07 Junho 2011
Para nós, italianos, Cristo é um refugiado que se afoga no Mediterrâneo. É essa convergência no amor que pode se tornar uma verdadeira lei universal.
A reflexão é do teólogo italiano Christian Albini, publicada em seu blog Sperare per Tutti, 06-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Em alguns jornais, 200 mortos ou desaparecidos no mar como os de anteontem, em uma fuga do desespero, não acabam nem mais mais na primeira página; deslizam para as seguintes, entre as notícias certamente relevantes, mas não clamorosas. Para catástrofes semelhantes, poucos anos atrás, até um primeiro-ministro se comovia ou pelo menos sentia o dever de se comover publicamente.
"As tragédias de hoje dos refugiados em busca de salvação ou de uma sobrevivência menos miserável que perecem, muitas vezes anônimos e desconhecidos, no mar não são menos dolorosas, mas não são mais uma exceção, embora frequente, mas sim uma regra".
Inicia-se assim a reflexão de Claudio Magris, que teve um vasto eco em toda a Itália, sobre a indiferença que já envolve os mortos do mar.
Para um cristão, essa denúncia é ainda mais pungente e poderia ser expressada com as palavras escritas por Thomas Merton há meio século:
"De que serve organizar cursos de doutrina do Corpo Místico e de sagrada liturgia, se não se tem nenhum interesse pelo sofrimento, pela miséria, pela doença e pela morte prematura de milhões de membros potenciais em Cristo? (Vita e Santità, Ed. Lindau, p. 100)
É a diferença entre a religião da forma, das palavras, do conformismo e a fé que nasce da escuta de uma Palavra que converte a minha vida, que rompe a casca da minha autossuficiência e me faz reconhecer que não sou nada sem o outro que me ama e que eu amo.
Quando escrevi há alguns dias que a tarefa dos cristãos na política é elaborar uma gramática do bem comum, queria dizer um retorno ao humano, ao reconhecimento da humanidade de todo o tipo e à sua proteção, sem fechamentos e particularismos tribais.
O presidente da República italiana, Giorgio Napolitano, disse a mesma coisa, a partir de uma outra perspectiva, em sua resposta a Magris:
"Se é verdade, como o senhor diz, que a democracia é tal enquanto saiba "se colocar na pele dos outros, também na dos náufragos no fundo do mar", é preciso, então, esconjurar o risco de todo deslizamento à indiferença, é preciso reagir com força – moral e politicamente – à indiferença: hoje, e concretamente, com relação à odisseia dos refugiados africanos na Líbia, ou daquela parte deles que tenta alcançar as costas da Sicília como porta da rica – e acolhedora? – Europa".
Sábado, em uma palestra minha em Milão, fiz uma referência ao campo sobre o qual os crentes ou não podem se encontrar: é a humanidade. Não a partir de uma lei moral escrita abstratamente, que pode ser usada instrumentalmente como uma alavanca para abrir as portas a uma religião civil, mas sim a partir de uma preocupação compartilhada pelo humano, que se traduza em um esforço comum para compreender o que o fere e como defendê-lo.
Quem ama, conhece a Deus, escreve João em sua primeira carta (4, 7), mesmo que talvez não se dê conta disso porque ama como ateu, como agnóstico, como não cristão (Mateus 25, 35-40). Para nós, italianos, Cristo é um refugiado que se afoga no Mediterrâneo. É essa convergência no amor que pode se tornar uma verdadeira lei universal.
Dito novamente com a sabedoria rabínica: "Como tu podes dizer que me amas se não sabes o que pode me ferir?". É a partir do sofrimento pelas feridas dos outros que começa o caminho do amor.
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Cristo se afoga no Mediterrâneo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU