10 Dezembro 2012
Os católicos invocam a proteção da família, é seu direito. Mas os homossexuais não querem destruir o casamento, já que, ao contrário, pedem mais casamento e mais família, família atípica, mas família, mesmo assim.
A opinião é do diretor, dramaturgo e ator francês Olivier Py, ex-diretor do Théâtre de l'Odéon. O artigo foi publicado no jornal Le Monde, 05-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os católicos que se opõem ao casamento homossexual e à homossexualidade podem citar as fontes, vetero ou neotestamentárias, que condenam o amor entre dois homens (Gênesis 19, 1-13; Levítico 18, 22; Romanos 1, 26-27; 1Coríntios 6, 9).
Especifiquemos simplesmente que um cristão católico se recusa a tomar o Antigo Testamento e o Novo ao pé da letra, ele sabe que a antiga lei deve ser, de acordo com as palavras de Cristo, "cumprida" e não seguida pelos séculos dos séculos. Em outras palavras, que um cristão deve interpretar as escrituras, tendo em conta a época da sua redação.
Nenhum catecismo católico jamais exigiu que se seguissem ao pé da letra as leis da Bíblia. Aqueles que querem condenar a homossexualidade o fazem mais por um moralismo seu do que por respeito à lei bíblica; evidentemente, passam em silêncio o amor de Saul por Davi, o amor de Davi por Jônatas, e usam a Bíblia para servir a uma homofobia não dissimulada.
Quanto à carta de Paulo aos Romanos, 1, 26-27, logo se poderá constatar que ela não define as relações sexuais entre homens como um pecado, nem no quadro de uma proibição estrita. Ela fala de infâmia, porque essas relações fazem parte dos ritos e dos cultos do paganismo, que, nesse trecho, ele condena absolutamente. Mas é a idolatria que ele condena. O ideal de vida paulino permanece casto, e, portanto, ele não defende nenhuma prática sexual, práticas que muitas vezes estão ligadas ao paganismo, ao culto da fertilidade, em particular.
Os católicos invocam a proteção da família, é seu direito. Mas objetamos que os homossexuais não querem destruir o casamento, já que, ao contrário, pedem mais casamento e mais família, família atípica, mas família, mesmo assim. Continua sendo uma afirmação pouco documentada em que sentido o fato de os homossexuais terem o direito ao casamento é algo que destruiria o casamento para os heterossexuais. Mas o mais grave é que os católicos, um certo número dos quais de boa fé, esquecem quanto os seus valores familiares são pouco católicos.
Católico significa universal, a catolicidade nos manda sempre levar em consideração o nosso irmão como irmão em Cristo e não irmão por laços de sangue ou de nação. Esse é o significado da parábola.
O ideal cristão em Paulo não é um ideal de vida familiar, ao contrário, é o ideal de santo, daquele que faz de toda a humanidade a sua família. Os valores familiares são os valores da sociedade burguesa do século XIX, são valores da sociedade protestante anglo-saxônica, mas certamente não valores cristãos.
Cristo não fundou uma família; os padres são proibidos de formar uma família em nome da imitação de Cristo. Também se dizia que a abolição da pena de morte (a própria Igreja esperou os anos 1990 anos para retirar sem reservas a aprovação da pena de morte do seu catecismo) destruiria o sistema penal e, portanto, toda a justiça.
O papa chegou a dizer que a sobrevivência da humanidade estava ameaçada pelo casamento gay. Seria de rir, se não fosse de chorar. Como é possível enunciar razoavelmente tal ideia? O casamento homossexual colocaria em discussão novamente a curva demográfica aterrorizante que nos faz superar o limiar dos 7 bilhões? Haveria mais homossexuais se eles pudessem se amar em um quadro legal? E dentro de pouco tempo toda a humanidade poderia se converter à homossexualidade e se esqueceria de se reproduzir?
É uma fantasia delirante, uma homofobia mal dissimulada, que continua afastando da mensagem da Igreja milhares de homens e mulheres.
O problema da adoção seria mais delicado? Mas o fato de ter pais, ou um pai e uma mãe, não é uma questão teológica. Podemos e devemos nos preocupar com a felicidade da criança que será adotada, e é isso que fazem os pais que adotam e que desejam aquelas crianças que eles não conceberam geneticamente.
Que destino se prefere para esses milhares de órfãos? Um orfanato no Mogadíscio ou dois pais do mesmo sexo, amorosos e atenciosos? Quem pode impedir que haja menos crianças do terceiro mundo que tenham acesso aos nossos cuidados, à nossa educação, à nossa paz? Por que recusar a uma criança que tenha dois pais se se aceita legalmente que ele tenha um só?
E, enfim, que status dar a todas aquelas crianças que foram criadas por dois pais do mesmo sexo, se ela tem que negar a sua existência, a sua história, a sua identidade, sem sequer perguntar a sua opinião?
É difícil compreender como e por que a Igreja quer intervir em um debate jurídico laico que é um debate da República. Parece que ela não gosta da separação Estado-Igreja. Podemos imaginar os muçulmanos exigindo a proibição do presunto em nome da sua fé?
Simplesmente porque os bispos que condenam a homossexualidade confundem facilmente o pecado e o erro, o pecado não diz respeito à República.
Enfim, como cristãos, estamos desesperados ao ver há mais de 20 anos a camada mais reacionária da Igreja tomando a palavra sobre problemas seculares e de moral sexual.
Que perda de tempo, quando se precisaria empregar toda a própria energia para servir à palavra de Cristo. Quando os bispos falarão da Trindade, mais frequentemente do que do preservativo; da beleza da Eucaristia, mais frequentemente do que dos homossexuais; da ressurreição, mais do que da contracepção?
Quando a Igreja renunciará a interferir nas coisas seculares para ser apenas a chama da palavra viva, para ser aquela verticalidade no tempo de que temos tanta sede, para estar definitivamente junto aos que sofrem e não àqueles que condenam?
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Intolerável intolerância sexual da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU