01 Agosto 2012
A paralisação de caminhoneiros, que provocou congestionamentos em 12 Estados pelo terceiro dia consecutivo e afetou a movimentação de pessoas e cargas, dividiu o segmento de transporte de cargas no país. Ontem à noite, após o governo receber representantes do setor e endurecer o tom ao avisar que só voltaria a negociar com as estradas liberadas, representantes avisaram que iriam suspender a manifestação, segundo informou o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. Os representantes do setor confirmaram que os bloqueios começariam a ser desfeitos ontem a noite.
A reportagem é de Rafael Bitencourt, Fernando Exman, Luciano Máximo e Guilherme Soares Dias e publicada pelo jornal Valor, 01-08-2012.
A paralisação foi organizada por entidades ligadas a motoristas autônomos, donos de seus próprios caminhões e que vivem do valor de frete e de serviços comissionados, mas foi apoiada por empresas do setor de carga, o que fez parte do próprio segmento classificar o movimento como um locaute. Outros representantes do setor - como os motoristas contratados por empresas e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) - não apoiaram o bloqueio.
O ponto de discórdia é a Lei 12.619, sancionada em abril e que regulamenta a profissão do caminhoneiro com base na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Como para a maioria dos trabalhadores do país, a nova legislação estabelece, entre outros pontos, que o motorista de veículos de carga e de passageiros deve respeitar uma hora diária para almoço, descansar por 30 minutos a cada quatro horas de rodagem e repousar por 11 horas a cada 24 horas trabalhadas. Esse tempo de descanso é criticado pelos autônomos e apoiado pelos trabalhadores contratados com carteira de trabalho.
Além da jornada, a lei aprovada no Congresso estabelecia que deveriam ser montados pontos de apoio a cada 200 quilômetros nas rodovias para acolher os caminhões. Esse dispositivo foi vetado pela presidente Dilma Rousseff. Nesse ponto, a insatisfação reúne todos os segmentos do setor.
O país tem cerca de 3 milhões de caminhoneiros, dos quais metade exerce a função de forma autonôma e metade com algum tipo de vínculo empregatício. Principal entidade por trás da greve, o Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), presidida por Nélio Botelho, defende que os motoristas autônomos não terão condições de competir no mercado se forem obrigados a respeitar a nova legislação, pois dependem de comissões e precisam cumprir metas para carregamento e entrega de mercadorias. Além disso, a rede de cooperativas de transportadoras alega que o país não tem estrutura para atender à demanda, como paradas de descanso e rede de hotéis.
A sinalização dada ontem pelo ministro Paulo Sérgio Passos, de que o governo só se reuniria novamente com representantes dos caminhoneiros se as estradas fossem liberadas, ocorreu sob orientação direta do Palácio do Planalto. Passos anunciou no início da noite que o bloqueio seria suspenso nas rodovias já na noite de ontem. Em troca, o governo montou uma mesa de negociações, com a primeira reunião em 8 de agosto, e prazo de 30 dias. "Teremos uma desmobilização gradativa que deve durar, pelo menos, até amanhã [quarta-feira] pela parte da manhã", confirmou Botelho, ao deixar reunião de cerca de cinco horas com Passos.
"Todas as reivindicações cabíveis serão examinadas e todos os aperfeiçoamentos propostos serão analisados com cuidado", disse o ministro após a reunião. Passos informou que, durante as negociações, a fiscalização da jornada de trabalho terá caráter educativo. Entre pontos que também serão discutidos estão o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), uma defasagem dos preços do frete; e o regulamento do Pagamento Eletrônico do Frete (PEF), que teria sido responsável por queixas recorrentes contra a operadora financeira responsável pelas operações.
Bandeira da categoria há décadas, a lei que regulamenta a profissão foi discutida entre sindicatos de trabalhadores e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) - principal entidade empresarial do setor - desde 2009. Com mediação do Ministério Público do Trabalho, patrões e trabalhadores chegaram a um acordo e a lei foi aprovada, mas sua entrada em vigor e a aplicação das primeiras multas foram o estopim para a greve dos últimos dias.
José da Fonseca Lopes, presidente da seção de transportadores autônomos da CNT, chama a paralisação de "golpe, um verdadeiro locaute". "Por trás da greve tem uma parcela de postos de abastecimento, uma parcela de empresas de transporte, uma parcela de empregados comissionados, uma parcela de cooperativas de transporte. A turma não quer o sistema regulamentado. Empresas temem aumento de custo e motoristas, perda de comissões", afirma Lopes.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), Paulo João Eustasia, denunciou o locaute aos Ministérios do Trabalho, da Justiça e dos Transportes. "Formalizamos a denúncia com base no que ouvimos dos nossos trabalhadores no Brasil todo. Muitas empresas estão orientando os motoristas a parar nos piquetes mesmo contra sua vontade. Não citamos empresas nominalmente, mas é o que diz a nossa denúncia", relatou Eustasia.
O presidente da Associação Nacional dos Caminhoneiros (Antrac), Benedito Pantalhão, nega que a greve seja dos empresários e disse que o movimento é pró-autônomos. "Nós compomos o MUBC e queremos condições melhores para os profissionais que não são vinculados a empresas", afirmou. Questionado se a Antrac é contra o descanso previsto na lei, Pantalhão diz que a manifestação é por conta dos problemas que a lei deve ocasionar. "Não há onde descansar e isso traz insegurança para os trabalhadores", afirma.
Nélio Botelho, do MUBC, tem o mesmo argumento. "Quem pensou esta lei não conhece a realidade das estradas brasileiras. Ela serve aos países de primeiro mundo, não ao nosso", afirmou. Segundo ele, o adiamento de um ano seria suficiente para a instalação dos pontos de apoio nas rodovias.
A paralisação dos caminhoneiros começou na quarta-feira, cresceu no domingo e atingiu ontem, segundo o MUBC, 120 mil caminhões em doze Estados. A Polícia Rodoviária Federal confirmou paralisações em seis estados e 35 quilômetros de congestionamento.
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Greve de caminhoneiros divide setor e é suspensa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU