30 Setembro 2011
A brutal atuação policial contra os indígenas bolivianos que protestavam no último domingo contra a construção de uma estrada em seu povoado empurrou Evo Morales contra as cordas. Depois das renúncias dos ministros da Defesa e do Interior, mais a do vice-ministro desta última pasta e da diretora-geral de Migração, ocorreu ontem um amplo protesto sindical, com greves e manifestações nas principais cidades do país.
A reportagem é de Fernando García, publicada pelo jornal La Vanguardia, e reproduzida pelo Portal UOL, 30-09-2011.
O presidente boliviano entrou em seus momentos mais baixos. A indignação diante da violenta ação de domingo, que culminou com a detenção violenta de cerca de 300 indígenas do parque nacional Isiboro Sécure (Tipnis), atuou como potente catalisador do descontentamento social, da crescente oposição política e da dissidência interna que Morales já vinha enfrentando. Cada qual de seus interesses e com suas diferentes aspirações, os partidos de oposição, sindicatos, ministros reticentes e cidadãos decepcionados confluíram em um movimento de repúdio que ameaça anular o efeito dos avanços sociais e econômicos colhidos pelo ex-líder dos plantadores de coca.
A Central Operária Boliviana, que reúne os principais sindicatos, convocou ontem uma greve geral que foi acompanhada de paralisações setoriais e manifestações de dezenas de milhares de pessoas em La Paz e outras cidades. A marcha na capital, onde a mobilização teve maior impacto, deveria terminar ontem à noite com um comício na central Praça de San Francisco. Fazia apenas algumas horas que o ministro do Interior, Sacha Llorenti, havia apresentado sua renúncia devido à repressão ao protesto indígena. "Eu não abandono o barco porque creio que está afundando, pelo contrário. Dou um passo para o lado com a única intenção de que o barco do processo revolucionário avance com maior rapidez", justificou.
O titular do Interior seguiu assim os passos da ministra da Defesa, que havia se demitido na segunda-feira por "não compartilhar nem poder defender ou justificar" a ação policial. Também deixaram o governo o vice-ministro de Regime Interior, Marcos Farfán, em seu caso para assumir sua responsabilidade nos fatos e submeter-se à investigação, a diretora-geral de Migração, María René Quiroga, que qualificou de "ultraje imperdoável" os abusos cometidos pela polícia no dia 25 contra a população de Yucumo. Como é evidente, todos os partidos de oposição tentaram capitalizar a rejeição geral aos excessos, não só os da direita tradicional.
O líder do Movimento Sem Medo (MSM), Juan del Granado, ex-prefeito de esquerda de La Paz e aliado de Morales até um ano atrás, considerou "claramente ditatorial" a atitude do governo: tanto pela ação repressiva como pelas tentativas de alguns ministros de envolver os indígenas em uma conspiração orquestrada em Washington. O dirigente do partido de centro Unidade Nacional (UN), Samuel Doria, afirmou por sua vez que se Morales autorizou a dissolução do protesto de domingo, protagonizado por cerca de 1.500 pessoas, é certo que "já sepultou sua liderança e deixou de ser o símbolo da mudança".
O presidente foi obrigado a retificar: "Aos que foram agredidos com tanta soberba, peço mil desculpas", disse, e prometeu a abertura de "uma investigação profunda" contra os responsáveis. Morales anunciou a "suspensão" das obras da estrada conflituosa, cuja retomada dependerá, disse ele, dos departamentos que deve unir: Cochabamba e Beni. Mas a explicação não convenceu. Resta esclarecer em que condições, com que traçado e sob que tipo de consulta a construção poderia ser retomada.
Via de interesse geoestratégico
A obra pública contra a qual protestam os indígenas do parque nacional Isiboro Sécure (Tipnis) é um trecho de 177 quilômetros de uma estrada de 306. A via deve unir os departamentos bolivianos de Beni e Cochabamba. Essa união é um velho anseio do país, por suas implicações de integração territorial, e especialmente dos produtores que habitam essas áreas, pois a estrada permitiria que transportassem com maior facilidade suas mercadorias e cabeças de gado para os mercados do centro e do oeste.
O problema é que, segundo organizações ambientalistas, o traçado atual representa um grave perigo para as populações indígenas e a riqueza natural da região. Mas a obra também tem um grande interesse geoestratégico, como parte de um corredor entre o Atlântico e o Pacífico e como via de acesso do Brasil a este oceano. Por isso o gigante latino-americano prevê financiar 80% de seu orçamento de US$ 415 milhões. Agora, diante de todo o conflito, o projeto está no ar.
A reportagem é de Fernando García, publicada pelo jornal La Vanguardia, e reproduzida pelo Portal UOL, 30-09-2011.
O presidente boliviano entrou em seus momentos mais baixos. A indignação diante da violenta ação de domingo, que culminou com a detenção violenta de cerca de 300 indígenas do parque nacional Isiboro Sécure (Tipnis), atuou como potente catalisador do descontentamento social, da crescente oposição política e da dissidência interna que Morales já vinha enfrentando. Cada qual de seus interesses e com suas diferentes aspirações, os partidos de oposição, sindicatos, ministros reticentes e cidadãos decepcionados confluíram em um movimento de repúdio que ameaça anular o efeito dos avanços sociais e econômicos colhidos pelo ex-líder dos plantadores de coca.
A Central Operária Boliviana, que reúne os principais sindicatos, convocou ontem uma greve geral que foi acompanhada de paralisações setoriais e manifestações de dezenas de milhares de pessoas em La Paz e outras cidades. A marcha na capital, onde a mobilização teve maior impacto, deveria terminar ontem à noite com um comício na central Praça de San Francisco. Fazia apenas algumas horas que o ministro do Interior, Sacha Llorenti, havia apresentado sua renúncia devido à repressão ao protesto indígena. "Eu não abandono o barco porque creio que está afundando, pelo contrário. Dou um passo para o lado com a única intenção de que o barco do processo revolucionário avance com maior rapidez", justificou.
O titular do Interior seguiu assim os passos da ministra da Defesa, que havia se demitido na segunda-feira por "não compartilhar nem poder defender ou justificar" a ação policial. Também deixaram o governo o vice-ministro de Regime Interior, Marcos Farfán, em seu caso para assumir sua responsabilidade nos fatos e submeter-se à investigação, a diretora-geral de Migração, María René Quiroga, que qualificou de "ultraje imperdoável" os abusos cometidos pela polícia no dia 25 contra a população de Yucumo. Como é evidente, todos os partidos de oposição tentaram capitalizar a rejeição geral aos excessos, não só os da direita tradicional.
O líder do Movimento Sem Medo (MSM), Juan del Granado, ex-prefeito de esquerda de La Paz e aliado de Morales até um ano atrás, considerou "claramente ditatorial" a atitude do governo: tanto pela ação repressiva como pelas tentativas de alguns ministros de envolver os indígenas em uma conspiração orquestrada em Washington. O dirigente do partido de centro Unidade Nacional (UN), Samuel Doria, afirmou por sua vez que se Morales autorizou a dissolução do protesto de domingo, protagonizado por cerca de 1.500 pessoas, é certo que "já sepultou sua liderança e deixou de ser o símbolo da mudança".
O presidente foi obrigado a retificar: "Aos que foram agredidos com tanta soberba, peço mil desculpas", disse, e prometeu a abertura de "uma investigação profunda" contra os responsáveis. Morales anunciou a "suspensão" das obras da estrada conflituosa, cuja retomada dependerá, disse ele, dos departamentos que deve unir: Cochabamba e Beni. Mas a explicação não convenceu. Resta esclarecer em que condições, com que traçado e sob que tipo de consulta a construção poderia ser retomada.
Via de interesse geoestratégico
A obra pública contra a qual protestam os indígenas do parque nacional Isiboro Sécure (Tipnis) é um trecho de 177 quilômetros de uma estrada de 306. A via deve unir os departamentos bolivianos de Beni e Cochabamba. Essa união é um velho anseio do país, por suas implicações de integração territorial, e especialmente dos produtores que habitam essas áreas, pois a estrada permitiria que transportassem com maior facilidade suas mercadorias e cabeças de gado para os mercados do centro e do oeste.
O problema é que, segundo organizações ambientalistas, o traçado atual representa um grave perigo para as populações indígenas e a riqueza natural da região. Mas a obra também tem um grande interesse geoestratégico, como parte de um corredor entre o Atlântico e o Pacífico e como via de acesso do Brasil a este oceano. Por isso o gigante latino-americano prevê financiar 80% de seu orçamento de US$ 415 milhões. Agora, diante de todo o conflito, o projeto está no ar.
close
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Morales perde apoios por causa do conflito indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU