O Uruguai aprovou a despenalização do aborto

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Por: André | 19 Outubro 2012

A intervenção estará a cargo do Estado e será admitida sempre que for solicitada dentro das 12 primeiras semanas de gestação. Previamente, uma equipe interdisciplinar deverá assessorar a mulher sobre as possibilidades de não abortar. Mujica não deverá vetá-la.

A reportagem é de Emilio Ruchansky e está publicada no jornal argentino Página/12, 18-10-2012. A tradução é do Cepat.

O Senado uruguaio aprovou na quarta-feira, por 17 votos a favor e 14 contra, uma lei que permite a interrupção voluntária da gravidez, respeitadas certas condições. A norma, fruto de uma prolongada luta e de um veto presidencial, é pioneira na região e obriga tanto o setor público como o privado a prestar este serviço. “É um grande avanço porque no marco legal vigente consagra-se o direito das mulheres e as obrigações das instituições médicas”, assinalou a senadora socialista Mónica Xavier, impulsionadora do projeto de legalização do aborto que iniciou o debate. “O presidente já disse publicamente que não vetará esta lei e não mudará de opinião”, assegurou ao Página/12, Gonzalo Carámbula, secretário de Comunicação Institucional do Poder Executivo.

A lei foi aprovada em uma votação geral e não artigo por artigo, já que havia sido aprovada antes no Senado, mas teve modificações na Câmara dos Deputados, em 25 de setembro passado. O projeto não despenaliza o aborto em geral, mas oferece a possibilidade de a mulher acessar o Sistema Nacional Integrado de Saúde, que inclui os sistemas público e privado, dentro das 12 primeiras semanas de gravidez. “Deverá informar o médico sobre as circunstâncias em que ficou grávida, situações de penúria econômica, sociais ou familiares ou etárias que, a seu critério, a impedem de continuar com a gravidez em curso”, diz a lei.

Iván Posada, deputado do Partido Independente e autor do projeto aprovado esta semana, explicou que depois de requerer o serviço, o médico disporá do mesmo dia ou do dia seguinte para consultar uma equipe interdisciplinar. “Esta equipe deve informá-la e assessorá-la sobre a possibilidade de ter acesso à ajuda estatal para não abortar ou de dar o bebê para adoção. A ideia é que possa reverter as causas que motivaram essa decisão. Depois se abre um espaço de reflexão de cinco dias. Após isso, caso continuar firme na decisão, realiza-se o aborto”, detalhou Posada. Seu projeto foi aprovado por 50 votos a favor e 49 contra na Câmara dos Deputados. No caso das menores de idade, a lei prevê que possam acessar esse serviço nas mesmas condições caso estiverem acompanhadas de ao menos um de seus pais, tutores ou quem crerem ser seu representante, inclusive pode ser outra pessoa menor. Não se precisa aprovação do acompanhante. Se a jovem for sozinha, um juiz deverá determinar em um prazo menor a três dias para resolver se a decisão da interessada foi solicitada “de forma espontânea, voluntária e consciente”. O juiz convocará a adolescente e o Ministério Público para certificar-se deste último, antes de avaliar a prática. “O procedimento será verbal e gratuito”, acrescenta a lei.

Quanto houver risco para a saúde e a vida da mãe não haverá limites nas semanas de gestação. Mas haverá limites para os casos de violação, 14 semanas, além do requisito de uma denúncia judicial, que não implica um veredicto da Justiça, mas apenas a notificação da denúncia. Os profissionais objetores de consciência deverão informar sua postura às instituições onde trabalham; caso não o fizerem se entenderá que não há inconvenientes para realizar a prática e a decisão que tomarem será a mesma para todos os lugares onde trabalham. Somente as cidadãs uruguaias ou aquelas que estiverem morando ao menos um ano no país terão direito à prática.

“A norma se inspira no modelo alemão, que aponta para uma decisão informada e baixou o número de abortos”, garantiu Posada. Na Alemanha, essa prática é permitida nas mesmas condições que no Uruguai desde 1992, embora se estabeleçam três dias “de reflexão” depois da consulta interdisciplinar. “Eu creio que todas as mulheres grávidas têm o direito de decidir sozinhas e sem a tutela do Estado sobre si mesmas e seu corpo. Mesmo depois da 12ª semana. O aborto tem que ser seguro, legal e gratuito”, disse a este jornal Vivian Szelinsky, ativista feminista alemã e assessora do deputado da Die Linke, Alexander Ulrich.

O fato de que seja gratuito é importantíssimo, já que nos Estados Unidos o aborto é legal desde 1973, mas muitas mulheres não acessam esse serviço porque não têm seguro médico ou o que tem não cobre essa parte. Quando o presidente Barack Obama conseguiu a aprovação no Congresso de um sistema de saúde público, teve que retirar o subsídio a este serviço para obter o apoio da bancada republicana.

“A lógica tutelar do Estado primou na discussão, quando na verdade nos baseávamos no direito da pessoa, mas demos um grande passo”, opinou Marisa Marmissolle, coordenadora da bancada feminina bicameral do Congresso uruguaio.

Segundo assinalou Cristina Grela, presidente da área de Mecanismos de Gênero do Ministério da Saúde uruguaio, o debate sobre o aborto foi relançado em 2002 quando 14 mulheres morreram nesse país por realizar-se esta prática na clandestinidade. “Um grupo de médicos do Hospital Pereira Rosell denunciou que as jovens chegavam tarde para serem atendidas e morriam sem que eles pudessem evitar a morte. E que em alguns lugares as algemama porque as consideravam criminosas. Assim nasceu o Grupo de Iniciativas Médicas contra o Aborto em Condições de Risco”, repassou Grela, uma das fundadoras da organização Católicas para o Direito de Decidir.

O Grupo de Iniciativas Médicas pressionou para que as consultas sobre abortos fossem confidenciais e sob segredo médico, norma aceita pelo Ministério da Saúde em 2004. Depois insistiram na aprovação da Lei 18.426 da Saúde Sexual e Reprodutiva, cujo capítulo sobre o aborto foi vetado em 2008 pelo ex-presidente Tabaré Vázquez. “Mas não vetou um artigo que permitia as iniciativas sanitárias para evitar abortos em condições de risco. Então se pode começar desde as áreas da saúde sexual, nos centros de saúde, a dar conselhos para se realizar um aborto com misoprostol e acolher as mulheres depois o fizessem”, disse Grela.

A nova lei deverá regulamentar o serviço nos 19 Departamentos (Estados) do Uruguai. “E também será preciso determinar as sanções ou multas para os centros de saúde que negarem ou dilatarem o serviço, para que se pode aplicar a normativa vigente em casos de descumprimento do serviço. Caso em um Departamento não existirem recursos humanos disponíveis com a orientação que a lei prevê, deverá avançar-se nas contratações”, assegurou a senadora Xavier. A regulamentação correrá por parte do Ministério da Saúde, cujos responsáveis já se manifestaram abertamente a favor deste serviço.

“Vamos utilizar as próprias assessoras sobre saúde sexual e reprodutiva. O que muda é que agora poderemos medicar o misoprostol, quando antes muitos o recomendavam, mas a qualidade podia variar por tratar-se muitas vezes de um mercado negro”, adiantou ao Página/12 a encarregada de coordenar a regulamentação, Letícia Rieppi, diretora do Programa de Saúde Sexual e Reprodutiva do Ministério da Saúde. Esse ente será responsável pela aplicação da lei no sistema de saúde público, que funciona descentralizado, e o privado.

Rieppi garantiu que a regulamentação será feita em acordo com as sociedades de obstetrícia e ginecologia e o colégio de enfermeiros; também com o movimento de mulheres e alguns setores do Ministério da Saúde. “No ano passado, capacitamos 250 pessoas da área da Saúde Sexual. Temos o orgulho de que em 2009, 2010 e 2011 não morresse nenhuma mulher por este motivo, mas em 2012 morreram duas jovens que não se animaram a ir a um hospital. Por isso, a lei é importante; poderia ser melhor, mas é o que temos e sabemos como utilizá-la”, disse Rieppi.

Desde 2011, acrescentou, todos os Departamentos têm áreas de Saúde Sexual, salvo Durazno onde está em fase de implantação, e Artigas. “E estou indo para lá neste momento para ver o que está acontecendo”, afirmou.

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