Polônia trava guerra contra esforços para salvar o clima

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04 Janeiro 2013

A Polônia é viciada em carvão. Essa é a mensagem que o país está passando tanto doméstica quanto internacionalmente, à medida que Varsóvia se prepara para sediar a cúpula do clima no ano que vem.

A reportagem foi publicada na revista Der Spiegel e reproduzida no Portal Uol, 28/12/2012.

Na Europa, os poloneses estão isolados em sua luta por metas menores de redução de emissões e contra alterações no sistema de créditos de carbono da UE.

Não é todo dia que um pequeno escritório de advocacia recebe a visita de uma agência de segurança doméstica. Logo, Tomasz Wlodarski, o diretor do Serviço de Lei Ambiental da Polônia, disse ter ficado surpreso quando recebeu recentemente a visita da polícia federal da Polônia. Ainda mais estranho, as autoridades não perguntaram nada que já não tivesse sido publicado a respeito da organização.

"Perseguição seria um exagero", disse Wlodarski. "Mas são ações que visam fazer as pessoas se sentirem pressionadas."

Sua organização não foi a única visitada. E as autoridades do governo têm feito sua parte por meio da imprensa. Em outubro, o ministro do Tesouro da Polônia, Mikolaj Budzanowski, criticou uma organização ambiental anticarvão ao dizer a um jornal local que a ONG "deveria aceitar que há limites a suas atividades", e que ela "ultrapassou seus limites". Essas declarações fizeram duas dúzias de ONGs escreverem uma carta severa ao primeiro-ministro Donald Tusk, tratando do que chamaram de um "ataque sem precedente" à sociedade polonesa, segundo o site de notícias europeu EurActiv.

A aparente pressão sobre os grupos ambientais, apesar de preocupante, não parece inconsistente com a abordagem de Varsóvia a questões ligadas à mudança climática. A Polônia dependente de carvão prosseguiu em sua oposição virtualmente solitária ao amplamente apoiado –e extremamente necessário– ajuste de curto prazo no sistema de comércio de carbono da Europa, a principal política do continente na luta contra o aquecimento global. Mas isso não fez a Polônia ser condenada internacionalmente ao ostracismo. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que ajudou o país a bloquear a capacidade da Europa de apresentar uma frente unida na recente conferência do clima em Doha, a Polônia foi escolhida para sediar a próxima conferência, em 2013.

É uma decisão que parece destinada a tornar a conferência do ano que vem, que visa elaborar um pacto global para redução das emissões dos gases do efeito estufa, tão fracassada quanto nos últimos anos.

‘Carvólatras’

O pessimismo vem do vício da Polônia em carvão – e do interesse próprio do governo no status quo. Recentemente, Tusk disse em uma coletiva de imprensa que "energia é a chave para a política". E na Polônia, há pouca diferença entre os dois. Apesar da queda do comunismo quase duas décadas e meia atrás, grande parte do setor de energia da Polônia permanece sob controle do governo. Apesar de muitas das maiores empresas de energia terem sido privatizadas, o Tesouro polonês frequentemente mantém uma participação acionária significativa.

"Há muitos interesses na manutenção do sistema atual, de modo que o sistema de energia renovável é disperso demais para beneficiar os agentes certos no sistema", disse Michael LaBelle, um professor da Universidade Centro-Europeia em Budapeste, que leciona políticas energéticas. "Eles são carvólatras, esse é o melhor termo a ser usado, é horrível, mas real."

A Polônia é a 10ª maior consumidora de carvão do mundo e produz 92% de sua eletricidade a partir do carvão, segundo a Associação Mundial do Carvão. E apesar das metas da União Europeia para coibir as emissões de gases do efeito estufa, a Polônia está apresentando planos para substituir as velhas usinas a carvão por novas imensas.

Isso não combina com os planos de redução de emissões de CO2 da Europa. À medida que cresce o sistema de créditos de carbono da Europa e ele se torna mais abrangente, o carvão deverá se tornar mais caro. Mas a Polônia responde tanto combatendo os ajustes no Sistema Europeu de Comércio de Emissões (ETS, na sigla em inglês) – que tem sido minado por preços cronicamente baixos para os certificados de emissões– quanto metas mais ambiciosas para redução das emissões de carbono. Varsóvia também pressionou para obter permissões para poluição adicional para as usinas existentes e para as novas.

"Há uma situação no momento na Polônia onde o governo está pressionando as empresas estatais a construírem novas usinas a carvão", disse Marcin Stoczkiewicz, um advogado da ClientEarth, uma importante organização de lei ambiental na Europa. "Às vezes esses investimentos não são desenvolvidos de acordo com a lei ambiental, especialmente a lei ambiental da UE."

‘Um ataque contra nossa organização’

A ClientEarth não fez muitos amigos dentro do governo polonês. Apesar de Stoczkiewicz ter dito que os escritórios de sua organização na capital polonesa não foram visitados pela polícia, o grupo foi alvo de comentários de Budzanowski, o ministro do Tesouro, em outubro.

"Isso representou um ataque contra nossa organização e outras organizações civis", disse Stoczkiewicz. "O clima da conversa mudou. Parece que o governo está tentando promover o carvão, investimentos sujos, mesmo que esses investimentos violem a lei."

O esforço também é internacional. Neste ano, a Polônia vetou duas vezes novas metas de redução dos gases do efeito estufa. E apesar desses vetos poderem ser contornados, a Polônia também está atrapalhando as tentativas para fazer o Sistema Europeu de Comércio de Emissões funcionar. O sistema busca baixar gradualmente o número de certificados de emissão de carbono no mercado aberto, tornando lentamente mais caro emitir carbono na atmosfera. Mas o mercado está atualmente saturado, levando a um preço por tonelada de emissão de apenas 7,13 euros, muito abaixo do necessário para desestimular a ação.

Há uma frente unida por toda a Europa –uma que inclui não apenas importantes políticos europeus, mas também grandes empresas de utilidade pública e petrolíferas como a Shell– que concorda que um ajuste é necessário. E um ajuste a curto prazo, envolvendo a redução temporária de emissões no mercado, está na mesa.

A Polônia, entretanto, não faz parte dessa frente. Na segunda-feira, a Polônia alegou que a proposta de emenda ao ETS custaria ao país mais de 1 bilhão de euros nos próximos sete anos, segundo o site de notícias European Voice. É uma declaração consistente com a posição franca da Polônia de que não se deve mexer com o ETS, mesmo que a necessidade de um ajuste seja urgente.

O limite?

"O Sistema de Comércio de Emissões está funcionando como um imposto pesado sobre países como a Polônia", disse o ministro do Meio Ambiente polonês, Marcin Korolec, em uma entrevista com a Spiegel Online. "Nós já estamos no limite do que nossa indústria e nossos cidadãos podem pagar."

Ainda assim, parece improvável que a Polônia conseguirá deixar de enfrentar o problema a longo prazo. Mesmo com as emissões de CO2 atualmente baratas, o preço certamente subirá no futuro, pressionando a Polônia a reduzir sua própria produção do poluente. A situação atual, que vê o país dependente de eletricidade de usinas a carvão da era soviética cujo preço já foi pago e são baratas de operar, não poderá ser sustentada por tempo indeterminado.

Mas uma maior ênfase no gás natural, que é mais limpo do que o carvão, apesar de ainda ser um combustível fóssil, é problemática para o país. Grande parte da oferta de gás natural da Europa vem da Rússia, um país no qual a Polônia historicamente não confia. A pouca disposição que existe na Polônia para buscar o caminho do gás natural se concentra principalmente na exploração de gás de xisto do país.

E quando se trata do desenvolvimento de energias renováveis, há frustração na comunidade ambiental. Muitos dizem que a posição da Polônia a respeito de energia renovável deriva mais de questões ideológicas do que de um estudo dos aspectos econômicos e viabilidade a longo prazo. Julia Michalak, uma diretora de políticas da Rede Europeia de Ação Climática, disse que o forte lobby da mineração alinhado com o governo, somado à ênfase de Varsóvia na segurança de energia, contribui para a política de bloqueio e combate à política climática de Bruxelas.

"O que é necessário é uma análise robusta e detalhada tanto dos custos quanto dos benefícios", disse Michalak. "Até o momento eu não vi isso."

Resumindo, o carvão parece ser a única estratégia de Varsóvia quando se trata de energia. E o governo polonês está dando continuidade aos grandes investimentos em usinas elétricas a carvão, planejando gastar 24 bilhões de euros no setor de energia nos próximos oito anos, com grande parte disso destinado a novas usinas a carvão de 11.300 megawatts –uma quantidade equivalente ao pico de consumo de eletricidade de Israel durante uma onda de calor.

"Nossa economia é dependente da eletricidade produzida pelo carvão", disse Stoczkiewicz. "Isso é fato. Mas a política deveria buscar mudar esse mix ruim de energia e tentar encontrar fontes mais limpas de energia."

Mas essa mudança, entretanto, não parece estar no futuro próximo do país.

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