O garoto Ismael e a Comissão da Verdade

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Por: André | 07 Março 2012

“É exatamente para evitar essa ironia, essa relativização do sofrimento humano e de crimes cometidos pelo Estado que a Comissão da Verdade é necessária. Sem ela, em poucos anos será possível fingir que nada ocorreu. E, se os crimes foram anistiados, não quer dizer que tenham de ser esquecidos”. A afirmação é do jornalista Rogerio Waldrigues Galindo, em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, 07-03-2012.

Eis o artigo.

O fato de o menino Ismael Ferreira da Conceição ter sido chutado, espancado e de ter levado choques por policiais militares [no Bairro Uberaba, de Curitiba, PR] tem uma relação direta com a falta de investigação dos crimes cometidos por autoridades durante a ditadura militar. No fundo, os policiais que estrangularam o garoto Ismael e que puseram um saco plástico sobre seu rosto para que ele não conseguisse respirar estão autorizados a pensar que vão ficar impunes, não importa a barbaridade que cometerem.

“O momento final da ditadura militar foi uma oportunidade que o país teve para dizer que não seria mais permissivo com esse tipo de atitude”, afirma a jornalista Teresa Urban, ela própria vítima de tortura na época da ditadura militar. “O que é preciso entender é que a tortura desse menino, que só estava andando de bicicleta, não tem nenhuma diferença para a tortura da presidente Dilma. O país tem de mostrar que não aceita isso e ponto final”, diz.

O instrumento disponível hoje para deixar claro o recado a toda a sociedade é a Comissão da Verdade. É tarde para chorar sobre a Lei da Anistia. Resta pelo menos apurar o que aconteceu dentro de cada DOI, de cada Dops, e revelar à sociedade quem cometeu crimes em nome do Estado. Só assim os PMs, os delegados e todas as outras autoridades hesitarão antes de fazer de novo o que se fez com Ismael em Curitiba.

A chiadeira dos militares em relação à comissão é sinal de que eles próprios estavam acostumados com a ideia de que existem pessoas intocáveis no país. E conforme a investigação andar, é de se imaginar que reajam ainda com mais força. O direito a espernear, claro, é garantido. Mas o país tem o dever de esclarecer os crimes, até para dizer nitidamente que não aceitará novos golpistas nem novos torturadores.

No próximo dia 29, por exemplo, o Clube Militar agendou um seminário para marcar os 48 anos do golpe de Estado. O título do evento será “1964: a verdade”. Eis as opiniões dos três convidados que revelarão suas verdades:

- Aristóteles Drummond diz que o golpe foi a salvação nacional e que, em vez de tortura, “deveriam falar é na austeridade dos governantes de então e no progresso do Brasil”.

- Heitor de Paola afirma que os governantes que querem a Comissão da Verdade são “implacáveis, cretinos, indecentes, parciais”.

- O general Luiz Eduardo Rocha Paiva relativiza tudo em relação a 1964. Diz não saber se houve tortura, finge duvidar de que foram os militares que armaram a bomba no RioCentro e que nada foi como se sabe hoje. “Quem pode dizer o que aconteceu?”, pergunta, irônico.

É exatamente para evitar essa ironia, essa relativização do sofrimento humano e de crimes cometidos pelo Estado que a Comissão da Verdade é necessária. Sem ela, em poucos anos será possível fingir que nada ocorreu. E, se os crimes foram anistiados, não quer dizer que tenham de ser esquecidos.

Se não se fizer nada, a Lei da Anistia não vai ter apenas perdoado os abusos pós-64. Vai ter mostrado que qualquer crime imperdoável no Brasil se tornou perdoável. Exceto, é claro, o fato de nascer preto e pobre, como fez o garoto Ismael do Uberaba.

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