22 Mai 2011
"A democracia é o que fazem hoje, ou que começaram a fazer os cidadãos madrilenhos no 15 de maio, o que começam a fazer centenas de cidadãos em outras cidades e outras praças. A democracia é estar juntos e fazer juntos. A democracia é fazer política. A missão da política é garantir a vida no sentido mais amplo". O comentário é de Ángeles Diez em artigo publicado no Portal Rebelión, em 21-05-2011. A tradução é do blog Boca do Mangue.
Eis o artigo.
Os candidatos às eleições autônomas e municipais na Espanha estão desorientados, não sabem o que pensar do acampamento da Porta do Sol e das dezenas de rodas de discussão que surgem em cada esquina. O governo da Espanha e as direções dos partidos políticos também mostram sintomas de uma estranha doença que lhes obstrui o entendimento. Não compreendem o que querem as pessoas. Não compreendem porque pedimos democracia se vivemos numa democracia.
Eram onze e meia da noite e a Praça estava completamente compactada. As ruas de Arenal, Preciados, Montera, Alcalá, Carretas… estavam impraticáveis. Sol era uma massa cerebral com múltiplas ramificações. De todos os pontos saíam palavras de ordem que como impulsos elétricos conectavam todas as gargantas: "que não, que não, que não nos representam", "esta crise não pagamos", "chamam democracia e não o é, não o é". Um minuto antes da meia noite, fez-se silêncio. As mãos abertas se levantaram. Soaram as doze badaladas do relógio da praça e explodiram as gargantas e os aplausos: "o povo unido jamais será vencido", "agora, vocês, são os ilegais". Uma senhora idosa próxima de mim gritou: Felicidades, inicia o ano novo!
Não sabemos se começa um ano novo nem quantos meses têm ou se só terá dias. Sabemos sim, que para muita gente esses dias já estão sendo completamente novos. A aprendizagem é de ida e volta. Sem se dar conta, o pequeno cérebro estabelece novas conexões e nós que produzem novas conexões e nós fora da Praça. Na Praça e nas ruas de Madrid, as pessoas se sentam, se falam, se escutam, tomam nota, se organizam.
Quanto mais são as ameaças das Câmaras Eleitorais de proibir o acampamento e as possíveis manifestações, mais e mais gente se junta pedindo democracia. Hoje à noite havia medo, poucas horas de se iniciar a jornada de reflexão circulavam rumores de todo tipo. Mas a praça foi enchendo, os rios de pessoas espantaram o medo e cada célula foi formando um corpo protetor.
Caminho para um dos pontos de encontro, o da comissão de Educação e Cultura, um grupo de jovens cantava – em alusão ao ministro do interior – : "Rubalcaba tens um problema".
Sim, ao ministro do interior se apresentou um problema. Ao presidente e à oposição se apresentou um problema. O problema consiste em que não são as pessoas quem ignoram o significado da democracia, muito pelo contrário.
Talvez nossos políticos se perguntem – é pura especulação – por que as pessoas escrevem centenas de papéis com mensagens que colam nos postes, nas cabines telefônicas, no mobiliário público; por que as pessoas fazem assembléias na rua, se reúnem em círculo e falam, por que os cidadãos não ficam em suas casas – como Deus manda – refletindo sobre a forma como votarão amanhã.
Pode ser que nossos políticos não saibam, ou não lhes importe, o que tem acontecido com os cidadãos nos últimos anos. Seguramente desconhecem as conseqüências da reforma trabalhista, o que significa para cinco milhões de pessoas ficar sem trabalho. Talvez não saibam que a execução do Plano de Bolonha está desmantelando a Universidade Pública. Que a educação privada sangra os recursos da educação pública. Seguramente ignoram que centenas de famílias estão devolvendo ao banco suas casas e continuam pagando a dívida que contraíram com o banco.
Não imagina sequer que os hospitais de gestão privada são mais caros e contribuem para a deterioração da já precária saúde pública. Provavelmente ninguém lhes disse que os cidadãos não concordam em salvar bancos com dinheiros público. Na verdade, seguramente não lhes passou pela cabeça pensar na nacionalização dos bancos. E podem nunca ter ouvido falar das listas abertas, de uma lei eleitoral proporcional, de prestação de contas à cidadania, de consultar o povo sobre as decisões econômicas ou sobre se é melhor reduzir os gastos do exército e destiná-los à educação, por exemplo.
Sobretudo isso e muito mais se reflete hoje à noite, já madrugada, nas ruas de Madrid. Dizia a filósofa Hannah Arendt que quando os conceitos deixam de significar é preciso voltar a apresentar as perguntas originais: O que é, então, a democracia?
A democracia é o que fazem hoje, ou que começaram a fazer os cidadãos madrilenhos no 15 de maio, o que começam a fazer centenas de cidadãos em outras cidades e outras praças. A democracia é estar juntos e fazer juntos. A democracia é fazer política. A missão da política é garantir a vida no sentido mais amplo. A democracia, além das palavras e dos preconceitos, é o que se faz hoje na porta do Sol.
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Que parte do discurso não se compreende? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU