23 Agosto 2013
Palestra do professor Ladislau Dowbor no Instituto Humanistas Unisinos - IHU destacou a urgência da alocação racional de recursos para o enfrentamento da desigualdade social e da degradação ambiental.
Fotos: Luciano Gallas |
“Precisamos reduzir drasticamente as desigualdades e preservar o planeta. Inspirando-se em Rousseau, podemos dizer que estamos no limiar de um novo pacto”, afirmou o professor Ladislau Dowbor (foto) durante a palestra Processos de inovação e geração de riqueza: necessidade de novos indicadores?, realizada na noite de terça-feira, dia 20-08-2013, diante de um Auditório Central da Unisinos completamente lotado. A atividade integra a programação do II Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades.
Formado em Economia Política e Doutor em Ciências Econômicas, dotado de uma ironia fina e bom humor, por várias vezes Dowbor fez provocações à plateia, constituída na maior parte por estudantes de Economia e Administração. “O PIB mundial vai muito bem, obrigado. A população aumentou. A produção também. Temos um volume de produção absolutamente genial. Só que o PIB não mede a nossa felicidade”, enfatizou, apontando o acúmulo de pneus no meio ambiente e o derramamento de petróleo nos mares como consequências do atual modelo produtivo, direcionado para o aumento da produção em detrimento da distribuição da riqueza e da sustentabilidade ambiental.
A reportagem é de Luciano Gallas.
“O PIB mede a quantidade de uso de recursos. O PIB não mede o que a gente quer atingir, não mede resultados. Não estamos acostumados a pensar de forma sistêmica, a longo prazo. Mas a nossa situação atual está nos levando a isso”, reiterou Dowbor, para quem a degradação do ambiente e a alta concentração de renda chegaram a tais níveis que tornam urgente a adoção de um pacto mundial pela sobrevivência do planeta. Afinal, as crises sociais e ambientais são regra no sistema capitalista e não situações de exceção em um modelo que supostamente estaria funcionando de forma adequada. “O mundo produz um quilo de cereal por habitante ao dia. Isso é muita coisa. E ainda assim temos pessoas passando fome”, ilustrou o economista.
O professor lembrou um episódio vivido por ele para reforçar a análise. Ao se deslocar até a unidade de uma grande rede de lojas de materiais de construção localizada em São Paulo, ele se deparou com uma enorme prateleira que ocupava toda a altura do depósito da loja, na qual podiam ser contemplados vários assentos de vasos sanitários. Ao multiplicar o número de colunas e de linhas para calcular a quantidade de modelos diferentes dispostos ali, Dowbor chegou à conclusão de que havia 385 tipos diferentes de assentos de plástico. “Tudo isso custa petróleo, custa matéria-prima, inclui mão-de-obra. Mas está aumentando o PIB...”, provocou o docente, questionando as prioridades do sistema produtivo hegemônico.
Recursos
“É importante dizer que nós temos suficientes meios públicos para travar a destruição”, enfatizou o professor Ladislau Dowbor na palestra. Como exemplo, ele citou as ações que a Pastoral da Criança consegue realizar em favor de meninos e meninas com recursos da ordem de R$ 1,70 por mês para cada criança atendida. O economista também apresentou uma série de informações relacionadas aos gastos anuais com produção, distribuição e consumo de determinados produtos (os dados são dos anos 1990) para demonstrar que há recursos suficientes e os comparou com o financiamento necessário para o atendimento de políticas sociais em escala global.
Assim, Dowbor demonstrou que seriam necessários 6 bilhões de dólares para uniformizar o atendimento da educação básica em todo o planeta, montante menor que os gastos anuais com cosméticos somente nos Estados Unidos – da ordem de 8 bilhões de dólares. De modo semelhante, seriam precisos 9 bilhões de dólares para uniformizar o acesso à água potável a aos serviços de saneamento básico no mundo, enquanto gasta-se 11 bilhões de dólares anualmente com a produção e o consumo de sorvetes apenas na Europa. Para desenvolver programas de atendimento à saúde reprodutiva da mulher em escala global, por outro lado, estima-se que seriam necessários 12 bilhões de dólares, valor gasto a cada ano com perfumes na Europa e nos Estados Unidos. Já o consumo de drogas representaria um gasto anual de 400 bilhões de dólares em todo o mundo, enquanto os gastos militares chegariam a 780 bilhões de dólares anuais.
Concentração de renda
O economista lembrou que a parcela formada pelos 20% mais ricos detém 82,7% dos recursos totais do planeta, numa demonstração contundente da concentração de renda. Conforme Dowbor, a desigualdade exclui bilhões de pessoas, tornando-se um problema social e ético, mas também econômico, na medida em que estas pessoas não são chamadas a colaborar para a geração e distribuição de riquezas. Isso demonstra, por si só, que o sistema de produção vigente é excludente em sua própria estrutura e que se torna ainda mais cruel na medida em que é mal administrado. De toda sorte, bem administrado ou não, a crise é sua condição permanente. “E não se pode afirmar que o problema é somente relacionado aos políticos. O problema é todo o sistema. A questão das prioridades atuais na geração de riquezas envolve toda a sociedade”.
Novos indicadores
Para o professor, não são necessários novos indicadores para medir os processos de inovação e de geração de riquezas a partir dos aspectos ambientais e sociais, pois estas informações já existem. Para ele, o que falta é agregar as várias informações disponíveis sobre educação, saúde, transporte público, segurança, parques urbanos, qualidade da água, solo, florestas e clima, de modo a avaliar mais adequadamente o nível de qualidade de vida de determinada sociedade, indo além da soma dos fluxos comerciais medida pelo PIB. “Os indicadores já existem, inclusive com dados município por município. Temos é que usá-los”, sintetizou o economista.
Quem é Ladislau Dowbor
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Universidade de Lausanne (Suíça), mestre em Economia Social pela Escola Central de Planejamento e Estatística, de Varsóvia (Polônia) e doutor em Ciências Econômicas pela mesma Escola Central de Planejamento e Estatística (Polônia). Atualmente, é professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) nas áreas de economia e administração. Foi coordenador técnico do Ministério de Planejamento da Guiné-Bissau (1977-81), consultor do Secretário Geral da ONU na área de Assuntos Políticos Especiais (1980-81) e Assessor Técnico Principal de projetos das Nações Unidas na Guiné Equatorial e Nicarágua. É consultor de vários governos, entre os quais Equador, Costa Rica e África do Sul, para a organização de sistemas descentralizados de gestão econômica e social.
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