06 Março 2013
Esperamos um papa que seja um corajoso reformador. Sem uma mudança decidida de muitos aspectos da vida da Igreja e das suas instituições, a retomada da evangelização não pode decolar.
A opinião é do teólogo italiano Severino Dianich, vigário episcopal da diocese de Pisa e ex-professor da Faculdade Teológica da Itália Central, em Florença. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 01-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Esperamos um papa que seja um corajoso reformador. Sem uma mudança decidida de muitos aspectos da vida da Igreja e das suas instituições, a retomada da evangelização não pode decolar, porque em muitos países da terra, paradoxalmente, justamente certos aspectos do rosto da Igreja obstaculizam aquela abordagem simpática com o mundo, a estima recíproca, a disponibilidade ao diálogo, indispensável para comunicar a fé às pessoas.
"Liberta dos privilégios materiais e políticos"
O Papa Bento XVI, que agora deixou o seu ministério, entrega ao seu sucessor, irresolvido, o problema que ele captava perfeitamente, quando, no seu discurso de 25 de setembro de 2011, dirigido ao Konzerthaus de Friburgo, na Alemanha, aos "católicos comprometidos na Igreja e na sociedade", olhava para uma Igreja finalmente "liberta dos fardos e dos privilégios materiais e políticos".
Fazendo-se implicitamente essa interrogação, o papa olhava para as vicissitudes da história nas quais a Igreja era "liberta" à força e assim as julgava: "De fato, as secularizações – sejam elas a expropriação de bens da Igreja, o cancelamento de privilégios, ou coisas semelhantes – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despoja-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e volta a abraçar plenamente a sua pobreza terrena".
A reforma interior não basta
A santidade pessoal daqueles que atuam à frente das instituições eclesiásticas não resolve o problema, porque aqueles que não experimentam a partir de dentro a vida da Igreja só entreveem o seu rosto a partir das suas manifestações públicas, através dos meios de comunicação, e deduzem o seu julgamento as imagens que daí percebem.
A pessoa contemporânea não está mais disposta, em nenhum âmbito da vida comum, a aprovar a priori tudo o que se decide e se faz a partir de cima: a emancipação de toda forma de autocracia já faz parte da alma da pessoa contemporânea. (...)
O anúncio cristão é de que Jesus, e só Ele, é o Senhor, para que até mesmo a Igreja concorda que irá reger a consciência: a sua língua, razão pela qual não convém nem mesmo à Igreja exercer um senhorio sobre as consciências: a sua linguagem, mesmo no devido exercício do seu magistério, que tem o carisma do anúncio de autoridade da palavra do Senhor, deverá ser sempre marcada por um forte senso de submissão a Deus e se apresentar ao mundo como expressão de "um pensamento humilde".
A imprescindível pobreza da forma Christi
Dessa atitude de humilde partilha da labuta do mundo, deriva para a Igreja também a necessidade de abraçar a pobreza, a forma Christi, aquela com a qual Cristo se revestiu, ele que "sendo rico, se fez pobre" para que nos tornássemos "ricos mediante a sua pobreza" (2Cor 8, 9).
A pessoa de hoje, que temos a enorme tarefa de evangelizar, está acostumada às formas de uma vida pública marcada por um espírito democrático e igualitário. As próprias autoridades civis se despojaram das formas barrocas que pretendiam exaltar o seu poder. Mas, acima de tudo, diante do espetáculo impressionante da assustadora miséria de massas enormes de pessoas, ninguém hoje é capaz de tolerar manifestações de riqueza onde se prega o Evangelho.
Rumo a uma ampla colegialidade
Antonio Rosmini, ainda em meados do século XIX, considerava como uma chaga da Igreja a distância entre os fiéis e os pastores. O fato de que a distância se encurtou muito está diante dos olhos de todos. Porém, restam dois aspectos fundamentais da eclesiologia conciliar que ainda exigem algumas reformas estruturais para dar os seus frutos. Todos, no batismo, receberam uma consagração sacerdotal fundamental, que compreende a graça e a tarefa de ser mediadores entre Deus e as pessoas. Pois bem, essa forma ecclesiae de um povo cristão, não destinatário, mas sim sujeito da missão, para se tornar de ideal, real, exigiria a implementação do princípio da sinodalidade.
No mais alto nível está o problema da colegialidade episcopal e, nos outros níveis, o da atribuição aos fiéis de uma efetiva participação nas decisões relativas à vida da comunidade.
Colegialidade episcopal
A colegialidade episcopal não pode esperar a convocação extraordinária de um concílio ecumênico para ser implementada plenamente. O exercício da colegialidade intermediária que determinasse com autoridade o andamento comum das Igrejas de uma certa região preencheria a lacuna hoje existente entre a autoridade do bispo individual e a do papa, a partir do qual deriva uma situação de solidão de ambos os sujeitos. Falta ao bispo individual o conforto suficiente de uma decisão colegiada tomada no mais alto nível e de uma decisão sinodal tomada no nível mais baixo dentro da sua Igreja. (…)
Uma condição, no entanto, para que a colegialidade possa ser posta em ação com aquelas suas dialéticas vivazes e fecundas que sempre animaram os concílios, contribuindo com preciosos frutos para a Igreja, é que a composição do colégio episcopal realmente represente a variedade das Igrejas. A eleição dos bispos, portanto, deveria tender a criar um colégio episcopal que não seja simplesmente executivo da linha romana, mas possa enriquecê-la com perspectivas diferentes.
Qual forma de exercício do primado?
Finalmente, é importante recordar a preocupação de João Paulo II, que queria que se começasse a projetar, em vista da suspirada unidade dos cristãos, uma verdadeira nova "forma de exercício do primado que, embora não renunciando de modo algum ao essencial da sua missão, se abra a uma situação nova", em vista da suspirada unidade das Igrejas. Assim, abre-se diante de nós outro grande espaço em que a Igreja pode desejar que o novo papa seja um corajoso reformador.
Com liberdade e confiança
Além desses complexos âmbitos da vida da Igreja, nos quais a renovação promovida pelo Vaticano II precisa ser continuada com coragem, novos problemas dentro da vida vivida cotidianamente pelo povo cristão se tornaram dramáticos e estão colocando em crise a relação de muitos com a Igreja, quando não até mesmo a sua fé.
Se, na Itália, país em que a tradição cristã ainda continua sendo bastante compartilhada, apenas um terço dos casais que inauguram a sua convivência de tipo familiar o faz pedindo à Igreja o sacramento do matrimônio, é evidente a urgência de uma reforma da disciplina canônica, que não traia o ditado evangélico, mas que torne a Igreja capaz de enfrentar positivamente, e não só com proibições, o problema. (…)
Todos os papas anteriores sentiram fortemente a gravidade dessa situação: ela está passando agora para as mãos do novo papa, que poderá abrir novas perspectivas, para que muitos sofrimentos possam ser aliviados e a fé de muitos não seja posta em perigo.
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À espera de um corajoso reformador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU