A teologia segundo Ratzinger

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03 Julho 2011

Durante a cerimônia entrega a três teólogos do prêmio que leva o seu nome, Bento XVI voltou a abordar a questão da relação entre fé e razão.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 30-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

É possível uma teologia que seja "ciência da fé"? A fé cristã, "por sua própria natureza", deve "interrogar-se sobre a razoabilidade da fé". A afirmação é do papa, na manhã de hoje, ao entregar a três estudiosos o "Prêmio Ratzinger", instituído pela Fundação Vaticana Joseph Ratzinger - Bento XVI, liderada pelo monsenhor Giuseppe Scotti e cujo comitê científico é presidido pelo cardeal Camillo Ruini.

Os três premiados foram: Manlio Simonetti (na foto, recebendo o prêmio das mãos do papa), estudioso de literatura cristã antiga e da patrística; Olegario González de Cardedal, sacerdote espanhol, professor de teologia sistemática; Maximilian Heim, cisterciense alemão, abade do mosteiro de Heiligenkreuz, na Áustria, e professor de teologia fundamental e dogmática.

Bento XVI, em seu discurso, se concentrou sobre o que a teologia é verdadeiramente. "É ciência da fé, diz-nos a tradição. Mas aqui surge logo a pergunta: isso é realmente possível? Ou isso não é, em si mesmo, uma contradição? A ciência não é talvez o contrário da fé? A fé não deixa de ser fé quando se torna ciência? E a ciência não deixa de ser ciência quando é ordenada ou até subordinada à fé?".

Perguntas que se tornam ainda mais impulsivas e, "à primeira vista, até mesmo sem solução" com o moderno conceito de ciência. Eis por que, nos nossos tempos, a teologia, "em vastos âmbitos", tenha se retirado para o campo da história, "a fim de demonstrar aqui a sua séria cientificidade", ou para a práxis, "para mostrar como a teologia, em conexão com a psicologia e a sociologia, é uma ciência útil que oferece indicações concretas para a vida".

A questão da verdade

Mas ambas os caminhos, diz Ratzinger, embora úteis e importantes, não são suficientes e "tornam-se subterfúgios, se a verdadeira pergunta fica sem resposta", isto é: "é verdade aquilo em que acreditamos ou não? Na teologia, está em jogo a questão acerca da verdade. Ela é o seu fundamento último e essencial". Bento XVI, portanto, explicou que "o aspecto revolucionário" do cristianismo foi a "ruptura com o `costume` por amor da verdade", a ruptura com as "formas tradicionais" de culto que sempre haviam sido observadas.

"Se Cristo é o Logos, a verdade – disse o Papa –, o homem deve corresponder-Lhe com o seu próprio logos, com a sua razão. Para chegar a Cristo, ele deve estar no caminho da verdade. Deve se abrir ao Logos, para a Razão criadora, da qual deriva a sua própria razão e a qual ela o remete".

Daí se entende que "a fé cristã, por sua própria natureza, deve suscitar a teologia, deve se interrogar sobre a razoabilidade da fé, embora, naturalmente, o conceito de razão e o de ciência abracem muitas dimensões, e assim a natureza concreta do nexo entre fé e razão devia e deve ser sempre reexaminada".

Os dois usos da razão

Ratzinger, em seguida, repropôs uma observação de São Boaventura, que, no prólogo ao seu Comentário sobre as Sentenças, falou de um duplo uso da razão: um que é inconciliável com a natureza da fé, e outro que, ao contrário, pertence justamente à natureza da fé. O primeiro consiste no "despotismo da razão, que se torna juíza suprema de tudo". É um desejo de colocar Deus à prova, submetê-Lo a interrogatório, submetê-Lo a "um processo de prova experimental". "Essa modalidade de uso da razão, na idade moderna, atingiu o cume do seu desenvolvimento no âmbito das ciências naturais. A razão experimental aparece hoje, amplamente, como a única forma de racionalidade declarada como científica". Assim, aquilo que não pode ser cientificamente verificado ou falsificado "cai fora do âmbito científico".

Com essa definição, reconhece Bento XVI, "foram realizadas obras grandiosas. Ninguém quererá seriamente pôr em dúvida que ela é justa e necessária no âmbito do conhecimento da natureza e das suas leis". No entanto, há um limite a esse uso da razão: "Deus não é um objeto da experimentação humana. Ele é Sujeito e se manifesta apenas na relação de pessoa a pessoa: isso faz parte da essência da pessoa".

Nessa perspectiva, eis o segundo uso da razão, segundo São Boaventura, "que vale para o âmbito do `pessoal`, para as grandes questões do próprio ser homem. O amor quer conhecer melhor aquele que ama. O amor, o amor verdadeiro, não nos torna cegos, mas sim videntes. Faz parte disso justamente a sede de conhecimento, de um verdadeiro conhecimento do outro".

Por isso, explica Ratzinger, os Padres da Igreja "encontraram os precursores e os predecessores do cristianismo – fora do mundo da revelação de Israel – não no âmbito na religião de costume, mas sim nos homens em busca de Deus, nos `filósofos`: em pessoas que estavam sedentas pela verdade e estavam, portanto, no caminho para Deus".

"Quando não há esse uso da razão – concluiu Bento XVI – então as grandes questões da humanidade caem fora do âmbito da razão e são deixadas para a irracionalidade. Por isso, uma autêntica teologia é tão importante. A fé reta orienta a razão a se abrir ao divino, para que ela, guiada pelo amor à verdade, possa conhecer Deus mais de perto".

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