco está sofrendo da síndrome de múltipla personalidade? Ou há outra explicação?

Por um lado, tanto na nomeação de Fisher quanto nas nomeações para a CTI, a força motriz não foi o próprio papa. George Pell foi o primeiro motor na nomeação de Fisher, e as escolhas para a Comissão Teológica Internacional vieram do cardeal alemão Gerhard Müller, chefe da Congregação para a Doutrina da Fé.

No entanto, Francisco é um papa ativo, participante. Ele não aprovaria estas decisões caso não estivesse ciente do que elas significam.

Talvez a melhor hipótese é a de que o que ele realmente está à procura não é uma guinada à esquerda, mas um novo equilíbrio. Ele disse querer que a Igreja esteja em diálogo com todos, e uma forma de fazer isso é garantir uma mistura de perspectivas nos cargos de liderança.

O Papa João Paulo II teria dito certa vez: “Tenho que ser papa tanto para aqueles que têm um pé no acelerador quanto para aqueles que têm um pé no freio”. Embora o ditado possa ser apócrifo, o que ele diz está absolutamente certo e os recentes movimentos do Papa Francisco parecem refletir algo deste mesmo pensamento.

Entre as alcunhas que os meios de comunicação inventaram para este papa – o “Papa do povo”, o “Papa dos pobres”, e assim por diante –, talvez tenhamos que acrescentar mais um caso esta prática continuar: o “Papa do equilíbrio”.

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