15 Fevereiro 2013
O papa cessante quis submeter a uma prova extrema o sistema de governo central da Igreja, que, nos últimos anos, de João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras.
A análise é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A renúncia de Bento XVI do pontificado é um fato único, não raro, na história do pontificado moderno. O único paralelo possível é com a renúncia de Celestino V, em 1294, que se demitiu depois de apenas alguns meses e em uma Igreja que à época estava geograficamente limitada ao mundo europeu, mas sobretudo italiano, quando a Sé Apostólica era mais um reino temporal do que um ministério espiritual global como hoje, especialmente desde o fim do poder temporal do papa em diante.
Um dos cenários sobre os quais é possível fazer apenas hipóteses é o que se refere à "coabitação" entre dois papas, o papa recém-eleito pelo próximo conclave e o papa cessante, Bento XVI. Qual será o estilo de vida do papa emérito? Continuará publicando livros, editados e publicados em várias línguas pela fundação a ele intitulada? O seu sucessor o consultará, citará os seus ensinamentos, continuará a sua agenda, perceberá a sua sombra? O que será do inner circle ratzingeriano, no Vaticano e na Igreja mundial?
Além desses elementos de logística do pontificado emérito, há questões menos visíveis, mas não menos cruciais. O pontificado romano, de fato, evoluiu nas últimas décadas na direção de um ministério espiritual, mas mantém fortes e visíveis elementos de poder na Igreja: alguns codificados, alguns incodificáveis.
Entre os elementos não codificados por não serem codificáveis está o fato de que todo papa da era moderna cria um séquito seu, muito mais importante do que o que pode ser contabilizado pelos "seguidores" do Twitter. O papa hoje tem, graças também aos meios de comunicação de massa, um séquito midiático, um séquito espiritual, herdeiros teológicos, admiradores ideológicos e clientes dentro do sistema de poder da Cúria Romana.
Cada um desses séquitos deverá (conscientemente ou não) escolher entre a fidelidade à pessoa de Joseph Ratzinger, ex-papa ou "papa emérito", e a fidelidade ao novo papa, e deverá escolher de um modo muito mais rápido do que no caso de nova eleição do papa pela morte do seu antecessor.
Em outros tempos, teria se falado sobre o risco de um cisma dentro do catolicismo, entre a obediência a Bento XVI e a obediência ao antipapa recém-eleito.
Mas não há dúvida de que a coabitação é um cenário que apresenta incógnitas. Se, do ponto de vista espiritual e cultural é uma operação dolorosa, mas possível para todo fiel católico, do ponto de vista funcional o refinado spoils system da Cúria Romana enfrenta uma prova sem precedentes.
O papa cessante quis submeter assim a uma prova extrema o sistema de governo central da Igreja, que, nos últimos anos, de João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras.
Na semana passada, o arcebispo Gomez, de Los Angeles, havia se permitido censurar publicamente o seu predecessor, o cardeal da Santa Igreja Romana Mahony, pela gestão do escândalo dos abusos sexuais. Mas o cardeal Mahony poderá participar do conclave, com todo o respeito ao seu arcebispo.
As coabitações são muito difíceis em uma Igreja ainda amplamente monárquica.
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A renúncia abre um cenário que apresenta incógnitas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU